26 de julio de 2016
Plinio Corrêa de Oliveira: Filhos das trevas e filhos da luz
Plinio
Corrêa de Oliveira
Filhos das trevas e filhos da luz
Legionário, N.º 793, 19 de outubro de
1947
Há poucas semanas, os maometanos alcançaram um triunfo indiscutível na
Índia, com o reconhecimento oficial do Estado do Paquistão. As comunidades
islamitas daquela região, que viviam sob direção inglesa, coarctadas a todo
momento em sua liberdade de movimentos pelo incomodo convívio com os
braamistas, se viram finalmente independentes daqueles, e dissociados destes.
Uma nova unidade política maometana surgiu no concerto das nações,
representando um povo rejuvenescido, pujante, rico e colocado em situação
geográfica e política de indiscutível importância.
Enquanto este fato
se dá no extremo oriente da Ásia, o mundo maometano se mobiliza inteiro na orla
do Mediterrâneo para nova empresa, em favor da qual vibram todos os adeptos do
Profeta, desde o Ganges até o Marrocos. É a "guerra santa" - sim, uma
verdadeira guerra santa - pela posse dos Lugares Sagrados.
Já temos tratado
por vezes do problema da Terra Santa. Voltaremos a ele hoje, porque, se bem que
o Ocidente e especialmente o mundo católico pareça dormir, há dois motivos de
ordem religiosa, ambos transcendentais, que nos forçam a não perder de vista
esta questão. Em primeiro lugar não nos podemos esquecer de que a Terra Santa,
na qual se passou toda a História Sagrada, na qual sobretudo nasceu, viveu,
ensinou, padeceu e morreu Nosso Senhor Jesus Cristo, é para nós, depois
da Eucaristia e da Sé Romana, o que há de mais sagrado no mundo. Tanto isto é
verdade, que nossos maiores empenharam os esforços mais extremos e ousados para
que a Terra Santa não ficasse em poder dos infiéis. Somos do sangue dos
cruzados, e não nos podemos esquecer de que o ideal da libertação do Santo
Sepulcro empolgou e levou até o sacrifício do sangue e da vida várias gerações
de mártires cristãos. Em segundo lugar, a propósito da posse da Terra Santa, os
maometanos estão revelando uma solidariedade, uma energia, um brio que mostra
claramente que tudo caminha para a formação de um formidável super-Estado
maometano afro-asiático. No próprio momento em que URSS, com suas nações
satélites ou escravas, ameaça o Ocidente, o aparecimento de mais este inimigo
só pode ser indiferente aos políticos imediatistas, e de vistas curtas. Por
tudo isto, a questão maometana, que, se não é ainda inteiramente uma questão de
hoje, já é indiscutivelmente uma grave questão de amanhã, nos interessa e nos
preocupa. Vejamos, pois, de que forma ela está evoluindo.
Não o faremos,
porém, sem afirmar previamente que, na luta entre judeus e maometanos,
absolutamente não temos preferências nem simpatias. Somos do tipo de católicos
que se recusam obstinadamente a escolher entre [uns e outros]; e que, postos
nesta alternativa, só têm uma resposta que dar: viva Cristo-Rei!
* * *
A Terra Santa é
Terra Santa para a Santa Igreja, e para todas as seitas e igrejolas na Europa,
da Ásia Ocidental e da África Setentrional, a títulos aliás bem diversos. Lá se
passaram os fatos relevantes do Antigo Testamento, de onde o interesse dos judeus.
Lá se passaram também os fatos do Novo Testamento: motivo a mais para o
interesse dos católicos, dos protestantes, dos cismáticos. Lá se passaram,
ainda, muitos dos fatos da história religiosa dos maometanos: de onde o
interesse do seguidores do "Profeta". Estes motivos religiosos,
que dão tanta importância à Terra Santa, são conhecidos, antigos, e
fundamentais. Ele interessa os cristãos, judeus e muçulmanos do mundo inteiro,
ou seja a maior parte dos habitantes do globo. Ao lado deles, há uma questão étnica
e política muito menor, mas irritante. Os judeus se julgam no direito de voltar
à Palestina. Sobretudo agora, devido à possibilidade de novo conflito mundial,
eles se precipitam para lá, um pouco de todos os pontos do universo. Ora, o
super povoamento judaico da Palestina colocará em inferioridade numérica e
política (sem falar da inferioridade econômica, já se vê), os muçulmanos,
religiosa e racialmente inimigos dos judeus. De onde uma reação árabe contra
este fato. No meio disto, tratados como bagaço, estão os cristãos da
Palestina e Síria. Os católicos do resto do mundo pouco se interessam por eles.
Eles mesmos parecem ter uma visão muito confusa dos riscos que correm, quer com
o predomínio dos árabes, quer com o dos judeus. São quantité négligeable
neste jogo confuso e temível.
Diga-se, para
completar este quadro, que a imigração judaica na Palestina deu maior
atualidade ao problema, mas que ele já é velho. De há muito, os judeus estão
afluindo para a Terra Santa, onde já construíram uma cidade monumental e
moderníssima, Tel-Aviv. O protesto árabe contra este fato também é velho.
O que no problema não é velho é que, até há algum tempo atrás, os árabes
da África ou mesmo da Ásia meridional se mostravam totalmente desinteressados
do problema. Vivendo sob a ação de um torpor secular, não se preocupavam com o
aspecto religioso do caso. Politicamente falando, seus problemas eram
inteiramente independentes dos da Palestina. Assim, assistiam indiferentes ao
desenrolar dos fatos, limitando-se quando muito a alguma atitude puramente
platônica, de solidariedade para com os árabes da Palestina. Politicamente, o
problema palestiniano continua igualmente desinteressante para as potências
maometanas. Mas todas elas passam por um renascimento nacionalista e religioso
verdadeiramente assombroso. O sopro desse renascimento percorre toda a imensa
faixa que vai do litoral atlântico do Marrocos até o Paquistão. E, em virtude
do renascimento religioso do que poderíamos chamar a "islamidade", o
problema palestino passou a interessar todo o mundo maometano. Por isto, o
"caso" judaico-árabe da Terra Santa se transformou no ponto
álgido da política norte-africana e asiática. Tivemos uma amostra disto na
violência das manifestações anti-brasileiras ocorridas no Egito pelo simples
motivo de que nosso representante na ONU votou contra os elementos árabes
da Palestina. A luta está concorrendo por sua vez para estimular ainda
mais o renascimento pan-árabe e pan-maometano. E, assim, os acontecimentos vão
dando aos muçulmanos do mundo inteiro uma consciência cada vez mais nítida,
mais vigorosa, de sua unidade, de seu poder, de seus interesses religiosos e
políticos comuns.
De há muito, tudo
caminha neste sentido. Alguns fatos do noticiário político desta semana, que
motivaram mais proximamente este artigo, mostram que o movimento para a
formação de um mundo pan-islâmico se está acelerando cada vez mais.
Com efeito, de há
muito os estados Árabes constituíram uma Liga que é uma pequena ONU maometana.
Ou antes - quanta é nossa dor ao dize-lo - um Sacro Império, não Romano Alemão,
mas maometano anticristão. Já não se pode falar mais de uma Cristandade em
nossos dias, e aí está diante de nós, pujante e agressiva, a Islamidade. A isto
chegamos. Choramos aos pés da Cristandade quase arrasada, como os judeus junto
ao muro das lamentações...
Esta Islamidade,
funcionando como outrora funcionava a Cristandade, reuniu-se em Beirute, em
sessão plenária da Liga Árabe, e decretou uma espécie de cruzada: pela
unanimidade dos presentes, foi resolvido que todos os Estados maometanos
mobilizassem seus recursos militares em defesa dos árabes da Terra Santa. As
tropas do Egito e da Síria já estão aptas a marchar a qualquer momento.
O eco desta
mobilização geral já chegou até Tanger, no outro extremo da África. O delegado
do Partido Nacionalista Reformista da zona espanhola do Marrocos já declarou
que todos os partidos muçulmanos da África do Norte atenderão à ordem de
mobilização da Liga Árabe, por meio de um ou alguns corpos expedicionários, que
participarão de todas as operações de “libertação”.
Não se tenha a
ilusão de que os motivos religiosos são secundários em tudo isto. Um telegrama
de Damasco já vem declarando que naquela cidade “se anuncia que a Guerra Santa
será proclamada entre os dias 24 e 28 do corrente, durante as comemorações
árabes da festa do sacrifício no Iraque. Essa resolução talvez seja tomada
durante a reunião de chefes árabes na Síria”. Acrescenta o telegrama que “as
capitais dos Estados árabes estão em constante comunicação discutindo-se as
últimas medidas e fixando-se a ordem do dia para a próxima reunião dos chefes.
Anuncia-se também que os líderes árabes discutem a questão do comando do
exército árabe, que talvez seja confiado ao general reformado Tahan Hachimi, do
Iraque, que é pessoa de confiança daqueles chefes”. É possível que estes
rumores não se realizem inteiramente. Em todo o caso, o simples fato de que
eles tenham tomado tal corpo que as agências telegráficas o tenham difundido
pelo mundo inteiro, prova bem em que direção se orientam os espíritos, e qual
lhes parece a natureza profunda do problema, e o rumo que normalmente ele
deverá tomar.
Discursando em
Argel na semana passada, o general De Gaulle aludiu de certa forma a todos
estes fatos, quando mostrou que a África Setentrional Francesa está imergindo
no caos, na agitação, na anarquia, e censurou por isto a debilidade manifesta
do atual gabinete. O problema entrou, pois, de cheio, na esfera da grande
política.
Mas os católicos
continuam a dormir. No Horto das Oliveiras, eles dormiram também...
Etiquetas:
Islamismo,
Legionario,
Musulmanismo-Arabes,
Plinio Côrrea de Oliveira
Suscribirse a:
Enviar comentarios (Atom)
No hay comentarios:
Publicar un comentario