Folha de S.Paulo - Madri - Clóvis Rossi Orgulho e cobiça - 16-05-2010
São Paulo, domingo, 16 de maio de 2010 |
| CLÓVIS ROSSI Orgulho e cobiça MADRI - Na terça-feira, o rei da Espanha, dom Juan Carlos 1º, deixou o hospital universitário (e público) Clinic, de Barcelona, depois de extrair um nódulo (não canceroso) do pulmão. Saiu dizendo que a Espanha deveria se orgulhar de seu sistema público de saúde. No dia seguinte, o governo, no bojo de um pacotaço de ajuste fiscal, cortou 5% dos salários do funcionalismo, inclusive dos profissionais da saúde. Medida inédita nos 33 anos de democracia. O que aconteceu de um dia para o outro? O rei morreu? Internou-se em uma clínica privada para curar-se de uma infecção hospitalar contraída no hospital público? Nada. O rei está bem. O problema é que o rei reina, mas não governa. Até aí, um clássico das monarquias parlamentares. O problema é que o presidente do governo também não governa mais. Nem na Espanha nem em qualquer outro lugar da Europa, pelo menos. Governam os mercados. A Espanha vinha sendo exemplo de bom comportamento fiscal: deficit minúsculos até 2004 e, daí até 2007, superavit. Vem a crise global, o governo se vê obrigado a estimular a economia, para evitar o colapso total, e inexoravelmente o deficit público dispara, como ocorreu em quase todo o mundo. Vêm, então, os mercados e exigem sangue, como lobos que são, conforme os definiu o ministro sueco Anders Borg. A Europa/FMI/Bancos Centrais dão carniça (pacote de US$ 1 trilhão). A Bolsa espanhola tem a maior alta em um dia de sua história. Dois dias depois, sai o pacote de ajuste fiscal, exigido pelos mercados, que impõem, no entanto, uma queda na Bolsa pior do que a do período agudo da crise em 2008. Os lobos perceberam que vampirizar a economia pode impedir que o governo pague a dívida. Tarde demais: a cobiça já venceu o orgulho. |