13 de mayo de 2015
Acordo com o regime comunista Para a Igreja, esperança ou autodemolição
“Acordo com o regime comunista: para a Igreja, esperança ou
autodemolição?” Foi publicado pela primeira vez no no 152, de
agosto de 1963, do prestigioso mensário de cultura “Catolicismo”, sob o título
“A liberdade da Igreja no Estado Comunista”.
Por sugestão de diversas personalidades que leram o ensaio,
e se interessaram vivamente por ele, o Autor desenvolveu mais amplamente alguns
argumentos que figuravam nessa primeira versão. O estudo assim ampliado foi
publicado no no 161 de
“Catolicismo”, de maio de 1964, sob o mesmo título.
A enorme difusão que o trabalho teve e a repercussão que
alcançou nos mais altos círculos eclesiásticos e na intelectualidade católica
bem provam a transcendência do tema nele versado.
*
“A liberdade da Igreja no Estado Comunista” foi distribuído
a todos os Padres presentes à segunda sessão do Concílio Ecumênico, bem como,
na versão ampliada, a todos os que participaram da terceira sessão.
A propósito deste seu trabalho, o Autor recebeu
cartas alentadoras dos Eminentíssimos Cardeais Eugenio Tisserant, já falecido,
Alfredo Ottaviani, então secretário da Suprema Congregação do Santo Ofício,
Norman Thomas Gilroy, Arcebispo resignatário de Sidney (Austrália), de Sua
Beatitude Paul II Cheicko, Patriarca de Babilônia dos Caldeus, e de numerosos
outros Prelados.
Entre todas ocupa um lugar de destaque, entretanto, a carta
altamente elogiosa que a respeito deste ensaio foi dirigida ao Exmo. Revmo. Sr.
Bispo Diocesano de Campos, D. Antônio de Castro Mayer, pela Sagrada Congregação dos Seminários e
Universidades (hoje Sagrada Congregação para a Educação Católica).
Como se sabe, esse Sagrado Dicastério da Cúria Romana é
encarregado de incentivar, orientar e vigiar os estabelecimentos superiores de
ensino católico em todo o mundo, e a tal título lhe cabe a supervisão da alta
cultura católica.
A carta, assinada pelo Cardeal Giuseppe Pizzardo e
referendada pelo então Monsenhor depois Cardeal Dino Staffa, Arcebispo titular
de Cesaréia da Palestina, respectivamente Prefeito e Secretário daquele Sagrado
Dicastério, afirma a inteira consonância do estudo do Prof. Plinio Corrêa de
Oliveira com a doutrina contida nos documentos pontifícios, e constitui autêntico
triunfo para este ensaio.
*
Traduzido em oito línguas (alemão, espanhol, francês,
húngaro, inglês, italiano, polonês e ucraniano), “Acordo com o regime
comunista: para a Igreja, esperança ou autodemolição?” teve 33 edições num
total de 160 mil exemplares. O estudo foi também reproduzido na íntegra em mais
de trinta jornais e revistas de onze países diferentes, entre os quais cumpre
destacar “Il Tempo”, o maior diário de Roma.
Resenhas e comentários foram publicados em um número
incontável de publicações.
A prestigiosa revista de filosofia e teologia, “Divus
Thomas”, de Piacenza (Itália) dedicou-lhe um comentário de três páginas,
assinado pelo diretor, Revmo. Pe. Giuseppe Perini, C. M. (no
de abril-setembro de 1964).
É bastante significativo que até a revista
“Informations Catholiques Internationales”, cuja orientação extremadamente
“progressista” é bem conhecida, tenha julgado dever publicar uma resenha do
trabalho do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.
Reação característica – e que por isso merece um registro
especial – foi a do Sr. Jean-Marie Domenach, diretor da conhecida revista
progressista “Esprit”, o qual chegou a afirmar, a propósito deste estudo, que
“a defesa da propriedade não pertence ao ensinamento de Cristo”.
*
Porém, nenhuma tomada de posição terá sido, talvez, mais
ilustrativa da importância e atualidade do estudo do Prof. Plinio Corrêa de
Oliveira do que o indignado protesto que contra ele lançou a Associação “Pax”,
organização de “católicos” esquerdistas da Polônia, cuja desinibida adesão ao regime
comunista provocou censuras do próprio Episcopado polonês. O extenso artigo
intitulado “Carta aberta ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira”, foi publicado na
primeira página do semanário “Kierunki” de Varsóvia (no 8 de
1o-3-64) e no mensário “Zycie i Mysl” (no 1-2 de
1964), da mesma Associação “Pax” pelo Sr. Zbigniew Czajkowski, membro destacado
desse movimento.
O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira respondeu através de
“Catolicismo”(no 162 de junho de 1964) e o Sr. Zbigniew Czajkowski
treplicou por meio de nova carta aberta publicada nos mesmos periódicos
(“Kierunki”, no 43 de 25-10-64 e “Zycie i Mysl”, no 9 de
1964). E ainda acrescentou: “Nossa discussão suscitou grande interesse na
Polônia, como testemunham, entre outras, as notícias e informações publicadas a
respeito em outros periódicos poloneses, que aliás tomam a mesma atitude que eu
com referência às suas teses”. A segunda resposta do Prof. Plinio Corrêa de
Oliveira apareceu em “Catolicismo”, no 170, de fevereiro de 1965.
O debate entre o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e o
jornalista polonês repercutiu em Paris, tendo nele intervindo, do lado do Autor
deste livro, o Sr. Henri Carton, de "L’Homme Nouveau”, e, do lado do Sr.
Z. Czajkowski, o Sr. A. V., de “Témoignage Chrétien”, outro importante órgão “progressista”(cfr.
“Catolicismo”, n.o 165 de setembro de 1964 e n.o 166 de
outubro de 1964).
Por sua vez, o Sr. Tadeusz Masowiecki, redator-chefe do
mensário “Wiez” e deputado do grupo católico “Znak” à Dieta polonesa, publicou
em sua revista (no 11-12 de novembro-dezembro de 1963), em
colaboração com o Sr. A. Wielowieyski, um artigo que procura ser uma réplica ao
presente estudo.
Essa polêmica deixou patente o quanto a repercussão de “A
liberdade da Igreja no Estado Comunista” além cortina de ferro incomoda às
autoridades comunista e aos católicos colaboracionistas.
* * *
Durante estes onze anos, a Sociedade Brasileira de Defesa da
Tradição, Família e Propriedade, de cujo Conselho Nacional o Prof. Plinio
Corrêa de Oliveira é Presidente, tem difundido ativamente o presente estudo. Ao
mesmo tempo, tem lutado por várias outras formas contra a miragem
colaboracionista ou entreguista face ao comunismo.
Constitui eco impressionante dessa campanha o imenso
abaixo-assinado levado a efeito em 1968, em vários países da América Latina,
pela TFP brasileira e suas co-irmãs hispano-americanas, pedindo a Paulo VI
medidas efetivas contra a infiltração esquerdista nos meios católicos. Esse
abaixo-assinado teve em nosso País 1.600.638 assinaturas, na Argentina 280 mil,
no Chile 120 mil, e no Uruguai 40 mil, perfazendo o impressionante total de
2.040.368 assinaturas.
A presente edição de “Acordo com o regime comunista: para a
Igreja, esperança ou autodemolição?”,
enriquecida com uma documentação fotográfica nova, constitui mais um
esforço votado a coarctar o passo a uma colaboração entre os filhos da luz e os
filhos das trevas, a qual, pela própria natureza das coisas, só pode redundar
em catástrofes para os primeiros e vitória para os últimos.
Quando foi publicado pela primeira vez o presente estudo, em
agosto de 1963, a diplomacia e a propaganda comunista desenvolviam esforços
sempre maiores para implantar o regime da coexistência pacífica entre os dois
mundos, capitalista e comunista, e as relações entre o Ocidente e o Oriente
começavam apenas a sair do regime da guerra fria.
Alvo especial do esforço “pacifista” soviético eram,
naturalmente, os dois grandes pilares da resistência ao comunismo: no campo
material os Estados Unidos, no campo espiritual a Igreja Católica.
Na poderosa nação norte-americana, a propaganda
dirigida de Moscou utilizava inocentes-úteis – de uma inocência por vezes
contestável, porém de uma utilidade sempre indiscutível – para disseminar uma
atmosfera de otimismo sentimental e pacifista “à outrance”, a qual induzia
subrepticiamente os norte-americanos a esquecer a experiência do passado, e
esperar uma reconciliação definitiva com os líderes soviéticos risonhos da era
pós-staliniana.
No seio da Igreja, a difusão da mesma atmosfera se fazia a
partir de grupos de teólogos e homens de ação, ora ingênuos, ora esquerdistas
declarados. A ilusão de que seria possível uma coexistência verdadeiramente
pacífica entre a Igreja e os regimes comunistas ia conquistando terreno, apesar
de continuar em todo o seu rigor a campanha anti-religiosa, em todo o mundo
comunista.
Foi para – quanto possível – criar óbices, nos meios
católicos, à dolosa manobra “pacifista” de Moscou, que foi escrito o presente
estudo.
* * *
De então para cá, ao longo dos anos, as edições da obra se
foram sucedendo: nove em português, uma em alemão, onze em castelhano, três em
francês, uma em húngaro, quatro em inglês, duas em italiano e uma em polonês,
num total de 144 mil exemplares, sem contar a transcrição integral em mais de
trinta jornais ou revistas de onze
países diferentes.
Ao mesmo tempo, os acontecimentos se foram desenrolando na
grande cena mundial. E, como eles hoje se apresentam, impõem a seguinte
constatação: os esforços “pacifistas” de Moscou se avolumaram, lograram operar
transformações imensas, e vão alcançando largamente os objetivos visados.
Entre o Ocidente e as nações comunistas prossegue
obstinadamente a “détente” promovida por Nixon e Kissinger. Também o Vaticano
vai “distendendo” de maneira impressionante suas relações com os governos de
Moscou e das diversas nações satélites. Paralelamente, o ecumenismo tem servido
de ocasião para o estabelecimento de relações cada vez mais assíduas entre a
Igreja Católica e a Igreja Cismática subordinada a Moscou.
Como marcos dessa dupla aproximação – diplomática e
religiosa – entre a Igreja e o mundo comunista, não é supérfluo lembrar alguns
grandes acontecimentos: a omissão de qualquer censura ao comunismo no Concílio
Vaticano II; os acordos com a Iugoslávia, a Hungria, a Polônia, a
Checoslováquia e a Alemanha Oriental; a Carta Apostólica “Octogesima
Adveniens”; as dificuldades entre o Cardeal Slipyj e os católicos de rito
ucraniano e a Santa Sé; a recente destituição do Cardeal Mindszenty da Sé arquiepiscopal
de Esztergom.
Distinta da dupla “détente” Moscou-Washington e
Moscou-Vaticano, mas afim com ela, está a fermentação que lavra nas esferas
políticas mais flexíveis da Europa ocidental e oriental, em favor da
“convergência”. Como todos sabem, trata-se aí de uma tendência, expressa em
diferentes planos e com diferentes rótulos, para a adoção de um mesmo regime
sócio-econômico em todas as nações. Tal regime ficaria a certa distância entre
a propriedade individual e a propriedade
coletiva. A prevalecer tal tendência, o mundo não comunista dará um passo
imenso rumo à esquerda. E a parte mais “dúctil” do mundo comunista talvez dê um
pequeno passo rumo ao regime de propriedade privada. Tal solução deixará então
entrever o dia em que as nações assim “convergidas” operarão novo passo
convergencialista rumo à parte irredutivelmente comunista. E assim se chegará
virtualmente ao comunismo. O futuro mostrará que as várias etapas da
“convergência” não são senão outras tantas etapas na caminhada rumo ao polo
mais extremo e radical do comunismo.
Isto tudo, bem entendido, se a Providência não atalhar – e
estamos certos de que o fará – a marcha desse imenso processo de conquista do
mundo pelo comunismo.
Esse panorama, considerado em seu conjunto, dá uma visão
impressionante do que é a escalada do poder comunista no mundo. E impõe uma
pergunta: essa escalada apresenta ainda outros aspectos?
Seria impossível não mencionar três deles: a) o crescente
mal-estar entre a Europa Ocidental e os Estados Unidos ameaça gravemente a Aliança
Atlântica; b) uma crise econômica e financeira, confusa em suas causas e em
suas manifestações, parece erodir a economia ocidental; c) por fim, numa outra
ordem de fatos, o poder militar da Rússia vai crescendo sempre mais, à medida
que a influência internacional dos Estados Unidos se vai encurtando por toda
parte, e o poder militar norte-americano se vai deixando alcançar ou superar
pelo russo.
Se, no ano em que foi lançado o presente estudo, alguém
tivesse ousado prever tantas calamidades, teria encontrado bem poucas pessoas
que lhe dessem crédito. A maior parte dessas pessoas, postas hoje em presença
desses fatos incontestáveis, não reconhecem que eles sejam surpreendentes, e
menos ainda calamitosos.
Talvez seja essa a maior das calamidades. O entorpecimento
dos bons.
* * *
Diante deste quadro, a propósito vem esta nova edição de um
trabalho que convida a lutar contra um adversário cuja vitória cabal, antes
mesmo de se consumar, a tantos espíritos pusilânimes, já parece irreversível?
Aconselho a certas categorias de pessoas que não leiam este
ensaio. Ele não foi escrito para as mentalidades acomodatícias, idólatras do
fato consumado. Também não para os preguiçosos e os medrosos, para quem o
esforço e o risco constituem um mal que jamais estão dispostos a enfrentar.
Menos ainda para os ambiciosos, que procuram adivinhar o rumo dos
acontecimentos, a fim de perceber diante de quem deverão rebaixar-se, no
intuito de mais rapidamente subir em riqueza ou poder.
Principalmente, perderão seu tempo, lendo este ensaio, os
homens sem Fé, que não crêem em Deus, e consideram o curso da História, nas
épocas de catástrofe e decadência, sujeito exclusivamente às forças sociais e
econômicas cegas, ou às personalidades, ao mesmo tempo insípidas e monstruosas,
que aparecem então na crista dos acontecimentos.
As pessoas dessas várias categorias não estão preparadas
para dar o devido valor ao fato de que a opinião pública foi misteriosamente
adormecida, porém de nenhum modo conquistada, pela propaganda soviética. Hoje
continua absolutamente tão verdadeiro quanto o era em 1963, que o comunismo
jamais se demonstrou majoritário em eleições livres e honestas [2].
De então para cá, correram doze anos de pertinaz e geral
recusa do comunismo. Acresce que a inconformidade com o comunismo, intacta no
Ocidente, não tem feito senão crescer, nesses onze anos, além da cortina de
ferro.
São tantas e tão notórias as manifestações deste fato, que
me dispenso de as comentar.
Em síntese, o comunismo tem a seu serviço o poder, o ouro, a
propaganda. Em certas elites corruptas não cessa de crescer. Mas as multidões,
em parte não as conquista, em outra parte as perde. E diante desta constatação,
o poder dele, formidável como um gigante, deixa ver bem a nu seus pés de barro.
Mas, que são de barro estes pés, só o percebem com toda a
nitidez os homens de Fé, que não se deixam enganar pelo turbilhão da
publicidade feito em torno da suposta onipotência comunista. Crêem eles em
Deus, confiam na Virgem e estão firmemente dispostos a entrar na luta, certos
de que a vitória final lhes pertence.
É de homens tais, que sabem ver que são de barro os pés do
colosso, que se pode esperar que o pisem. É para eles que este ensaio foi
escrito. Provando a impossibilidade da coexistência entre a Igreja e os regimes
comunistas, o presente trabalho visa auxiliá-los a se firmarem numa posição de
rejeição absoluta em relação às investidas comunistas. E constitui um estímulo
a que, em número sempre crescente, ataquem o adversário terrivelmente grande e
ridiculamente débil. Repetimos: lutando pela causa de Deus, terão eles consigo
o auxílio do Céu e poderão, com a ajuda da Virgem, renovar a face da Terra.
São Paulo, julho de
1974
Plinio Corrêa de
Oliveira
Os leitores de “Catolicismo” sempre acolheram com interesse
os trabalhos que versam sobre o problema das relações entre a Igreja e O
Estado. Pensei, portanto, que receberiam com simpatia algumas reflexões sobre
um aspecto hodierno desse problema, ou seja, a liberdade da Igreja no Estado
comunista.
Publiquei, pois, no número 152 desta folha, em agosto de
1963, o estudo que “Catolicismo”, animado pelo grande interesse suscitado pela
matéria, ora reedita ampliado em vários pontos. Essas ampliações foram
introduzidas a pedido de amigos, ou para responder a objeções de adeptos da
tese oposta à que o presente estudo propugna.
Antes de entrar na matéria, parece-me necessário definir os
limites naturais deste trabalho. Constitui ele um estudo sobre a questão da
liceidade da coexistência pacífica entre a Igreja e o regime comunista, em
Estados onde esse regime está em vigor.
Esse tema não se confunde com outro, que é o da coexistência
pacífica, no plano internacional, entre Estados que vivem sob regimes
políticos, econômicos ou sociais diversos. Nem com o das relações diplomáticas
entre a Santa Sé e nações sujeitas ao jugo comunista.
Discorrer, ainda que de leve, sobre estes dois temas, que
têm cada qual características e perspectivas muito peculiares, importaria em
estender por demais o presente estudo. Não os temos, pois, em vista ao longo
destas páginas, consagradas exclusivamente a investigar se, e em que condições,
pode a Igreja coexistir, verdadeiramente livre, com um regime comunista.
Também não trataremos, aqui, do problema da cooperação entre
católicos e comunistas, nos países não comunistas. Este tema, tratou-o com sua
notória inteligência o Exmo. Revmo. Sr. Bispo de Campos, D. Antônio de Castro
Mayer, na magnífica “Carta pastoral prevenindo os diocesanos contra os ardis da
seita comunista” (publicada em “Catolicismo”, no 127, de julho de
1961, e pela Editora Vera Cruz, 3ª Edição, 1963).
Isto dito, passemos diretamente à matéria, começando pela
análise dos fatos.
No início, a atitude dos governos comunistas era de
perseguição clara e aberta à Religião; para a Igreja não restava outra
alternativa senão reagir contra eles vigorosamente. Em meio a peripécias
dramáticas, correu abundante o sangue dos mártires. E o comunismo não conseguiu
extinguir a Fé na alma dos povos que lhe estão sujeitos.
De algum tempo para cá, certos governos comunistas estão
mudando de tática. Inauguraram uma era de tolerância restrita, em que aparece
para a Igreja a perspectiva de uma tênue liberdade de culto e de palavra. Quão
tênue, na verdade, porque a Igreja continua sendo combatida às escâncaras pela
propaganda ideológica oficial e espionada pela polícia.
1 . Durante muito
tempo, a atitude dos governos comunistas, não só em relação à Igreja Católica
como em relação a todas as religiões, foi dolorosamente clara e coerente.
a ) Segundo a doutrina marxista, toda religião é um mito que
importa na “alienação” do homem a um ente superior imaginário, isto é, a Deus.
Tal “alienação” é aproveitada pelas classes opressoras para manter seu domínio
sobre o proletariado. Com efeito, a esperança de uma vida extraterrena,
prometida aos trabalhadores resignados como prêmio de sua paciência, atua sobre
eles à maneira do ópio para que não se revoltem contra as duras condições de
existência que lhes são impostas pela sociedade capitalista.
b ) Assim, no mito religioso tudo é falso, e nocivo ao
homem. Deus não existe, nem a vida futura. A única realidade é a matéria em
estado de contínua evolução. O objetivo específico da evolução consiste em
“des-alienar” o homem no que diz respeito a qualquer sujeição a senhores reais
ou fictícios. A evolução, em cujo livre curso está o supremo bem da humanidade,
encontra pois um sério entrave em todo mito religioso.
c ) Em conseqüência, ao Estado comunista, que por meio da
ditadura do proletariado deve abrir as vias à “desalienação” evolutiva das
massas, incumbe o dever de exterminar radicalmente toda e qualquer religião, e
para isto, no território sob sua jurisdição, compete-lhe:
-
em prazo maior ou menor – conforme a maleabilidade da
população – fechar todas as igrejas, eliminar todo o clero, proibir todo o
culto, toda profissão de fé, todo apostolado;
-
enquanto não for possível chegar inteiramente a este
resultado, manter em relação aos cultos ainda não supressos uma atitude de
tolerância odienta, de espionagem multiforme e de cerceamento contínuo de suas
atividades;
-
infiltrar de comunistas as hierarquias eclesiásticas
subsistentes, transformando disfarçadamente a religião em veículo do comunismo;
-
promover por todos os meios ao alcance do Estado e do
Partido Comunista, a “ateização” das massas.
(Veja-se sobre a doutrina comunista a substanciosa e lúcida
exposição contida na famosa “Carta Pastoral sobre a seita comunista, seus
erros, sua ação revolucionária e os deveres dos católicos na hora presente”, de
autoria de S. Excia. Revma. o Sr. D. Geraldo de Proença Sigaud, S. V. D.,
Arcebispo de Diamantina, publicada em “Catolicismo”, n.o 135, de
março de 1962, e pela Editora Vera Cruz, 2ª ed., 1963).
A partir do momento em que a ditadura comunista se
instaurou na Rússia, e mais ou menos até a invasão da URSS pelas tropas
nazistas, a conduta do governo soviético em relação às várias religiões foi
pautada por estes princípios.
Durante toda esta primeira fase a propaganda comunista
ostentava aos olhos do mundo inteiro seu intuito de exterminar todas as
religiões, e deixava bem claro que, até quando tolerava alguma delas, fazia-o
para mais seguramente chegar a eliminá-la.
2 . À vista deste
procedimento do comunismo, a linha de conduta a ser mantida pela opinião
católica também se patenteava simples e clara.
Perseguida “à outrance” em razão de uma visceral e completa
incompatibilidade entre sua doutrina e a do comunismo, não podia a Igreja senão
reagir “à outrance”, por todos os meios lícitos.
As “relações” entre os governos comunistas e a Igreja só
podiam consistir numa luta total, de vida e de morte. Cônscia disto, a opinião
católica se erguia em cada país como uma imensa falange, disposta a aceitar
tudo e até o martírio, para evitar a implantação do comunismo. E, nos países
onde esta se dera, os católicos aceitavam com fortaleza de alma viver numa
clandestinidade heróica, à maneira dos primeiros cristãos.
3 . De algum tempo
para cá, a atitude de certos governos comunistas, em matéria religiosa, parece
apresentar novos matizes.
De fato, enquanto em algumas nações sob o domínio
comunista – a China por exemplo – a atitude dos governos em face da religião
continua inexoravelmente a mesma, em outras como a Iugoslávia, a Polônia e mais
recentemente a Rússia, essa atitude parece que se vai modificando gradualmente.
Assim é que, nestes últimos países, segundo anunciam os
respectivos órgãos de propaganda, a intolerância do governo em relação a
algumas religiões foi sendo substituída por uma tolerância malévola de início,
que se foi tornando depois, se não benévola, pelo menos indiferente. E o antigo
regime de coexistência agressiva vai tendendo cada vez mais a ser substituído
pelo de coexistência pacífica.
Em outros termos, os governos russo, polonês e iugoslavo
conservam inteiramente sua adesão ao marxismo-leninismo, que continua a ser
para eles a única doutrina oficialmente ensinada e aceita. Mas – em escala
maior ou menor conforme o país – passaram a admitir uma liberdade de culto mais
ampla, e a conceder um trato sem violência e, de alguns pontos de vista, quase
correto à religião ou às religiões de ponderável importância nos respectivos
territórios.
Na Rússia, como se sabe, a religião que conta com maior
número de adeptos é a greco-cismática, correntemente chamada ortodoxa. Na
Polônia é a Religião Católica (a maior parte dos fiéis pertence ao rito
latino). E na Iugoslávia uma e outra são numerosas.
Em conseqüência, aparece para a Igreja Católica, em certas
nações além da cortina de ferro, uma tênue liberdade, consistente na faculdade,
ora maior, ora menor, de distribuir os Sacramentos e pregar o Evangelho a povos
até então quase inteiramente privados de assistência religiosa. Dizemos “tênue”
porque a Igreja continua, apesar de tudo, combatida às escâncaras pela
propaganda ideológica oficial, e permanentemente espionada pela polícia, pelo
que nada ou quase nada pode fazer além de realizar as funções de culto e
ministrar alguma catequese. Na Polônia, ademais disto, é-Lhe tolerado manter
cursos para a formação de Sacerdotes, bem como uma ou outra obra social.
À vista dessa mudança no procedimento das autoridades
comunistas de alguns países, abrem-se para a Igreja duas vias: aceitar um
acordo com o regime comunista, ou recusá-lo, permanecendo na clandestinidade. A
escolha entre essas duas vias depende da solução do seguinte problema moral: é
lícito aos católicos aceitar relações harmoniosas com um regime comunista?
Mudado assim em alguma medida o procedimento das autoridades
comunistas, nos referidos países se abrem agora para a Igreja Católica duas
vias:
a) Deixar a existência clandestina e de catacumba que tinha
até aqui atrás da cortina de ferro, e passar a viver à luz do dia, coexistindo
com o regime comunista em um “modus vivendi” tácito ou explícito;
b) ou recusar qualquer “modus vivendi” e conservar-se na
clandestinidade.
Escolher entre estas vias é a questão tática muito complexa
que se põe no momento atual para a consciência de numerosos católicos. Dizemos
“para a consciência” porque a decisão, nessa encruzilhada, está na dependência
da solução que se dê ao seguinte problema moral: é lícito aos católicos aceitar
um “modus vivendi” com um regime comunista? É este problema que, como dissemos,
o presente artigo pretende estudar.
Esta mudança tática do comunismo em relação à Religião vem
trazendo para a causa comunista um benefício imenso: a opinião dos meios
católicos, que outrora constituía um muro intransponível para a propaganda
comunista, se dividiu quanto à orientação a seguir. Rompeu-se assim o maior
dique de oposição ideológica ao comunismo.
A ruptura é obra imediata dos chamados católicos de
esquerda, ou progressistas.
Antes de entrar no mérito do problema, digamos algo sobre
sua importância concreta.
A importância desse problema para as nações sob
regime comunista é óbvia.
Parece-nos necessário dizer algo sobre o alcance dele nos
países do Ocidente. E isto particularmente no que toca aos planos de penetração
do imperialismo ideológico nesses países.
O temor de que, no caso de uma vitória mundial dos
comunistas, a Igreja venha a ficar por toda parte sujeita aos horrores que
sofreu no México, na Espanha, na Rússia, na Hungria ou na China, constitui a
causa principal da deliberação dos 500 milhões de católicos espalhados pelo
mundo, Bispos, Sacerdotes, Religiosos, Religiosas e leigos, de resistir até à
morte contra o comunismo. Também é esta, com relação às respectivas religiões,
a principal causa da atitude anticomunista de centenas de milhões de pessoas
que professam outros credos.
Essa deliberação heróica representa, na ordem dos fatores
psicológicos, o obstáculo maior – ou talvez até o único ponderável – a que o
comunismo venha a se instaurar e manter-se em todo o orbe.
Quaisquer que sejam os motivos táticos que determinem a
aludida mudança de atitude de alguns governos comunistas em relação aos vários
cultos, o fato é que a tolerância religiosa que atualmente praticam, e que sua
propaganda anuncia de modo exagerado a todo o mundo, já lhes vem trazendo um
benefício enorme: em face da alternativa que ela cria, as opiniões dos meios
religiosos se vêm dividindo quanto à orientação a seguir, e com isto se vai
rompendo o dique de oposição maciça e “à outrance” contra o comunismo, mantido
à uma pelos homens que crêem em Deus e Lhe prestam culto.
Com efeito, o problema da fixação de uma atitude dos
católicos, e dos sequazes de outros credos, em face da nova política religiosa
de certos governos comunistas, vem dando lugar a perplexidades, a divisões e
até a polêmicas. Segundo o seu nível de fervor, seu otimismo ou sua
desconfiança, muitos católicos continuam a achar que a luta “à outrance”
permanece a única atitude coerente e sensata perante o comunismo; mas outros
pensam que mais valeria aceitar desde logo, e sem maior resistência, uma
situação como a da Polônia, do que lutar até o fim contra a penetração
comunista e cair na situação tão mais opressiva em que está a Hungria.
Além disso, parece a estes últimos que uma aceitação do
regime comunista – ou quase comunista – pelos povos ainda livres poderia evitar
a tragédia cósmica de uma guerra nuclear. A única razão que os levaria a
aceitar com resignação o risco de uma tal hecatombe, seria o dever de lutar
para evitar para a Igreja uma perseguição mundial com amplitude sem precedentes
e intuito radicalmente exterminador. Mas, uma vez que esse perigo talvez não se ponha – pois se tolera em certos
países comunistas que a Igreja sobreviva, embora reduzida a uma liberdade
mínima – a disposição de enfrentar o perigo da guerra atômica diminuiu muito. E
ganha terreno entre tais católicos a idéia de se estabelecer por toda parte, e
em escala quase mundial, um “modus vivendi” – à maneira polonesa – entre a
Igreja e o comunismo, aceito como um mal, mas um mal menor.
Entre estas duas correntes, começa a se formar uma imensa
maioria desorientada, indecisa e, por isto mesmo, menos preparada
psicologicamente para a luta do que estava até há pouco.
Se este fenômeno de debilitação na atitude anticomunista se
produz em pessoas inteiramente infensas ao marxismo, quão natural é que seja
mais intenso nos chamados católicos de esquerda, cada vez mais numerosos, os
quais, sem professar o materialismo e o ateísmo, simpatizam com os aspectos
econômicos e sociais do comunismo!
Em síntese, em todos ou quase todos os países não sujeitos
ainda ao jugo marxista, milhões de católicos, que ainda ontem morreriam de bom
grado em exércitos regulares ou em guerrilhas, para evitar a implantação do
comunismo em suas pátrias, ou para o derrubar caso tivesse chegado a conquistar
o poder, já hoje não sentem igual disposição. Na hipótese de uma crise de
pânico – por exemplo, um “suspense” na iminência de uma guerra nuclear universal
– este fenômeno poderá acentuar-se ainda mais, levando eventualmente nações
inteiras a capitulações catastróficas ante as potências comunistas.
Tudo isto põe em relevo toda a importância de se estudarem
quanto antes, em seus vários aspectos, as questões morais inerentes à
encruzilhada em que a conduta de relativa tolerância religiosa de alguns
governos comunistas coloca a consciência de milhões e milhões de homens em
nossos dias.
É lícito afirmar que da solução deste problema depende em
parte considerável o futuro do mundo.
A distensão inaugurada pelo comunismo só pode ser fruto de
um interesse político: diminuição de crescentes tensões por detrás da cortina
de ferro ou a desmobilização psicológica do Ocidente. Ou ambas as coisas. Tais
resultados vão sendo alcançados gradual e implacavelmente pelo comunismo
internacional.
Assim, torna-se indispensável aos católicos resolver o
problema moral e tático que o fato lhes cria.
A atualidade de tal estudo se torna clara quando se
considera que o presente trabalho atravessou a cortina de ferro e ali
repercutiu amplamente entre os católicos.
A utilidade de tal estudo parecerá talvez questionável para
alguns espíritos apressados, que procurarão evitar o complicado problema por
meio de alegações preliminares que nos parecem inteiramente contestáveis.
Enumeremos a título de exemplo algumas dessas
preliminares, e as respostas que se lhes poderia dar:
a ) É evidente que a
relativa tolerância religiosa é mera manobra comunista, e que, pois, essa
perspectiva de um “modus vivendi” entre a Igreja e qualquer regime marxista não
pode ser tomada a sério. – A isto poder-se-ia redargüir que nada impede de
supor que certas tensões internas, de múltipla natureza, tenham imposto a
alguns governos comunistas essa atitude distensiva em matéria religiosa. Assim,
a distensão poderia talvez ter certa duração e consistência, e abrir para a
Igreja perspectivas novas.
b ) Qualquer acordo
com gente que, como os comunistas, nega a Deus e a moral, não oferece garantias
de ser cumprido. Assim, ainda que se admita que hoje queiram eles, realmente,
tolerar até certo ponto a Religião, amanhã, se lhes convier, desencadearão
contra ela a mais brutal e completa perseguição. – Reconhecemos que em
princípio assim é. Contudo, uma vez que a tolerância religiosa do Estado
comunista se baseie, não por certo no respeito à palavra dada, mas no
interesse, essencialmente político, de evitar ou de reduzir dificuldades
internas, poderá ela durar tanto quanto durem essas dificuldades. Ou seja,
poderá durar eventualmente por um não pequeno espaço de tempo. Logo, não por
honestidade mas por cálculo, talvez cumpram as autoridades comunistas
duravelmente as cláusulas do acordo que proponham a qualquer culto.
c ) Esse estudo não será
de nenhuma utilidade para os povos de atrás da cortina de ferro, entre os quais
o presente artigo não poderá circular livremente. Para os povos de aquém da
cortina ele não interessa. Para estes não se põe o problema da liceidade de uma
possível coexistência da Igreja com o regime comunista. Pois esse regime, no
Ocidente, não existe. O problema que
interessa aos povos ocidentais não é se se pode coexistir com tal regime, mas o
que fazer para evitar que ele se implante. Em conseqüência, este estudo não interessa
a ninguém. – No que diz respeito aos povos de além cortina de ferro, não é
verdade que o presente estudo não possa chegar ao conhecimento deles. Tanto é
que chegou. O hebdomadário “Kierunki”, de Varsóvia, editado pela Associação
“Pax”, influente movimento polonês de extrema esquerda “católica”, publicou em
1º de março p.p., em sua primeira página e com grande destaque, uma
“Carta Aberta ao Dr. Plinio Corrêa de Oliveira”, extenso e indignado protesto
feito contra este artigo por um membro de destaque do movimento Sr. Zbigniew
Czajkowski. Igualmente o Sr. Tadeusz Masowiecki, redator-chefe do mensário
“Wiez” e deputado do grupo católico “Znak” à Dieta polonesa, publicou na sua
revista, em colaboração com o Sr. A. Wielowieyski, um artigo no qual temos motivos
para ver uma réplica ao presente estudo (artigo “Otwarcie na Wschód”- “Wiez”, no
11-12, novembro-dezembro, 1963). Se foi necessário refutar este nosso artigo, é
porque de algum modo ele transpôs a cortina de ferro e repercutiu em paragens
de dominação comunista. Quanto ao interesse do tema no Ocidente, a resposta a
esta reflexão seria que, realmente, mais vale prevenir um mal do que
remediá-lo. Mas bem pode ser que uma nação ocidental, ou várias ao mesmo tempo,
se vejam sujeitas a optar entre dois males, isto é, a guerra moderna, interna e
externa, convencional e termonuclear, com todos os seus horrores, ou a
aceitação de um regime comunista. Neste caso, será preciso escolher o mal
menor. E o problema inevitavelmente surgirá: se a Igreja pode aceitar a
coexistência com um governo e um regime comunistas, talvez o mal menor consista
em evitar a hecatombe bélica, aceitando como fato consumado a vitória do
marxismo; somente se se considerar que tal coexistência é impossível, e que a
implantação do comunismo representa grave risco de extirpação completa ou quase
completa da Fé em determinado povo, só então o mal menor será a aceitação da
luta. Pois a perda da Fé é um mal maior do que o perecimento de tudo quanto a
guerra atômica pode exterminar.
Como se vê, todas estas preliminares tendentes a esquivar o
estudo da questão em foco não apresentam consistência. O problema da liceidade
da coexistência entre o regime comunista e a Igreja deve ser considerado de
frente, e só pode ser resolvido de maneira a satisfazer todos os espíritos
católicos, se analisado no âmago de seus aspectos doutrinários.
Se o regime comunista oferecesse liberdade de culto à Igreja
mediante a condição de que esta calasse certos erros do marxismo –
especialmente a negação da propriedade individual ou da família – poderia a
Igreja aceitar tal proposta? Poderia a Igreja, para obter essa liberdade de
culto, aceitar, pelo menos, a condição de recomendar aos católicos que
desistissem de qualquer tentativa para restaurar na legislação a propriedade
privada e a família, considerando a abolição dessas instituições como
censurável apenas em tese, mas placidamente aceitável na prática, em virtude da
imposição do regime?
À primeira vista, considerado em si mesmo, o problema da
coexistência entre a Igreja e um regime comunista “tolerante” assim se
enunciaria:
·
Se em
determinado país que viva sob governo e regime comunistas, os detentores do
poder, longe de proibir o culto e a pregação, permitissem uma e outra coisa,
poderia ou até deveria a Igreja aceitar essa liberdade de ação, para distribuir
sem entraves os Sacramentos e o pão da palavra de Deus?
Apresentada a questão pura e simplesmente nestes termos, a
resposta é necessariamente afirmativa: a Igreja poderia e até deveria aceitar
esta liberdade. E, neste sentido, poderia e deveria coexistir com o comunismo.
Pois, sob qualquer pretexto que seja, Ela não pode recusar-se a cumprir sua
missão.
É preciso advertir, entretanto, que essa formulação do
problema é simplista. Ela faz supor implicitamente que o governo comunista não
imporia a menor restrição à liberdade de doutrinação da Igreja. Porém, nada
leva a crer que um tal governo concedesse à Igreja uma plena liberdade de
doutrinação. Pois isto implicaria em permitir que Ela pregasse toda a doutrina
dos Papas sobre a moral, o direito, e mais especialmente sobre a família e a
propriedade privada, o que por sua vez importaria em fazer de cada católico um
adversário nato do regime, de sorte que, na medida em que a Igreja dilatasse a
sua ação, estaria matando o regime. Em conseqüência, na medida em que este
tolerasse a liberdade da Igreja, estaria praticando o suicídio. E isto máxime
em países em que a influência dEla sobre a população é muito grande.
Assim, não podemos contentar-nos com resolver o problema na
formulação genérica em que vem acima apresentado. Devemos ver qual a solução a
lhe ser dada no caso de um governo comunista exigir que a pregação e o ensino
católico, para serem tolerados, se conforme com as seguintes condições:
1.ª - que exponham toda a doutrina da Igreja de
modo afirmativo, mas sem fazer aos fiéis qualquer refutação do materialismo e
dos demais erros inerentes à filosofia marxista;
2.ª - que calem para
os fiéis o pensamento da Igreja sobre a propriedade privada e a família;
3.ª - ou que, pelo
menos, sem criticar diretamente o sistema econômico-social do marxismo, afirmem
que a existência legal da família e da propriedade privada seria um ideal
desejável em tese, mas irrealizável na prática em virtude do domínio comunista,
- pelo que, na hipótese concreta atual, se recomendaria aos fiéis que
desistissem de qualquer tentativa para abolir o regime comunista e restaurar na
legislação, segundo as máximas do Direito Natural, a propriedade privada e a família.
Tais condições poderiam, em consciência, ser tácita
ou expressamente aceitas como preço de um mínimo de liberdade legal para a
Igreja, em regime comunista? Em outros termos, a Igreja poderia renunciar à sua
liberdade em alguns destes pontos, para, em benefício espiritual dos fiéis,
conservá-la em outros pontos? Eis o centro da questão.
Em tais condições, a
coexistência pacífica da Igreja com o comunismo deve ser recusada pelos
católicos:
1.º argumento. – A
ordem temporal exerce uma ação formadora – ou deformadora – profunda sobre a
alma dos povos e dos indivíduos. A Igreja não pode, pois, aceitar uma liberdade
que implique em calar sobre os erros do regime comunista, criando no povo a
impressão de que Ela não os condena.
2.º argumento. –
Renunciando a ensinar os preceitos do Decálogo que fundamentam a propriedade
privada (7.º e 10º Mandamentos), a Igreja apresentaria uma imagem
desfigurada do próprio Deus. O amor de Deus, a prática da virtude da justiça e
o pleno desenvolvimento das faculdades do homem, e, portanto, a sua
santificação, ficariam assim gravemente prejudicados.
3.º argumento. – A
Igreja não pode aceitar o comunismo como um fato consumado e um “mal menor”.
1 . Quanto à primeira condição, parece-nos que a
resposta deve ser negativa, à vista da força suasória que têm uma metafísica e
uma moral concretizadas num regime, numa cultura, num ambiente.
A missão docente da Igreja não consiste só em ensinar a
verdade, mas também em condenar o erro. Nenhum ensino da verdade é suficiente
enquanto ensino, se não inclui a enunciação e refutação das objeções que contra
a verdade se possam fazer. “A Igreja
– disse Pio XII – sempre transbordante de
caridade e de bondade para com os desgarrados, mas fiel à palavra de seu Divino
Fundador, que declarou: “Quem não está coMigo, está contra Mim” (Mat. 12, 30),
não pode faltar a seu dever de denunciar o erro e de arrancar a máscara aos
semeadores de mentiras....”(Radiomensagem do Natal de 1947 – “Discorsi e
Radiomessaggi”, vol. IX, p. 393). No mesmo sentido se exprimiu Pio XI: “O primeiro dom de amor do Sacerdote ao seu
meio, e que se impõe da maneira mais evidente, é o dom de servir à verdade, à
verdade inteira, e desmascarar e refutar o erro sob qualquer forma, máscara ou
disfarce com que se apresente” (Encíclica “Mit Brennender Sorge”, de 14 de
março de 1937 – AAS, vol. XXIX, p. 163). É da essência do liberalismo religioso
a falsa máxima de que para ensinar a verdade não é necessário impugnar ou
refutar o erro. Não há formação cristã adequada, que prescinda da apologética.
Resulta particularmente importante notá-lo, à vista do fato de que a maioria
dos homens tende a aceitar como normal o regime político e social em que nasce
e vive, e de que o regime exerce a este título uma influência formativa
profunda sobre as almas.
Para medir em toda a sua extensão o poder dessa ação
formativa, examinemo-la em sua razão de ser e em seu modo de operar.
Todo regime político, econômico e social se baseia, em
última análise, em uma metafísica e em uma moral. As instituições, as leis, a
cultura e os costumes que o integram, ou com ele são correlatos, refletem na
prática os princípios dessa metafísica e dessa moral.
Pelo próprio fato de existir, pelo natural prestígio do
Poder Público, bem como pela enorme força do ambiente e do hábito, o regime
induz a população a aceitar como boas, normais, até indiscutíveis, a cultura e
a ordem temporal vigente, que são as conseqüências dos princípios metafísicos e
morais dominantes. E, ao aceitar tudo isto, o
espírito público acaba por ir mais longe, deixando-se penetrar como por
osmose, por esses mesmos princípios, habitualmente entrevistos de modo confuso,
subconsciente, mas muito vivo, pela maior parte das pessoas.
A ordem temporal exerce pois uma ação formadora – ou
deformadora – profunda sobre a alma dos povos e dos indivíduos.
Há épocas em que a ordem temporal se baseia em princípios
contraditórios, que convivem em razão de um tal ou qual ceticismo com colorido
quase sempre pragmatista. Em geral, esse ceticismo pragmático passa daí para a
mentalidade das multidões.
Outras épocas há, em que os princípios metafísicos e morais
que servem de alma à ordem temporal são coerentes e monolíticos, na verdade e
no bem como na Europa do século XIII, ou no erro e no mal como na Rússia ou na
China de nossos dias. Então, esses princípios podem marcar-se a fundo nos povos
que vivem em uma sociedade temporal por eles inspirada.
O viver em uma ordem de coisas assim coerente no erro e no
mal já é de si um tremendo convite à apostasia.
No Estado comunista, oficialmente filosófico e sectário,
esta impregnação doutrinária na massa é feita com intransigência, amplitude e
método, e completada por uma doutrinação explícita incansavelmente repetida a
todo propósito.
Ao longo de toda a História não há exemplo de pressão mais
completa em seu conteúdo doutrinário, mais sutil e polimórfica em seus métodos,
mais brutal em suas horas de ação violenta, que a exercida pelos regimes
comunistas sobre os povos que estão sob seu jugo.
Num Estado assim totalmente anticristão não há meio de
evitar esta influência senão instruindo os fiéis sobre o que ele tem de ruim.
Face a tal adversário, mais ainda do que face a qualquer
outro, a Igreja não pode, pois, aceitar uma liberdade que implique em renunciar
sincera e efetivamente ao exercício, franco e eficiente, de sua função
apologética.
2 . Quanto à segunda condição, também nos parece
que não é aceitável, tendo em vista não só a incompatibilidade total entre o
comunismo e a doutrina católica, como particularmente o direito de propriedade
em suas relações com o amor de Deus, a virtude da justiça e a santificação das
almas.
Para a recusa desta segunda condição há antes de tudo uma
razão de caráter genérico. A doutrina comunista, atéia, materialista,
relativista, evolucionista, colide de modo mais radical com o conceito católico
de um Deus pessoal, que promulgou para os homens uma lei em que se
consubstanciam todos os princípios da moral, fixos, imutáveis, e consentâneos
com a ordem natural. A “cultura” comunista, considerada em todos os seus aspectos
e em cada um deles, conduz à negação da moral e do direito. A colisão do
comunismo com a Igreja não se dá, pois, apenas em matéria de família e de
propriedade. E é sobre toda a moral, sobre toda a noção do direito, que a
Igreja se deveria então calar.
Não vemos, portanto, a que resultado tático conduziria um
“armistício ideológico” entre católicos e comunistas circunscrito a estes dois
pontos, se em todos os outros a luta ideológica continuasse.
* * *
Consideremos, entretanto, “argumentandi gratia”, a hipótese
de um silêncio da Igreja só a respeito da família e da propriedade privada.
É tão evidentemente absurdo admitir-se que Ela aceite
restrições quanto à sua pregação em matéria de família, que nem nos detemos na
análise desta hipótese.
Mas imaginemos que um Estado comunista desse à Igreja toda a
liberdade de pregar sobre a família, não porém sobre a propriedade privada. O
que então teríamos que responder?
À primeira vista, dir-se-ia que a missão da Igreja consiste
essencialmente em promover o conhecimento e o amor de Deus, mais do que em
preconizar ou manter um regime político, social ou econômico. E que as almas
podem conhecer e amar a Deus sem ser instruídas sobre o princípio da
propriedade privada.
A Igreja poderia, pois, aceitar como um mal menor o
compromisso de silenciar sobre o direito de propriedade, para receber em troca
a liberdade de instruir e santificar as almas, falando-lhes de Deus e do
destino eterno do homem, e ministrando-lhes os Sacramentos.
* * *
Este modo de ver a missão docente e santificadora da Igreja
esbarra com uma objeção preliminar. Se algum governo terreno exigir dEla, como
condição para ser livre, que renuncie à pregação de qualquer preceito da Lei,
Ela não poderá aceitar essa liberdade, que não seria senão um simulacro
falacioso.
Afirmamos que seria um simulacro falacioso, essa
“liberdade”, pois a missão magisterial da Igreja tem por objeto ensinar uma
doutrina que é um todo indivisível. Ou Ela é livre para cumprir o mandato de
Jesus Cristo ensinando esse todo, ou deve considerar-se opressa e perseguida.
Se não se Lhe reconhecer essa liberdade total, deverá Ela – conforme sua
natureza militante – entrar em luta com o opressor. Não pode a Igreja aceitar
em sua função docente um meio silêncio, uma meia opressão, para obter uma meia
liberdade. Seria uma inteira traição à sua missão.
* * *
Além desta objeção preliminar, baseada na missão docente da
Igreja, outra haveria que levantar, concernente à sua função como educadora das
vontades humanas para a aquisição da santidade.
Funda-se esta objeção em que o claro conhecimento do
princípio da propriedade privada, e o respeito desse princípio na prática, são
absolutamente indispensáveis para a formação genuinamente cristã das almas:
a ) Do PONTO DE VISTA DO AMOR DE DEUS: o conhecimento
e o amor da Lei são inseparáveis do conhecimento e do amor de Deus. Pois a Lei
é de algum modo o espelho da santidade divina. E isto que se pode dizer de cada
um de seus preceitos, é verdade principalmente quando considerada ela em seu
conjunto. Renunciar a ensinar os dois preceitos do Decálogo que fundamentam a
propriedade privada importaria em apresentar uma imagem desfigurada desse
conjunto e portanto do próprio Deus. Ora, onde as almas têm uma idéia
desfigurada a respeito de Deus, elas se formam segundo um modelo errado, o que
é incompatível com a verdadeira santificação.
b ) Do PONTO DE
VISTA DA VIRTUDE CARDEAL DA JUSTIÇA: As virtudes cardeais são, como diz o nome,
gonzos sobre os quais se apoia toda a santidade. Para que a alma se santifique,
deve conhecê-las retamente, amá-las sinceramente, e praticá-las genuinamente.
Acontece que toda a noção de justiça se funda no princípio
de que cada homem, o seu próximo individualmente considerado e a sociedade
humana são respectivamente titulares de direitos, a que correspondem
naturalmente deveres. Em outros termos, a noção do “meu” e do “teu” está na
base mais elementar do conceito de justiça.
Ora, precisamente essa noção do “meu” e do “teu” em matéria
econômica, conduz direta e inelutavelmente ao princípio da propriedade privada.
De onde, sem o conhecimento reto da legitimidade e
da extensão – como aliás também da limitação – da propriedade privada, não há
conhecimento reto do que seja a virtude cardeal da justiça. E sem esse
conhecimento não são possíveis um verdadeiro amor, nem uma verdadeira prática
da justiça: em suma, não é possível a santificação.
c ) De UM PONTO DE VISTA MAIS GENÉRICO, DO
PLENO DESENVOLVIMENTO DAS FACULDADES DA ALMA, E DA SUA SANTIFICAÇÃO: A
explanação deste argumento pressupõe como assente que a reta formação da
inteligência e da vontade, sob vários aspectos é de molde a favorecer a
santificação, e sob outros com ela até se identifica. E que, “a contrario
sensu”, tudo quanto prejudica a reta formação da inteligência e da vontade, sob
vários aspectos é incompatível com a santificação.
Vamos mostrar que uma sociedade em que não exista a
propriedade privada é gravemente oposta ao reto desenvolvimento das faculdades
da alma, especialmente da vontade. Pelo que, de si, é incompatível com a
santificação dos homens.
De passagem, referir-nos-emos também ao prejuízo que por
análogas razões a comunidade de bens acarreta para a cultura. Fá-lo-emos,
porque o verdadeiro desenvolvimento cultural é não só fator propício à
santificação dos povos, como também fruto dessa santificação. Pelo que, a reta
vida cultural tem íntimo nexo com nosso tema.
Abordemos o assunto pondo em evidência um ponto essencial,
freqüentemente esquecido pelos que tratam do instituto da propriedade privada:
este é necessário ao equilíbrio e à santificação do homem.
Para justificar esta tese cumpre lembrar, preliminarmente,
que os documentos pontifícios, quando discorrem sobre o capital, o trabalho e a
questão social, não deixam a menor dúvida quanto ao fato de que a propriedade particular
não só é legítima como ainda indispensável ao bem privado e ao bem comum, e
isto no que se refere tanto aos interesses materiais do homem, quanto aos de
sua alma.
É bem certo que esses mesmos documentos papais se têm
insurgido veementemente contra os numerosos excessos e abusos que,
principalmente a partir do século XIX, têm ocorrido em matéria de propriedade
privada. O fato, porém, de serem muito reprováveis e danosos os abusos que os
homens façam de uma instituição, absolutamente não quer dizer que por isto ela
não seja intrinsecamente excelente. Antes, deve-se tender o mais das vezes a
pensar o contrário: “Corruptio optimi pessima” – o péssimo é, talvez, quase
sempre a corrupção daquilo que em si mesmo é ótimo. Nada tão sagrado e santo,
em si mesmo, e de todos os pontos de vista, do que o sacerdócio. Nada pior do
que a corrupção dele. E por isto mesmo se compreende que a Santa Sé, tão severa
contra os abusos da propriedade privada, seja ainda mais severa quando reprime
os abusos do sacerdócio.
Múltiplos são os motivos pelos quais o instituto da
propriedade privada é indispensável aos indivíduos, às famílias e aos povos.
Extravasaria dos limites do presente trabalho uma exposição completa desses
motivos. Atenhamo-nos à explanação daquele que mais diretamente importa ao
nosso tema: como há pouco afirmamos, tal instituto é necessário ao equilíbrio e
à santificação do homem.
Sendo naturalmente dotado de inteligência e vontade, o homem
tende por suas próprias faculdades espirituais a prover a tudo quanto é
necessário para seu bem. De onde lhe vem o direito de por si mesmo procurar as
coisas de que precisa e delas se apossar quando não têm dono. Daí lhe vem
igualmente o direito de prover de modo estável a suas necessidades do dia de
amanhã apropriando-se do solo, cultivando-o, e produzindo para esse cultivo
seus instrumentos de trabalho. Em suma, é porque tem alma que o homem tende
irrefragavelmente a ser proprietário. E é nisto, dizem Leão XIII e São Pio X,
que sua posição perante os bens materiais o distingue dos animais irracionais:
“IV – O homem tem sobre os bens da terra,
não somente o simples uso, como os brutos, mas também o direito de propriedade
estável, tanto a respeito das coisas que se consomem com o uso, como das que o
uso não consome (Encíclica Rerum Novarum)” (São Pio X, Motu Proprio sobre a
Ação Popular Católica, de 18 de dezembro de 1903 – AAS, vol. XXXVI, pp.
341-343).
Ora, como o dirigir seu próprio destino e prover a sua
própria subsistência é objeto próximo, necessário e constante do exercício da
inteligência e da vontade, e a propriedade é meio normal para o homem estar e
se sentir seguro de seu porvir e senhor de si, acontece que abolir a
propriedade privada, e em conseqüência entregar o indivíduo, como termita
inerme, à direção do Estado, é privar a sua mente de algumas das condições
básicas de seu normal funcionamento, é levar à atrofia pelo inexercício as
faculdades de sua alma, é em suma deformá-lo profundamente. Daí, em grande
parte, a tristeza que caracteriza as populações sujeitas ao comunismo, bem como
o tédio, as neuroses e os suicídios cada vez mais freqüentes em certos países
largamente socialistas do Ocidente.
É bem sabido, com efeito, que as faculdades da alma que não
se exercitam tendem a se atrofiar. Pelo contrário, o exercício adequado pode
desenvolvê-las, por vezes até prodigiosamente. Nisto se funda grande número de
práticas didáticas e ascéticas aprovadas pelos melhores doutrinadores, e
consagradas pela experiência.
Sendo, a santidade, a perfeição da alma, bem se compreende
de quanta importância é para a salvação e santificação dos homens o que daí se
conclui. A condição de proprietário, de si, cria circunstâncias altamente
propícias para o reto e virtuoso exercício das faculdades da alma. Sem que se
aceite o ideal utópico de uma sociedade em que cada indivíduo, sem exceção,
seja proprietário, ou na qual não haja patrimônios desiguais, grandes, médios e
pequenos, cumpre afirmar que a difusão tão ampla quanto possível da propriedade
favorece o bem espiritual, e obviamente também o cultural, quer dos indivíduos,
quer das famílias, quer da sociedade. Em sentido oposto, a proletarização cria
condições altamente desfavoráveis para a salvação, a santificação e a formação
cultural dos povos, famílias e indivíduos.
Para maior facilidade da exposição, consideremos desde logo
algumas objeções ao argumento exposto nesta letra “c”:
* Os que, nas sociedades onde há propriedade
privada, não são proprietários ficam loucos? Ou não podem santificar?
Para responder a esta pergunta, convém ponderar que a
propriedade privada é uma instituição que favorece indiretamente, mas de modo
muito genuíno, os não proprietários. Pois sendo grande o número de pessoas que
se aproveitam adequadamente dos benefícios morais e culturais que a condição de
proprietário lhes confere, daí resulta um ambiente social elevado, que pela
natural comunicação das almas favorece até os não proprietários. A situação em
que ficam estes não se identifica, pois com a dos indivíduos que vivem em um
regime no qual nenhuma propriedade existe.
* Então a propriedade privada é a causa da elevação
moral e cultural dos povos?
Dizemos que a propriedade é condição importantíssima do bem
espiritual e cultural dos indivíduos, famílias e povos. Não dizemos que ela é
causa da santificação. Como a liberdade da Igreja é condição para o
desenvolvimento dEla. Mas a Igreja, perseguida, floresceu admiravelmente nas
catacumbas. Seria exagerado dizer, por exemplo, que, necessariamente, quanto
mais difundida a propriedade, tanto mais virtuoso e culto o povo. Isto
importaria em pôr o que é sobrenatural na dependência da matéria, e o que é
cultural na dependência da economia.
Porém, é certo que a nenhum povo é lícito contrariar os
desígnios da Providência, abolindo uma instituição imposta pela ordem natural
das coisas, como é a propriedade privada, instituição esta que é condição muito
importante do bem das almas, tanto no plano religioso como no cultural. E se
algum povo procede desse modo, prepara os fatores para sua degradação moral e
cultural, e portanto para sua completa ruína.
* Se assim é, como houve tanta cultura na Roma
Imperial, onde a maioria da população era constituída de proletários e
escravos? E como puderam vários escravos, em Roma como na Grécia, alçar-se a
elevado nível moral ou cultural?
A diferença entre um quarto inteiramente às escuras, e outro
que é iluminado por uma luz bruxuleante, é maior do que entre o da luz
bruxuleante e outro iluminado feericamente. E isto porque o mal produzido pela
carência total de um bem importante, como seria no caso a luz, é sempre
incomparavelmente maior do que o produzido pela insuficiência desse bem. A
sociedade romana possuía, embora em medida menor do que fora de se desejar, uma
vasta e culta classe de proprietários. Daí a existência no Império, pelo menos
em certa proporção, dos benefícios culturais da propriedade. Bem outra seria a
situação de um país inteiramente privado de uma classe de proprietários: deste
ponto de vista, estaria em trevas completas.
A experiência está em contradição com esta conclusão
teórica, objetar-se-á talvez. Pois no povo russo se depara um inegável
progresso cultural e técnico, a despeito da comunidade de bens imposta pelo
regime marxista.
Ainda aqui a resposta não é difícil.
Ao arbítrio do governo soviético estão sujeitos os recursos
drenados nos pontos cardeais de um vastíssimo império. Ele dispõe
arbitrariamente dos talentos, do trabalho e da produção de centenas de milhões
de pessoas.
Assim, nem de longe lhe faltaram meios para constituir
alguns ambientes artificiais, de alta elaboração técnica ou cultural
(anticultural, dever-se-ia mais propriamente dizer). Sem negar o vulto dos
resultados assim alcançados, pode-se exprimir muito legitimamente alguma
surpresa pelo fato de não serem ainda eles muito maiores. Pois se um Estado-moloc,
todo ele antinatural, não produz resultados-moloc na ordem do artificial, é
porque realmente não tem o condão da eficácia.
Ademais, esse florescimento intelectual de estufa é
inteiramente seccionado da população. Ele não constitui o produto da sociedade.
Não resulta da germinação nas entranhas desta. Mas é obtido fora dela, com o
sangue dela arrancado. Cresce e se afirma sem ela, e de algum modo contra ela.
Tal produção não é índice de cultura de uma nação. Como, em
uma imensa propriedade rural em abandono, os produtos de uma estufa ali
existente não seriam prova válida de que a propriedade está devidamente
cultivada.
Voltando à objeção relativa à Roma imperial, escravos houve, é certo, que se alçaram a
níveis intelectuais e morais assombrosos: maravilhas da graça no plano moral, e
da natureza, que até hoje enchem de assombro. Exceções gloriosas que não são
suficientes para negar a verdade óbvia de que a condição servil, de si, é
opressiva e prejudicial para a alma do escravo, quer do ponto de vista
religioso, quer cultural. E de que a escravidão, já de si moral e culturalmente
nociva, o teria sido incomparavelmente mais para os próprios escravos na
Antigüidade, se não tivesse havido patrícios e plebeus livres, e a sociedade se
constituísse só de homens sem autonomia nem propriedade, como sucede no regime
comunista.
* Mas, alegar-se-á por fim, então o estado
religioso é intrinsecamente nocivo às almas, com o voto de obediência e o de
pobreza que o constituem? Não tolhem eles a tendência do homem de se prover a
si próprio?
A resposta é fácil. Esse estado é altamente benéfico para as
almas que a graça atrai para vias excepcionais. Se imaginássemos esse estado
enquanto vivido por toda uma sociedade, seria nocivo, pois o que convém às
exceções não convém a todos. Por isto é que a comunidade de bens entre os fiéis
nunca foi generalizada na Igreja primitiva, e acabou por ser eliminada. E as
experiências comuno-protestantes de certas coletividades no século XVI deram em
estrondoso malogro.
* * *
Ponderados esses múltiplos argumentos e objeções, permanece
firme a tese de que é vão silenciar sobre a imoralidade da completa comunidade
de bens, para obter em troca a santificação das almas através da liberdade de
culto e de uma relativa liberdade de pregação.
Aliás, aceito esse pacto monstruoso, nem por isto a sonhada
coexistência seria praticável. De fato, em uma sociedade sem propriedade
privada, as almas retas tenderiam sempre, e pelo próprio dinamismo de sua
virtude, a criar condições favoráveis para elas. Pois tudo que existe tende a
lutar pela própria sobrevivência, destruindo as circunstâncias adversas, e
implantando circunstâncias propícias. “A contrario sensu”, tudo quanto deixa de
lutar contra as circunstâncias gravemente adversas é destruído por estas.
De onde, a virtude estaria em perpétua luta contra a
sociedade comunista em que florescesse, e tenderia perpetuamente a eliminar a
comunidade de bens. E a sociedade comunista estaria em luta perpétua contra a
virtude, e tenderia a asfixiá-la. O que, tudo, é bem exatamente o oposto da
coexistência sonhada.
3 . Quanto à terceira condição, parece-nos
igualmente inaceitável, pois a necessidade de tolerar um mal menor não pode
levar à renúncia à destruição total dele.
Quando a Igreja resolve tolerar um mal menor, não quer dizer
com isso que esse mal não deva ser combatido com toda a eficácia. “A fortiori”
quando este mal “menor” é em si mesmo gravíssimo.
Em outros termos, Ela deve formar nos fiéis, e neles renovar
a todo momento, um pesar vivíssimo pela necessidade de aceitar o mal menor. E,
com o pesar, deve suscitar neles o propósito eficaz de tudo fazer para remover
as circunstâncias que tornaram necessária a aceitação do mal menor.
Ora, agindo assim, a Igreja romperá a possibilidade da
coexistência. E entretanto, ao que nos parece, não poderia agir de outro modo
dentro do imperativo de sua sublime missão.
• Um efeito
colateral mas trágico do silêncio da Igreja sobre o princípio da propriedade
privada seria o pactuar Ela assim com a disseminação progressiva da miséria,
decorrente da substituição da propriedade individual pela coletiva.
• Mesmo num
Estado incompletamente coletivizado, é obrigação da Igreja fazer luzir aos
olhos de todos a verdade integral.
• Ainda que
o senso da propriedade, de tão arraigado, seja inextirpável em certas regiões
da Europa, a Igreja não pode silenciar sobre o direito de propriedade sem
prejuízo para a formação moral dos fiéis.
• A
instituição da propriedade privada deve existir pela própria ordem natural das
coisas. E mesmo que os atuais proprietários renunciassem a seus direitos sob a
pressão de um Estado comunista, a Igreja não conseguiria uma coexistência
verdadeiramente pacífica com este.
• Nem sequer
pode a Igreja aceitar, a título transitório, o regime comunista, esperando que
ele caia de podre, ou pelo menos se atenue.
• As
relações diplomáticas da Santa Sé com os países comunistas situam-se num plano
distinto do encarado neste estudo. – O ensino oficial e oficioso tradicional do
Vaticano afirmam a impossibilidade de uma trégua ideológica ou de uma
coexistência pacífica entre a Igreja e o comunismo. Também não faltam
declarações de fontes comunistas nesse sentido.
• Por fim, a
Igreja não poderia aceitar a coexistência com algum Estado comunista num regime
de “pia fraus”. Seria ingênuo pensar que os comunistas não se dariam logo conta
das violações do pacto.
Ao longo deste trabalho, resolvemos várias objeções
imediatamente ligadas aos diversos temas tratados. Analisaremos agora outras
objeções, que, não devendo ser necessariamente abordadas no decorrer da
exposição, cabem, mais comodamente para o leitor, neste item.
1 . Defendendo assim o direito de propriedade, a
Igreja abandonaria a luta contra a miséria e a fome.
Esta objeção nos proporciona ocasião para considerar os
catastróficos efeitos que poderia produzir sob o ângulo do bem temporal o
silêncio da Igreja em matéria de propriedade, no Estado comunista.
Analisadas, pois, as principais objeções que se poderiam
fazer a tal silêncio, do ponto de vista da missão docente, e do ponto de vista
da missão santificadora da Igreja, consideremos um efeito secundário mas
interessante, do mesmo silêncio: seria o pactuar Ela assim com a disseminação
progressiva da miséria numa situação mundial marcada pelo progresso da
coletivização.
Cada homem procura, por um movimento instintivo contínuo,
possante e fecundo, prover antes de tudo a suas necessidades pessoais. Quando
se trata da própria conservação, a inteligência humana mais facilmente luta
contra suas limitações, e cresce em agudeza e agilidade. A vontade vence com
mais facilidade a preguiça e enfrenta com maior vigor os obstáculos e as lutas.
Este instinto, quando contido nos justos limites, não deve
ser contrariado, mas antes apoiado e aproveitado como precioso fator de
enriquecimento e progresso, e de modo nenhum pode ser pejorativamente
qualificado de egoísmo. Ele é o amor de si mesmo, que segundo a ordem natural
das coisas deve estar abaixo do amor ao Criador, e acima do amor ao próximo.
Negadas estas verdades ficaria aniquilado o princípio de
subsidiariedade, apresentado pela Encíclica “Mater et Magistra” como elemento
fundamental da doutrina social católica (cf. AAS, vol. LIII, pp. 414-415).
Com efeito, é em virtude desta hierarquia na caridade, que
cada homem deve prover diretamente a si mesmo tanto quanto esteja em seus
recursos pessoais, só recebendo o auxílio dos grupos superiores – família,
corporação, Estado – na medida do que lhe seja impossível fazer por si. E é em
virtude do mesmo princípio que a família e a corporação (entes coletivos dos
quais também se deve dizer que “omne ens appetit suum esse”) velam antes e
diretamente por si, recorrendo ao Estado só quando indispensável. E o mesmo se
repete no tocante às relações entre o Estado e a sociedade internacional.
Em conclusão, quer pelos ditames de sua razão, quer por seu
próprio instinto, tudo na natureza de cada homem pede que ele se aproprie de
bens para garantir sua subsistência, e a tornar farta, decorosa e tranqüila. E
o desejo de possuir haveres próprios, e de os multiplicar, é o grande
estimulante do trabalho, e portanto um fator essencial da abundância da
produção.
Como se vê, o instituto da propriedade privada, que é o
corolário necessário desse desejo, não pode ser considerado como mero
fundamento de privilégios pessoais. Ele é condição indispensável e eficacíssima
da prosperidade de todo o corpo social.
O socialismo e o comunismo afirmam que o indivíduo existe
primordialmente para a sociedade, e deve produzir diretamente, não para seu
próprio bem, mas para o de todo o corpo social.
Com isto, o melhor estímulo do trabalho cessa, a produção
decai forçosamente, a indolência e a miséria se generalizam em toda a
sociedade. E o único meio – obviamente insuficiente – que o poder público pode
empregar como estímulo da produção é a chibata...
Não negamos que no regime da propriedade privada possa
acontecer – e freqüentemente tem acontecido – que os bens produzidos com
abundância circulem defeituosamente nas várias partes do corpo social, acumulando-se
aqui, e escasseando ali. Este fato induz a que se faça tudo em prol de uma
proporcionada difusão da riqueza nas várias classes sociais. Porém não é razão
para que renunciemos à propriedade privada, e à riqueza que dela nasce, para
nos resignarmos ao pauperismo socialista.
2 . Quanto a um Estado incompletamente coletivizado
não valem os argumentos contrários à coexistência da Igreja com um Estado
totalmente coletivizado.
Segundo certas notícias da imprensa, alguns governos
comunistas enunciam o propósito de, “pari passu” com a concessão de certa
liberdade religiosa, operar um recuo parcial no socialismo, admitindo, de fato
senão de direito, e a título provisório, algumas formas de propriedade privada.
Neste caso, dir-se-á, a influência do regime sobre as almas seria menos
funesta. A pregação e o ensino católico não poderiam então aceitar de passar
sob silêncio, não precisamente o princípio da propriedade privada, mas toda a
extensão que este tem na moral católica?
A isto se poderia responder que nem sempre os regimes mais
brutalmente antinaturais – ou os erros mais flagrantes e declarados – são os
que conseguem deformar mais fundamente as almas. O erro descoberto ou a
injustiça brutal, por exemplo, revoltam e causam horror, ao passo que mais
facilmente são aceitas como normais as meias injustiças e como verdade os meios
erros, e uns e outras mais rapidamente corrompem as mentalidades. Foi muito
mais fácil combater o arianismo do que o semiarianismo, o pelagianismo do que o
semipelagianismo, o protestantismo do que o jansenismo, a Revolução brutal do
que o liberalismo, o comunismo do que o socialismo mitigado. Acresce que a
missão da Igreja não consiste apenas em combater os erros brutalmente radicais
e flagrantes, mas em expungir da mente dos fiéis todo e qualquer erro, por mais
tênue que seja, para fazer brilhar aos olhos de todos a verdade integral e sem
jaça, ensinada por Nosso Senhor Jesus Cristo.
3 . O senso da propriedade está de tal maneira
arraigado nos camponeses de certas regiões da Europa, que se pode transmitir de
geração em geração, como que com o leite materno, pelo simples ensino do
catecismo em família. Em conseqüência, poderia a Igreja silenciar sobre o
direito de propriedade durante decênios, sem prejuízo para a formação moral dos
fiéis.
Não negamos que o senso da propriedade seja vivaz em algumas
regiões da Europa. É notório que por isso mesmo os comunistas tiveram de
retroceder em sua política de confisco, e restituir terras aos pequenos
proprietários da Polônia, por exemplo.
Entretanto, estes retrocessos estratégicos, freqüentes na
história do comunismo, não constituem da parte dos sectários deste senão uma
atitude de momento, a que se resignam por vezes, para mais completamente
vencer. Assim que as circunstâncias lho permitem, voltam à carga com astúcia e
energia redobradas.
Será então o momento de maior perigo. Expostos à ação da
técnica de propaganda mais astuciosa e requintada, os camponeses terão que
sofrer por tempo indeterminado a ofensiva ideológica marxista.
Quem não estremece ao imaginar exposta a este risco a jovem
geração de qualquer parte da terra? Admitir que o mero senso rotineiro e
natural da propriedade pessoal constitua normalmente couraça de todo
tranquilizadora contra tão grande perigo, é confiar muito em um fator humano.
Na realidade, sem a ação direta e sobrenatural da Igreja, preparando seus
filhos com toda a antecedência e assistindo-os na luta, é pouco provável que
fiéis de qualquer país e qualquer condição social resistam à prova.
Ademais, como dissemos, não nos parece lícito, em qualquer
caso, que a Igreja suspenda por decênios o exercício de sua missão, que
consiste em ensinar na íntegra a Lei de Deus.
4 . A coexistência da Igreja com um Estado
comunista seria possível se todos os proprietários renunciassem a seus direitos.
Na hipótese de uma tirania de inspiração comunista, disposta
a todas as violências para impor o regime da comunidade de bens; e de
proprietários que persistem em afirmar seus direitos contra o Estado (que não
os criou nem os pode validamente suprimir), qual a solução para a tensão daí
resultante?
De imediato não se vê outra senão a luta. Não, porém, uma
luta qualquer, mas uma luta de morte de todos os católicos fiéis ao princípio
da propriedade privada postos em atitude de legítima defesa contra o extermínio
provocado por um Poder tirânico cuja brutalidade bestial diante de uma recusa
da Igreja pode chegar a extremos imprevisíveis. Uma revolta, uma revolução com
todos os episódios atrozes que lhe são inerentes, o empobrecimento geral, e as
inevitáveis incertezas quanto ao desfecho da tragédia.
Isto posto, poder-se-ia perguntar se os proprietários não
estariam então obrigados em consciência a renunciar ao seu direito em favor do
bem comum, permitindo assim o estabelecimento da comunidade de bens sobre uma
base moralmente legítima, a partir da qual o católico poderia aceitar sem
problemas de consciência o regime comunista.
Esse alvitre é inconsistente. Ele confunde a instituição da
propriedade privada, como tal, com o direito de propriedade de pessoas concretamente
existentes em dado momento histórico. Admitida como válida a desistência dessas
pessoas ao seu patrimônio, imposta sob o efeito de uma brutal ameaça ao bem
comum, seus direitos cessariam: daí não decorreria de nenhum modo a eliminação
da propriedade privada como instituição. Ela continuaria a existir, por assim
dizer, “in radice”, na própria ordem natural das coisas, como imutavelmente
indispensável ao bem espiritual e material dos homens e das nações, e como um
imperativo inabalável da Lei de Deus.
E, por continuar a existir assim “in radice”, ela estaria a
todo momento renascendo. Cada vez, por exemplo, que um pescador ou um caçador
se apossasse, no mar ou no ar, do necessário para sustentar-se e para acumular
alguma economia; cada vez que um intelectual
ou um trabalhador braçal produzisse mais que o indispensável para viver
dia a dia, e reservasse para si as sobras, ter-se-iam reconstituído
pequenas propriedades privadas, geradas
nas profundezas da ordem natural das coisas. E, como é normal, essas
propriedades tenderiam a crescer... Para evitar uma vez ainda a revolução
anticomunista, seria preciso estar repetindo a cada momento as renúncias, o que
evidentemente conduz ao absurdo.
Acresce que, em numerosos casos, o indivíduo não poderia
fazer tal renúncia sem pecar contra a caridade para consigo. E essa renúncia
freqüentemente se chocaria com os direitos de outra instituição, profundamente
afim com a propriedade, e ainda mais sagrada do que ela, isto é, a família. Com
efeito, muitos seriam os casos em que o membro de uma família não poderia
operar tal renúncia sem faltar com a justiça ou a caridade para com os seus.
A propriedade privada
e a prática da justiça: Deixamos para fazer aqui, depois de descrito e
justificado este contínuo renascer do direito de propriedade, uma consideração
que sem isto não poderia ser feita com a necessária clareza.
Trata-se da virtude da justiça em suas relações com a
propriedade privada. No item VI n º 2, letra “b”, deste trabalho, falamos do papel
da propriedade no conhecimento e no amor da virtude da justiça. Consideremos
agora o papel da propriedade na prática da justiça.
Dado que a todo momento direitos de propriedade estão
nascendo nos países comunistas como alhures, o Estado coletivista, que confisca
os bens dos particulares, está em sã moral posto na condição de gatuno. E os
que recebem do Estado bens confiscados estão em princípio, face ao proprietário
espoliado, como quem se locupleta com bens roubados.
Qualquer moralista prevê facilmente, a partir disto, que
imensa seqüela de dificuldades a coletivização dos bens trará para a prática da
virtude da justiça. Essas dificuldades serão tais que, máxime em estados
policiais, exigirão com freqüência, talvez a cada momento, atos heróicos da
parte de cada católico. O que é uma prova a mais da impossibilidade da
coexistência entre a Igreja e o Estado comunista.
5 . Sendo o comunismo tão antinatural, tem uma
existência necessariamente efêmera. Assim, a Igreja poderia aceitar um “modus
vivendi” com ele, apenas por algum tempo, até vê-lo cair de podre, ou pelo
menos se atenuar.
A isto, várias respostas poderiam ser dadas:
a ) Esse caráter “efêmero” é pelo menos muito relativo. Há
quase meio século que o comunismo está dominando a Rússia. A não ser Deus, que
conhece o futuro, quem pode dizer com segurança quando cairá?
b ) Pelo próprio fato de se atenuar, tal regime se
prolongaria, pois ficaria menos antinatural. Esta atenuação não seria, pois,
uma marcha para a ruína, mas um fator de estabilização.
c ) Há regimes visceralmente contrários a fundamentais
exigências da natureza humana, mas que de si subsistem indefinidamente. Assim a
barbárie de certos povos aborígenes da América ou da África, que durou séculos,
e mais ainda duraria por sua vitalidade intrínseca se fatores externos não a
estivessem eliminando. E ainda assim, com que custo esta substituição de uma
ordem antinatural por outra mais natural se vai fazendo!
6 . À primeira vista, dir-se-ia que certos gestos
de “distensão” do pranteado Papa João XXIII em relação à Rússia soviética, são
de molde a orientar o espírito em sentido diverso das conclusões deste
trabalho.
É bem o contrário que se deve pensar.
Os aludidos gestos de João XXIII se situam inteiramente no
âmbito das relações internacionais.[3]
Quanto ao plano em que situamos este estudo, o próprio
Pontífice, reafirmando na Encíclica “Mater et Magistra” as condenações
fulminadas por seus Antecessores contra o comunismo, deixou bem claro que não
pode haver uma desmobilização dos católicos em face deste erro que os documentos
pontifícios repudiam com supremo vigor.
E, no mesmo sentido, da parte do Papa Paulo VI,
gloriosamente reinante, há que registrar entre outros este expressivo
pronunciamento: “Não se creia também que
esta solicitude pastoral, assumida hoje pela Igreja como programa primordial
que absorve sua atenção e polariza seus cuidados, signifique uma modificação do
julgamento formulado acerca dos erros disseminados em nossa sociedade, e já
condenados pela Igreja, como o marxismo ateu, por exemplo. Procurar aplicar
remédios salutares e urgentes a uma doença contagiosa e mortal não quer dizer
mudar de opinião a respeito dessa doença, mas, pelo contrário, significa
procurar combatê-la não somente em teoria, mas praticamente; significa que se
quer, depois do diagnóstico, aplicar uma terapêutica, isto é, após a condenação
doutrinária, aplicar a caridade salutar”. (Alocução de 6 de setembro de
1963, aos participantes da XIII Semana Italiana de Adaptação Pastoral, de
Orvieto – AAS, vol. LV, p. 752).
Análoga posição tem tomado reiteradas vezes no presente
pontificado o “Osservatore Romano”, órgão oficioso do Vaticano. Lê-se, por
exemplo, no número de 20 de março de 1964 de sua edição em francês: “Deixando de lado as distinções mais ou menos
fictícias, é certo que nenhum católico, direta ou indiretamente, pode colaborar
com os comunistas, pois à incompatibilidade ideológica entre Religião e
materialismo (dialético e histórico) corresponde uma incompatibilidade de
métodos e de fins, incompatibilidade prática, isto é, moral” (artigo “Le
rapport Ilitchev” de F. A.). E em outro artigo do mesmo número. “Para que o Catolicismo e o comunismo fossem
conciliáveis seria preciso que o comunismo deixasse de ser comunismo. Ora,
mesmo nos aspectos múltiplos de sua dialética, o comunismo não cede no que diz
respeito a seus fins políticos e sua intransigência doutrinária. É assim que a
concepção materialista da História, a negação dos direitos da pessoa, a
abolição da liberdade, o despotismo do Estado, e a própria experiência
econômica mais bem infeliz, colocam o comunismo em oposição com a concepção
espiritualista e personalista da sociedade tal como deriva da doutrina social
do Catolicismo (...)” (artigo “À propos de solution de remplacement”).
No mesmo sentido ainda, cabe mencionar a Carta coletiva do
Venerando Episcopado Italiano contra o comunismo ateu, datada de 1º
de novembro de 1963.
De resto, também de fontes comunistas não têm faltado as
afirmações sobre a impossibilidade de uma trégua ideológica ou de uma
coexistência pacífica entre a Igreja e o comunismo: “Aqueles que propõem a idéia da coexistência pacífica, em matéria de
ideologia, resvalam de fato para posição anticomunista” (Kruchev, cf.
telegrama de 11-2-63 da AFP e ANSA, in “O Estado de São Paulo” de 12-3-63). “Minha impressão é que nunca, e em campo
nenhum, (...) será possível chegar a uma coexistência do comunismo com outras
ideologias e portanto com a religião” (Adjubei, cf. telegrama de 15-3-63 da
ANSA, UPI e DPA, in “O Estado de São Paulo”, de 16-3-63). “Não há conciliação possível entre o catolicismo e o marxismo”
(Palmiro Togliatti, cf. telegrama de 21-3-63 da AFP, in “O Estado de São Paulo”
de 22-3-63). “Uma coexistência pacífica
das idéias comunista e burguesa constitui uma traição à classe operária (...).
Nunca houve coexistência pacífica das ideologias; nunca houve nem haverá”
(Leonid Ilitchev, secretário da Comissão Central e presidente da Comissão
Ideológica do PCUS, cf. telegrama de 18-6-63 da AFP, ANSA, AP, DPA e UPI, in “O
Estado de São Paulo” de 19-6-63).
“Os soviéticos
rechaçam a acusação de que Moscou aplica também o princípio de coexistência à
luta de classes, e dizem que tampouco a admitem no terreno ideológico” (carta
aberta da CC do PCUS, cf. telegrama das agências citadas, de 15-7-63, in “O
Estado de São Paulo” de 17-7-63).
Nestas condições, é bem evidente que a Igreja militante não
renunciou, e nem poderia renunciar, à liberdade essencial para lutar contra seu
terrível adversário.
7 . A coexistência
poderia ser aceita em regime de “pia fraus”, isto é, se a Igreja quiser aceitar
a coexistência com algum regime comunista, poderá fazê-lo com a “arrière
pensée”, de fraudar quanto possível o pacto que com ele estabeleça.
Considerada a hipótese de um pacto explícito, deve-se
responder que a ninguém é permitido comprometer-se a fazer algo de ilícito. Se,
pois, a aceitação das condições de que vimos tratando é ilícita, o pacto de que
elas constem não pode ser feito.
Quanto à hipótese de um pacto implícito, cabe dizer – para
não considerar senão um aspecto dela – que há ingenuidade em imaginar que as
autoridades comunistas, de feitio eminentemente policial e servidas pelos
poderosos recursos da técnica moderna, não ficariam sabendo desde logo de
violações sistemáticas de tal pacto.
Um pacto da Igreja com um regime comunista, nas
condições por este desejadas, teria como efeito a formação de novas gerações de
católicos que recitariam talvez o Credo com a ponta dos lábios, porém cuja
mente e coração estariam encharcados de todos os erros do comunismo.
Para o comunismo, um pacto com as condições que enunciamos
acima no item V, se cumprido exatamente, traria vantagens imensas. Pois se
formariam novas gerações de católicos mal preparados, tíbios, recitando talvez
o Credo com a ponta dos lábios, porém com a mente e o coração encharcados de
todos os erros do comunismo. Em suma, católicos na aparência e na superfície,
comunistas nas camadas mais profundas e autênticas de sua mentalidade. Depois
de duas ou três gerações formadas em uma tal coexistência, o que de católico
ainda perduraria nos povos?
A este propósito seja-nos lícito fazer uma observação que
confirma estas asserções. Diz ela respeito aos riscos pastorais e práticos tão
graves, que decorrem por vezes da inevitável aceitação da hipótese, mesmo quando se continua fiel à tese.
Gozando de toda a liberdade no regime laicista atual,
nascido da Revolução Francesa, a Igreja viu escaparem de seu regaço milhões e
milhões de homens. Como disse o Exmo. Revmo. Mons. Ângelo Dell’Acqua, Substituto
da Secretaria de Estado, “em conseqüência
do agnosticismo religioso dos Estados” ficou “amortecido ou quase perdido na sociedade moderna o sentir da Igreja”
(Carta a Sua Eminência o Cardeal D. Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta, então
Arcebispo de São Paulo, a propósito do Dia Nacional de Ação de Graças de 1956).
Qual a razão última deste fato? As instituições públicas, como atrás dissemos
(cf. item VI, n.o 1), exercem sobre a maior parte dos homens uma
influência profunda. Eles as tomam habitualmente, e até sem o perceber, como
modelo e fonte de inspiração para todo o seu modo de pensar, de ser e de agir.
E o laicismo, por ser adotado pelos Estados, falseou inteiramente um imenso
número de almas. Isto certamente não teria acontecido se os católicos tivessem
sido muito mais zelosos em aproveitar a irrestrita liberdade de palavra e de
ação de que gozam no regime liberal, para difundir e propugnar todos os
ensinamentos da Igreja contra o Estado leigo. Eles contudo não aproveitaram em
toda a medida do necessário essa liberdade, porque em muitíssimos casos,
vivendo numa atmosfera laicista, perderam a noção viva do tremendo mal que o
laicismo é. Continuaram a afirmar raras vezes, e com a ponta dos lábios, a tese antilaicista, mas acabaram por
achar normal a hipótese.
Ora, num regime comunista, em que os erros são inculcados
pelo Estado com muito mais insistência do que no regime laico-liberal, ou as
almas se deixam arrastar em profusão ainda muito maior, ou se faz contra esses
erros muito e muito mais do que se fez contra o laicismo desde a Revolução
Francesa até hoje.
Quem ousasse imaginar que isto seria tolerado por qualquer
regime comunista, não teria a menor idéia do que seja o comunismo.
É importante e urgente mostrar o caráter intrínseca
e necessariamente fraudulento da “liberdade” oferecida pelo comunismo à
Religião.
Para aniquilar as vantagens que, no Ocidente, o comunismo já
vem alcançando com seus acenos de uma certa distensão no terreno religioso e
social, é importante e urgente esclarecer a opinião pública sobre o caráter
intrínseca e necessariamente fraudulento da “liberdade” por ele concedida à
Religião, e sobre a impossibilidade da coexistência pacífica de um regime
comunista – ainda que moderado – com a Igreja Católica.
As guerras têm como principal causa os pecados das
nações. Se, para evitar a hecatombe nuclear, as nações do Ocidente cometessem o
pecado enorme de aceitar o comunismo, atrairiam sobre si os efeitos da cólera
divina. Em Fátima, Nossa Senhora disse que a oração, a penitência e a emenda da
vida é que afastam as guerras. Que Ela nos dê a coragem de exclamar, diante do
comunismo: “non possumus”.
Chegando ao fim do presente estudo, muito leitor perguntará
de si para si: como evitar então a hecatombe nuclear? É bem claro que, se os
católicos se firmarem no princípio da propriedade privada, as potências
comunistas, desesperançadas de impor ao mundo o seu sistema por via pacífica,
recorrerão à guerra. À vista disto, diga-se o que se disser sob o ângulo
doutrinário, não será preferível ceder?
Ó homens de pouca fé! Teríamos vontade de responder, por que
duvidais (cf. Mat. 8, 26)?
As guerras têm como principal causa os pecados das nações.
Pois estas – diz Santo Agostinho – não podendo ser recompensadas nem castigadas
na outra vida, recebem neste mundo mesmo o prêmio de suas boas ações e a
punição de seus crimes.
Assim, se queremos evitar as guerras e as hecatombes,
combatamo-las em suas causas. A corrupção das idéias e dos costumes, a
impiedade oficial dos Estados leigos, a oposição cada vez mais freqüente entre
as leis positivas e a Lei de Deus, isto sim, é que nos expõe à cólera e ao
castigo do Criador, e nos conduz mais do que tudo, à guerra.
Se, para evitá-la, cometessem as nações do Ocidente um
pecado maior do que os atuais, como seria a aceitação de existir sob o jugo
comunista em condições que a moral católica reprova, desafiariam desse modo a
ira de Deus e chamariam sobre si os efeitos de sua cólera.
E isto tanto mais quanto a concessão que hoje se fizesse com
referência à abolição da propriedade privada, amanhã teria de ser repetida com
relação à abolição da família, e assim por diante. Pois assim procede com
inexorável intransigência a tática das
imposições sucessivas, inerente ao espírito do comunismo internacional.
Desse modo, até que torpeza, até que abismo, até que apostasia não rolaríamos?
A existência humana, sem instituições necessárias como a
propriedade e a família, não vale a pena ser vivida. Sacrificar uma ou outra,
para evitar a catástrofe, não importa em “propter vitam vivendi perdere
causas”? Para que viver num mundo transformado em uma imensa senzala de
escravos atirados a uma promiscuidade animal?
Em face da opção dramática da hora presente, que este artigo
procura pôr em evidência, não raciocinemos como ateus, que ponderam os prós e
os contras como se Deus não existisse.
Um ato supremo e heróico de fidelidade, nesta hora, poderia
apagar diante de Deus uma multidão de pecados, inclinando-O a afastar o
cataclismo que se aproxima.
Um ato de fidelidade heróica... um ato de inteira e heróica
confiança no Coração dAquele que disse: “Aprendei
de Mim, porque sou manso e humilde de Coração, e encontrareis descanso para as
vossas almas” (Mat. 11, 29).
Sim, confiemos em Deus. Confiemos na sua Misericórdia, cujo
canal é o Coração Imaculado de Maria.
O que a Mãe de Misericórdia disse ao mundo na Mensagem de
Fátima, é que a oração, a penitência, a emenda da vida afastam as guerras. E
não as concessões imediatistas, imprevidentes e medrosas...
Que Nossa Senhora de Fátima nos obtenha, a todos os que
temos o dever de lutar, a coragem de exclamar “non possumus” (At. 4, 20) em face das insidiosas sugestões do
comunismo internacional.
Acordo com o
regime comunista............................................................................................................... 1
Para a Igreja, esperança ou autodemolição................................................................................... 1
Histórico de um ensaio........................................................................................................................................... 1
Prefácio do Autor para a décima edição....................................................................................................... 3
I n t r o d u ç ã o......................................................................................................................................................... 6
I – Os fatos................................................................................................................................................................... 6
II – Um problema complexo.................................................................................................................................. 8
III – Importância do problema na ordem concreta.................................................................................. 9
IV – Não há como esquivar o problema........................................................................................................ 10
V – Enfrentando o problema............................................................................................................................ 11
VI – A solução.......................................................................................................................................................... 12
VII – Resolvendo objeções finais.................................................................................................................... 19
VIII – Frutos do acordo: católicos de fachada....................................................................................... 24
IX – Conclusão prática....................................................................................................................................... 25
X – Onde está o verdadeiro perigo de uma hecatombe......................................................................... 25
Í N D I C E.................................................................................................................................................................... 27
[1] Editora
Vera Cruz Ltda.
10ª Edição – Agosto de 1974 São Paulo – SP.
[2] Em 1970,
cinco anos após a primeira edição deste trabalho, assumiu o
poder, pela via eleitoral, um governo marxista no Chile. Mas é notório que os
partidos marxistas chilenos nem de longe obtiveram a maioria nas eleições. Como
tive oportunidade de demonstrar na ocasião, em artigo largamente difundido por
quase todos os países da América Latina (cf. “Toda a verdade sobre as eleições
no Chile”, in “Folha de S. Paulo”, de
10.9.70), nas eleições presidenciais anteriores, realizadas em 1964, Allende
não era apoiado senão pelos comunistas, ou seja, pelo Partido Socialista
(marxista), pelo Partido Comunista e por certos corpúsculos comunistas
dissidentes. Assim, toda a votação de Allende era comunista, e toda a votação comunista
era de Allende, e ele foi derrotado. No pleito de 1970, pelo contrário, Allende
se apresentou como candidato de uma coligação, recebendo, além dos votos
comunistas acima referidos, o apoio de partidos não diretamente marxistas. E
sucedeu precisamente que Allende, embora se colocando à frente dos demais
candidatos, obteve apenas 36,3% do votos, contra 38,7% na eleição anterior.
Houve, portanto, um recuo do contingente marxista, nas eleições presidenciais
de 1970, pois mesmo somado a outras forças, ele alcançou menor porcentagem de
votos do que em 1964. E não fora: de um lado a divisão política dos candidatos
antagonistas; de outro lado o apoio semidisfarçado, mas em todo caso
desconcertante, da Hierarquia e do Clero chilenos, com o Cardeal Silva Henríquez
à frente (este chegou a autorizar os católicos a votar no candidato
marxista!...); e, por fim, a vergonhosa entrega do poder a Allende, pela
Democracia Cristã, quando da escolha, pelo Congresso, entre os dois candidatos
mais votados; - jamais o comunismo teria sido então instaurado no Chile.
É de se notar, ademais, que nas eleições subsequentes,
a coligação esquerdista não obteve maioria de votos. Mais ainda, as eleições
não se realizaram em clima de autêntica liberdade. A livre propaganda eleitoral
foi coarctada pelo governo, que além de aplicar vigorosamente os dispositivos
de “persuasão” que tinha a seu alcance, exerceu pressão direta sobre editoras
de jornais e revistas, bem como sobre emissoras de rádio e televisão,
envolvendo-as em investigações arbitrárias, assumindo o controle acionário em
determinado caso, e mesmo suspendendo o seu funcionamento, em outros casos. Não
houve, pois, possibilidade de uma propaganda verdadeiramente livre, o que
deixou o eleitor oposicionista de base – cujo pronunciamento é muito importante
numa eleição – sem condições para votar livremente (cf. artigos “No Chile:
empate sob pressão” e “Nem vitória autêntica, nem pleito livre”, por mim publicados na “Folha de S. Paulo” de
11 e 18-4-71, respectivamente).
As numerosas convulsões das massas populares
inconformadas com a miséria decorrente da aplicação dos princípios comunistas à
economia chilena deixaram bem claro em que sentido se teria pronunciado o povo
se tivesse havido eleições nos meses que antecederam à derrocada e ao suicídio
de Allende.
Por todas estas razões, o caso chileno também não
constitui um argumento válido contra a tese de que jamais um partido comunista
obteve a maioria em eleições autênticas e livres.
[3] Nota da
10ª edição: Da data da publicação deste trabalho para cá, a Santa Sé
tem desenvolvido, em considerável medida, suas relações com governos
comunistas, do que tem resultado a assinatura de acordos com esses governos.
Esses acordos não afastam, porém, a dificuldade fundamental das relações do
Vaticano ou das Hierarquias Eclesiásticas locais com os governos comunistas,
pois eles, como é óbvio, não dispensam as autoridades eclesiásticas de ensinar
o 7º e o 10º Mandamentos. De onde é inevitável que as
autoridades eclesiásticas verdadeiramente fiéis à sua missão façam da pregação
plena da Moral católica uma atividade ideológica anticomunista.
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