Plinio Corrêa de Oliveira
Maomé renasce
Legionário, n.° 775, 15 de junho de 1947
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1 de septiembre de 2014
Plinio Corrêa de Oliveira Maomé renasce Legionário, n.° 775, 15 de junho de 1947
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[Nota: os twitters aqui produzidos são todos de agosto de 2014]
Quando estudamos a triste história da queda
do Império do Ocidente, custa-nos compreender a curteza de vistas, a
displicência e a tranqüilidade dos romanos diante do perigo que se avolumava. Roma sofria,
a agravar-lhe os outros males, de um inveterado hábito de vencer. A seus
pés estavam as mais gloriosas nações da Antiguidade, o Egito, a Grécia, toda a
Ásia. A ferocidade dos celtas estava definitivamente abrandada. O Reno e o
Danúbio constituíam para o Império uma esplêndida defesa natural. Como recear
que os bárbaros, que vagueavam nas selvas virgens da Europa central, pudessem
expor a risco sério tão imenso edifício político?
Habituados a esta visão, os romanos não
tiveram flexibilidade de espírito para compreender a situação nova que aos
poucos se ia criando. Os bárbaros transpuseram o Reno, começaram suas
invasões, diante deles a resistência das legiões era fraca, indecisa,
insuficiente. Mas os romanos continuaram a ignorar o perigo,obcecados de
um lado pela sede absorvente dos prazeres, e iludidos de outro
lado pelo que se chamaria na detestável terminologia freudiana um "complexo"
de superioridade. É o que explica a tranqüilidade mortal em que se conservaram
até o fim.
Ainda mesmo que consideremos dentro deste conjunto
o mistério da inércia romana, o quadro nos parece singular e quiçá algum tanto
forçado. Compreendê-lo-emos muito mais ao vivo, se considerarmos outro
grande mistério que se passa diante de nossos olhos, do qual somos de certo
modo participantes: a grande inércia do Ocidente cristão diante da
ressurreição da gentilidade afro-asiática. O tema é por demais
vasto para ser tratado em bloco. Bastará, para que o compreendamos bem, que
consideremos apenas um dos aspectos do fenômeno: a renovação do mundo
muçulmano.
É um tema que o "Legionário", já
habituado a não ser compreendido, tem abordado com uma insistência que pareceu
por vezes importuna. Mas a questão merece ser examinada mais uma vez, com uma
extensão maior do que a das pequenas notas dos "Sete dias em Revista"
nas quais a tratamos anteriormente.
Lembremos rapidamente alguns
dados gerais do problema. Como se sabe, o mundo maometano abrange uma faixa
territorial que começa na Índia, passa pela Arábia e Ásia Menor, atinge o
Egito e vai terminar no Oceano Atlântico. A zona de influencia do
Islão é imensa de todos os pontos de vista: território, população, riquezas
naturais. Mas até há algum tempo atrás certos fatores inutilizavam de modo
quase completo todo este poderio. O vínculo que poderia unir os maometanos de
todo o mundo seria, evidentemente, a religião do Profeta. Mas esta se
apresentava dividida, fraca, e totalmente desprovida de homens notáveis na
esfera do pensamento, do mando ou da ação. O maometanismo vegetava, e
isto parecia bastar perfeitamente ao zelo dos altos dignitários do Islã. O
mesmo gosto pela estagnação e pela vida meramente vegetativa era um
mal de que também estava atingida a vida econômica e política dos povos
maometanos da Ásia e da África. Nenhum homem de valor, nenhuma idéia nova,
nenhum empreendimento verdadeiramente grande podia afirmar-se nesta atmosfera. As
nações maometanas fechavam-se cada qual sobre si mesma, indiferente a tudo que
não fosse o deleite tranqüilo e miúdo da vida quotidiana. Assim, vivia cada
qual em um mundo próprio, diversificada das outras por suas tradições
históricas profundamente diversas, separadas todas por sua recíproca
indiferença, incapazes de compreender, desejar e realizar uma obra comum. Neste
quadro religioso e político tão deprimido, o aproveitamento das riquezas
naturais do mundo maometano, riquezas que consideradas em seu conjunto
constituem um dos maiores potenciais do globo, era manifestamente impossível. Tudo,
pois, não era senão ruína, desagregação e torpor.
Arrastava assim os seus dias o Oriente, enquanto
o Ocidente chegava ao zênite de sua prosperidade. Desde a era
vitoriana, uma atmosfera de juventude, de entusiasmo e de esperança soprava
pela Europa e pela América. Os progressos da ciência haviam renovado os
aspectos materiais da vida ocidental. As promessas da Revolução encontravam
crédito, e nos últimos anos do século XIX havia quem esperasse o século
XX como a era de ouro da humanidade.
É claro que um ocidental colocado neste ambiente se
capacitava a fundo, da inércia e da impotência do Oriente. Falar-lhe na
possibilidade da ressurreição do mundo maometano lhe pareceria algo de tão
irrealizável e anacrônico, quanto o retorno aos trajes, aos métodos de guerra e
ao mapa político da Idade Média.
Desta ilusão, vivemos ainda hoje. E, como os romanos, fiados no Mediterrâneo que nos separa do mundo
islâmico, não percebemos que fenômenos novos e extremamente graves se
passam nas terras do Corão.
É difícil abranger em uma discriminação sintética
fenômenos tão vastos e ricos como este. Mas de um modo muito geral pode-se
dizer que, depois da grande guerra, todo o Oriente - e
entendemos esta expressão num sentido muito lato abrangendo em sua totalidade
as zonas de civilização não cristã da Ásia e da África - começou a
passar por um fenômeno de reação anti-Europa e muito pronunciado.
Esta reação comportava dois aspectos algum tanto contraditórios, mas ambos
muito perigosos para o Ocidente. De um lado, as nações orientais
começavam a sofrer com impaciência o jugo econômico e militar do Ocidente,
manifestando uma aspiração cada vez mais pronunciada pela soberania plena, pela
formação de um potencial econômico independente e de grandes exércitos
próprios. Esta aspiração comportava, é claro, uma certa
"ocidentalização", ou seja a adaptação da técnica militar, industrial
e agrícola moderna, do sistema financeiro e bancário euro-americano, à
Ásia, etc. De outro lado, porém, este surto patriótico
provocava um renouveau [renovamento, n.d.c.] de
entusiasmo pelas tradições nacionais, costumes nacionais, culto nacional,
historia nacional. É supérfluo acrescentar que o espetáculo degradante
da corrupção e das divisões a que estava exposto o mundo ocidental concorria
para estimular o ódio ao Ocidente. De onde a formação, em todo o
Oriente, de novo interesse pelos velhos ídolos, de um "neo-paganismo"
mil vezes mais combativo, resoluto e dinâmico do que o paganismo antigo. O
Japão é bem um exemplo típico, ultra-típico talvez, de todo este processus que
tentamos descrever. O grupo ideológico e político que o elevou à categoria de
grande potência e que ambicionou para ele o domínio do mundo, foi precisamente
um destes grupos neo-pagãos obstinadamente apegados aos velhos
conceitos de divindade do Imperador, etc.
Ora, um fenômeno mais lento, porém não menos
vigoroso que o do Japão, se deu em todo o mundo oriental. A Índia está
na iminência de conquistar, em virtude deste fenômeno, a sua independência, o Egito e
a Pérsia ocupam hoje em dia uma situação avantajada, na vida
internacional, e progridem a passos rápidos. Bem antes disto, Mustafá Kemal renovara
a Turquia. Todas estas nações, estas potências podemos
dizer, se sentem orgulhosas de seu passado, de suas tradições, de sua
cultura, e desejam conservá-las com afinco, ao mesmo tempo, mostram-se
ufanas de suas riquezas naturais, de suas possibilidades políticas e militares,
e do progresso financeiro que estão alcançando. Dia a dia elas se enriquecem,
constroem cidades dotadas de um aparelho governamental eficaz, de uma polícia
bem adestrada, de universidades estritamente pagãs mas muito desenvolvidas, de
escolas, hospitais, museus, tudo enfim que para nós significa de algum modo
poder e progresso material. Nas suas arcas, o ouro se vai acumulando.
Ouro significa possibilidade de comprar armamentos. E armamentos significam
prestígio mundial.
É interessante notar que o exemplo nazista
impressionou fortemente o Oriente. Se um grande país como a
Alemanha tem um governo que abandona o Cristianismo e não cora de voltar
aos antigos ídolos, o que há de vergonhoso em que um chinês ou um árabe
permaneçam em suas religiões tradicionais?
Tudo isto transformou o mundo islâmico e determinou
em todos os povos maometanos, da Índia ao
Marrocos, um estremecimento que significa que o sono milenar acabou. O
Paquistão - estado muçulmano hindu em vésperas de independência - o Irã, Irak,
a Turquia, o Egito são os pontos altos do movimento de ressurreição islâmica.
Mas na Algéria, no Marrocos, na Tripolitânia, na Tunísia, a agitação
também vai intensa. O nervo vital do islamismo revive em
todos estes povos, fazendo renascer neles o senso da unidade, a noção dos
interesses comuns, a preocupação da solidariedade, e o gosto pela vitória.
Nada disto ficou no ar. A Liga
árabe, uma confederação vastíssima de povos muçulmanos, une hoje todo o
mundo maometano. É, às avessas, o que foi na Idade Média a Cristandade.
A Liga Árabe age como um vasto bloco perante as nações não
árabes, e fomenta por todo o norte da África a insurreição. A evasão do grão mufti foi
uma clara manifestação da força dessa Liga. A soltura de Abd-el-Krim é mais
do que isto, uma afirmação do propósito deliberado em que está a Liga
de intervir nos assuntos da África Setentrional, promovendo a independência
da Argélia, Tunísia, Tripolitânia e Marrocos. É o que demonstramos
nos "Sete Dias em Revista" do ultimo número.
Será preciso ter muito talento, muita perspicácia,
informações excepcionalmente boas, para perceber o que significa este perigo?
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