O Globo, terça-feira,
3 de novembro de 2015
Violação na Santa Sé
Eduardo Vanini / Renato Grandelle
O novo escândalo que eclodiu ontem
no Vaticano, com a prisão do padre espanhol Lucio Anjo Vallejo Balda, acusado
de divulgar documentos confidenciais, marca o início de uma semana turbulenta
na Santa Sé. O caso, que lembra os vazamentos aos quais se atribui o fim do
pontificado de Bento XVI, em 2013, acontece a poucos dias da publicação de dois
livros que prometem jogar no altar polêmicas antigas e inéditas sobre os
bastidores da Igreja Católica. O episódio também acontece pouco depois de
notícias de invasão a computadores oficiais ganharem repercussão na mídia
italiana.
Balda, de 54 anos, foi detido no
fim de semana, juntamente com a especialista em comunicação e mídias sociais
italiana Francesca Chaouqui, de 33 anos. Ela era conhecida por seus tuítes
polêmicos e pela amizade com um dos jornalistas que revelaram os documentos do
escândalo "Vatileaks" em 2012.
Ambos faziam parte da Comissão de
Estudo sobre a Organização das Estruturas Econômicas Administrativas da Santa
Sé (Cosea), criada em 2013 pelo Papa Francisco para revisar as finanças da
Santa Sé. O grupo foi extinto este ano, após concluir o seu trabalho.
Balda e Francesca foram levados
sob custódia pela polícia do Vaticano para prestar esclarecimentos, mas ela foi
liberada ontem, depois de concordar em cooperar com a investigação, realizada
com o aval do Papa.
A divulgação de notícias e
documentos confidenciais é considerada um crime desde julho de 2013, depois do
vazamento de uma série de documentos, incluindo material pessoal pertencente ao
então Papa Bento XVI, que foram publicados no best-seller "Sua Santidade",
de Gianluigi Nuzzi. O jornalista italiano recebeu a papelada do mordomo pessoal
do Pontífice, Paolo Gabriele, que foi julgado e condenado em outubro de 2012 a
18 meses de prisão. Dois meses depois, ele foi perdoado pelo líder da Igreja.
Nuzzi é, mais uma vez, o autor de
uma das obras que prometem alimentar as polêmicas do Vaticano esta semana. Seu
novo livro, "Via Crucis", será lançado em vários países na
quinta-feira. Segundo o material de divulgação, o jornalista mostrará
bastidores das lutas travadas por Francisco e seus assessores mais próximos
para realizar uma reforma na Igreja. O autor disse que o conteúdo foi produzido
com base em documentos inéditos e gravações de reuniões privadas feitas por
integrantes da Cúria.
A obra sugere ainda que as
finanças do Vaticano estavam tão caóticas que Bento XVI não teve outra escolha
a não ser renunciar. O jornalista também promete revelar o "veneno
daqueles que querem sabotar a vigorosa revolução conduzida pelo Papa".
O segundo livro, "Avareza",
do jornalista italiano Emiliano Fittipaldi, da revista "L'Espresso",
também será lançado na quinta-feira. A publicação abordará diversos escândalos,
alguns deles financeiros, que ocorreram dentro do Vaticano. Em entrevistas
ontem, o autor antecipou que as duas pessoas presas pelo Vaticano não eram suas
fontes.
Ao se pronunciar sobre as
detenções do fim de semana, o Vaticano também se posicionou sobre os próximos
livros. Segundo a entidade, os títulos são fruto de uma "traição". A
Santa Sé também informou que os escritórios de advocacia do Vaticano já estão
avaliando as medidas legais cabíveis.
"Como aconteceu no passado,
os livros que serão publicados nos próximos dias são o resultado de uma traição
grave da confiança do Papa e, no que diz respeito aos escritores, de uma
operação para obter benefícios de um ato ilícito de entrega de documentos
confidenciais", diz o texto. "Publicações deste tipo não servem de
modo algum para esclarecer ou obter a verdade, mas para criar confusão e dar
interpretações parciais e tendenciosas".
Com as detenções e a iminência dos
dois livros, a sombra do caso "Vatileaks" voltou a pairar sobre o
Vaticano. A imprensa italiana também repercute um roubo de dados que teria
ocorrido no computador do controlador-geral das finanças do Vaticano, o
italiano Libero Milone, em seu escritório, localizado perto da Praça de São
Pedro.
Milone foi nomeado pelo Papa no
dia 5 de junho para a Reforma das Finanças e é responsável pela auditoria das
contas de todas as administrações do Vaticano. Segundo o jornal "Corriere
della Sera", o auditor apresentou na última sexta-feira uma denúncia por
violação de dados informáticos. De acordo com o periódico, foram roubados
documentos sobre as revisões contábeis e sobre a reorganização em curso dos
dicastérios, os ministérios vaticanos.
Papa imune a ataques
Professora do Departamento de
Teologia da PUCRio, Maria Clara Bingemer destaca que a reforma promovida pelo
Papa Francisco já repercutiu nas finanças do Vaticano. No entanto, os métodos
adotados para atingir os bons resultados foram mal recebidos por uma ala
influente da Igreja.
— O Vaticano conseguiu superávit
pela primeira vez em muitos anos — ressalta. — Para isso, Francisco sentou em
cima do caixa. Cortou luxos, como o sustento de casas milionárias do alto
clero. E algumas pessoas não ficaram felizes com estas medidas.
A prisão de Balda e Francesca é
uma consequência do segundo vazamento em menos de dois meses a atingir o
pontificado de Francisco. O primeiro foi uma carta assinada por 13 membros da
cúpula da Igreja, que criticaram a reforma para acelerar a anulação de
casamentos religiosos.
— É bom conhecer a identidade dos
opositores da Igreja e ver seu fracasso na tentativa de desestabilizar medidas
contra os escândalos financeiros e a pedofilia — avalia Maria Clara. — Estas
polêmicas derrubaram Bento XVI porque ele tinha perfil de intelectual, não de
um chefe de Estado. O Papa Francisco tem estofo e aliados. Estes vazamentos
podem abalar sua saúde, mas não sua coragem.
O bispo João Carlos Petrini também
compara a falta de vigor de Bento XVI com a disposição de Francisco para
enfrentar as polêmicas que cercam o Vaticano. Para ele, os novos livros e vazamentos
não afetarão a credibilidade do Papa ou da Igreja:
— Em todo lugar há estes jogos de
poder. É natural que o Papa enfrente uma resistência, já que resolveu renovar a
administração de instituições como o Banco do Vaticano. Acredito que ele continuará
neste caminho, e assim enfrentará mais oposição.
O padre Denilson Geraldo,
professor da Faculdade de Teologia da PUC-SP, também assegura que a imagem de
Francisco não será manchada pelos novos ataques ao Vaticano, especialmente devido
à dificuldade para conseguir provas de irregularidades em seu pontificado.
— O Papa é muito transparente e
aberto ao diálogo. Um vazamento realizado por duas pessoas não deve mudar isso
nem abalar o trabalho da comissão financeira — descarta. — Os livros, por sua
vez, terão desde o início a sua credibilidade questionada.
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OTRAS FUENTES:
Conheça os livros que prometem sacudir o Vaticano
Livros expõem resistências no Vaticano às reformas propostas pelo papa
Autor de livros com "segredos" do Vaticano: "Papa está só"
New books show Vatican corruption, resistance to financial reforms
November 03, 2015
Two new books, due for publication in Italy this week, show a pattern of secrecy and corruption in Vatican financial affairs, according to reporters who have seen advance copies of the works.
The Washington Post obtained a copy of Avarice, by reporter Emiliano Fittipaldi of L’Espresso; while the Associated Press obtained an early copy of Merchants in the Temple, by Gianluigi Nuzzi, the journalist at the center of the “Vatileaks” controversy. Both books are scheduled for publication on Thursday, November 5.
”Costs are out of control,” the Nuzzi book quotes auditors are telling Pope Francis in June 2013. “There is a complete absence of transparency in the bookkeeping both of the Holy See and the Governorate.”
Nuzzi’s book is based on documents from a special commission set up by Pope Francis to offer suggestions on reforming the Vatican’s finances, and the AP story notes that “the book is clearly written from the point of view of the commission members.” Two members of that commission, Msgr. Lucio Angel Vallejo Balda and Francesca Chaouqui, have been arrested and face criminal charges for leaking confidential documents.
“If we don’t know how to safeguard our money, which can be seen, how can we safeguard the souls of the faithful, which cannot be seen?” Pope Francis remarked at one meeting with the commission, according to the Nuzzi book.
Both books emphasize the secrecy and lack of accountability that characterized Vatican financial dealings for years. The new Secretariat for Economy, headed by Cardinal George Pell, has sought to address these problems by demanding transparent budgeting and audits for all Vatican offices.
But these efforts have encountered some stiff resistance, the two books show. In March 2014 there was a break-in at the offices of the papal commission investigating Vatican economic affairs. More recently there have been reports that the computer of the Vatican’s new auditor general was hacked.
The books charge that Vatican officials used funds for their own purposes, such as renovating and refurbishing their private residences. (Cardinal Tarcisio Bertone, the former Secretary of State, is a special target for such charges.) The Vatican reportedly froze the financial accounts of postulators working for the Congregation for the Causes of Saints, after finding that there was no documentation for their spending.
In a related development, the Reuters news service has obtained a highly critical report on the Administration of the Patrimony of the Holy See (APSA), the office that handles the Vatican’s investments. The report raises allegations that private Italian investors used the APSA as a conduit for financial transactions, raising concerns about money-laundering and corruption.
References:
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