Oriente Médio tem cinco guerras civis em andamento
Há Estados falidos —como a Somália repleta de piratas e seus clãs em eterno combate— e semifalidos —como o Líbano, com a forte presença da milíciaHizbullah minando a autoridade estatal. E há grupos terroristas espalhados por toda a parte, como a clássica Al Qaeda do finado Osama bin Laden e suas franquias.
Compreender quem é aliado de quem em cada conflito é algo bizantino; afinal, o inimigo do meu inimigo pode ser meu amigo.
Como disse o grande estadista britânico Winston Churchill (1874-1965), se o líder nazista Adolf Hitler tivesse atacado o inferno, ele daria um jeito de falar algo positivo sobre o diabo no Parlamento britânico. Mas faltam Churchills, e não faltam diabos, no Oriente Médio.
(Clique nos pontos vermelhos no mapa abaixo para ler um resumo da situação de cada país.)
A importância do Iêmen, principalmente do seu principal porto, Áden, ficou clara quando foi inaugurado o canal de Suez em 1869, e isso vale ainda hoje.
O Bab-el-Mandeb é o estreito que separa o Iêmen da África. O controle do estreito por quem tem a posse de Áden afeta diretamente os navios que saem de Suez na direção dos países produtores de petróleo do Oriente Médio. Egito, Arábia Saudita e mesmo os EUA não gostam da ideia de ter o estreito em mãos de xiitas pró-Irã, ou de terroristas.
O Bab-el-Mandeb tem tanta importância estratégica quando o estreito de Ormuz, na entrada do golfo Pérsico, por onde escoa a produção de petróleo de países como Kuait, Iraque, Irã e Emirados Árabes Unidos.
PÓS-PRIMAVERA ÁRABE
Meros quatro anos se passaram da chamada Primavera Árabe, que poderia instaurar democracias na região. Só a Tunísia está perto disso; o Egito voltou a ter um governo militar autoritário, e a Líbia está dividida em dois, um oeste mais islamista e um leste mais moderado.
Qatar e Turquia apoiam a "Líbia do oeste"; Egito e Emirados Árabes Unidos apoiam a porção leste. Qatar e Emirados estão juntos, contudo, ao apoiar a intervenção saudita contra os rebeldes do Iêmen.
A intervenção ocidental na Líbia em 2011 foi quase toda via ataques aéreos. A experiência no Iraque e no Afeganistão fez Estados Unidos e europeus não cogitarem usar forças terrestres —colocar as chamadas "botas no chão" ("boots on the ground"). Os sauditas têm o mesmo receio hoje.
E foi para azar dos líbios, pois a chance de ter um governo estável no país era maior, já que a população é pequena (6 milhões de habitantes) e mais homogênea, sem o impacto da principal clivagem religiosa da região entre muçulmanos xiitas e sunitas.
O não árabe e majoritariamente xiita Irã é um grande complicador. Os iranianos apoiam os rebeldes xiitas do Iêmen, a milícia libanesa Hizbullah e grupos semelhantes na região. O Irã apoia o líder sírio Bashir Assad, assim como a Rússia; a Arábia Saudita e os EUA são contra.
Mas, ironicamente, tantos os americanos como os iranianos são contra a milícia hipermegafundamentalista Estado Islâmico na Síria e no Iraque (que tem um governo majoritariamente xiita).
As "parcerias" ficam ainda mais exóticas quando se pensa no grande bicho-papão do mundo islâmico, o pequeno Estado de Israel. Os sauditas têm diminuído as críticas ao "Estado judeu" e aumentado o tom em relação aos "persas", pois os iranianos não só fomentam rebeliões no "quintal" saudita como têm um polêmico programa nuclear.
As negociações americanas com os iranianos sobre esse tema tendem ironicamente a colocar no mesmo lado Israel e Arábia Saudita, indignados com as posições suaves do presidente Barack Obama. Os dois países, por sinal, estavam juntos entregando armas para a sua facção no Iêmen em 1962 em oposição ao lado apoiado pelo Egito.
CONSEQUÊNCIAS
Os conflitos têm óbvias consequências para o Ocidente. Líbios cruzam em massa o Mediterrâneo para buscar abrigo na Itália ou Espanha. A efervescência religiosa afeta a França —vide o atentando contra o "Charlie Hebdo" em janeiro—, o país europeu de maior população islâmica (quase a população da Líbia, mais de 5 milhões). Jihadistas recrutam terroristas nas principais capitais europeias.
Os americanos chegaram a ter 220 mil soldados no Oriente Médio em 2007, no auge das intervenções no Iraque e Afeganistão; hoje existem meros 20,5 mil soldados americanos na região, a maioria em países aliados e livres de conflitos (11,3 mil no Kuait, 3.300 em Bahrein).
O Iraque, que já chegou a ter mais de 100 mil soldados nas tropas de ocupação, hoje tem cerca de 2.500 militares americanos, todos instrutores, sem missões diretas de combate.
Ou seja, a falta de apetite ocidental para tentar resolver essa miríade de crises, por meios militares ou mesmo diplomáticos, tende a fazer as feridas gangrenarem.
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