18 de enero de 2010
Para morador, enchente foi um "castigo de Deus"
Folha da Manhã
São Paulo, domingo, 17 de janeiro de 2010
Para morador, enchente foi um "castigo de Deus"
Religiosos dizem que cidade se perdeu em micaretas e outras festas pagãs
Imagens de santos achadas em pé reforçam as teorias de punição divina; rumores em Paraitinga citam "premonição" de padre
ROGÉRIO PAGNAN
ENVIADO ESPECIAL A SÃO LUIZ DO PARAITINGA
Os técnicos apontam entre as razões para a catástrofe de São Luiz do Paraitinga os altos índices pluviométricos, o sistema de escoamento problemático e a ocupação irregular do solo. Para grande parte dos moradores, porém, há apenas um único motivo para o que aconteceu: um castigo de Deus.
Ao andar pelas ruas da católica Paraitinga, cidade de cerca de 11 mil habitantes destruída pela força das águas na virada do ano, há sempre um morador para explicar que Deus decidiu punir a cidade porque ela teria se transformado numa espécie de Sodoma e Gomorra.
Assim como as cidades bíblicas perdidas no pecado e também destruídas por decisão divina, São Luiz do Paraitinga teria abandonado os ensinamentos de Deus e se perdido em festas mundanas. A queda da igreja matriz deixou, para eles, claro o recado. "Vai mais gente à Festa do Saci do que à Festa do Divino, que é a festa do padroeiro", diz a cozinheira Bruna Aparecida da Silva, 23. "É um castigo. Deus tá vendo tudo isso", emenda a colega de profissão, Benedita Arlete.
A Festa do Saci é uma espécie de micareta realizada na cidade no final de outubro. A grande atração de Paraitinga é, porém, seu Carnaval, que chega a reunir em suas apertadas ruas 60 mil pessoas por dia.
"Tem que fazer festa para Deus, não para o outro lado. Saci é do outro lado, da esquerda, não é não?", explica o agricultor João Rangel dos Santos, 67, que perdeu um filho em soterramento na noite da enchente. "Isso é para as pessoas acordarem e voltarem a pensar em Deus", diz a dona de casa Rita de Cássia Cezar Ramalho, 45, vizinha da família dos Santos, no bairro Bom Retiro.
Para a aposentada Olga Pires Fontes, 85, há também a ingratidão de parte dos moradores da cidade com seus padres -assim como aconteceu com anjos enviados a Sodoma. "Aqui tem muita lágrima de padre. Isso contribui", diz ela, também entre lágrimas. "Cada padre que vem aqui sai sentido com alguma coisa. Conheço uns oito que saíram chorando daqui feito criança", afirmou ela.
O engenheiro Jairo Borriello, participante do grupo de reconstrução da cidade e que acredita na versão técnica para o desastre, diz que coincidências reforçam a versão religiosa. Uma delas é uma casa ter sido destruída pelas águas e apenas uma parede, a única com crucifixo pregado, ter resistido. "Que as imagens de santo estão sendo encontradas de pé, isso é fato, e ajuda a aumentar esse sentimento", afirmou.
Por fim, ainda há o rumor, ouvido pela Folha dezenas de vezes, de uma "premonição": o padre Osmar, de Lagoinha (cidade vizinha), teria previsto o desastre, afirmado que as águas chegariam à matriz e que não haveria Carnaval neste ano.
Procurado, o padre falou pouco. "Não gosto de reportagem. Não sei de nada. O povo pôs palavras na minha boca."
São Paulo, domingo, 17 de janeiro de 2010
Para morador, enchente foi um "castigo de Deus"
Religiosos dizem que cidade se perdeu em micaretas e outras festas pagãs
Imagens de santos achadas em pé reforçam as teorias de punição divina; rumores em Paraitinga citam "premonição" de padre
ROGÉRIO PAGNAN
ENVIADO ESPECIAL A SÃO LUIZ DO PARAITINGA
Os técnicos apontam entre as razões para a catástrofe de São Luiz do Paraitinga os altos índices pluviométricos, o sistema de escoamento problemático e a ocupação irregular do solo. Para grande parte dos moradores, porém, há apenas um único motivo para o que aconteceu: um castigo de Deus.
Ao andar pelas ruas da católica Paraitinga, cidade de cerca de 11 mil habitantes destruída pela força das águas na virada do ano, há sempre um morador para explicar que Deus decidiu punir a cidade porque ela teria se transformado numa espécie de Sodoma e Gomorra.
Assim como as cidades bíblicas perdidas no pecado e também destruídas por decisão divina, São Luiz do Paraitinga teria abandonado os ensinamentos de Deus e se perdido em festas mundanas. A queda da igreja matriz deixou, para eles, claro o recado. "Vai mais gente à Festa do Saci do que à Festa do Divino, que é a festa do padroeiro", diz a cozinheira Bruna Aparecida da Silva, 23. "É um castigo. Deus tá vendo tudo isso", emenda a colega de profissão, Benedita Arlete.
A Festa do Saci é uma espécie de micareta realizada na cidade no final de outubro. A grande atração de Paraitinga é, porém, seu Carnaval, que chega a reunir em suas apertadas ruas 60 mil pessoas por dia.
"Tem que fazer festa para Deus, não para o outro lado. Saci é do outro lado, da esquerda, não é não?", explica o agricultor João Rangel dos Santos, 67, que perdeu um filho em soterramento na noite da enchente. "Isso é para as pessoas acordarem e voltarem a pensar em Deus", diz a dona de casa Rita de Cássia Cezar Ramalho, 45, vizinha da família dos Santos, no bairro Bom Retiro.
Para a aposentada Olga Pires Fontes, 85, há também a ingratidão de parte dos moradores da cidade com seus padres -assim como aconteceu com anjos enviados a Sodoma. "Aqui tem muita lágrima de padre. Isso contribui", diz ela, também entre lágrimas. "Cada padre que vem aqui sai sentido com alguma coisa. Conheço uns oito que saíram chorando daqui feito criança", afirmou ela.
O engenheiro Jairo Borriello, participante do grupo de reconstrução da cidade e que acredita na versão técnica para o desastre, diz que coincidências reforçam a versão religiosa. Uma delas é uma casa ter sido destruída pelas águas e apenas uma parede, a única com crucifixo pregado, ter resistido. "Que as imagens de santo estão sendo encontradas de pé, isso é fato, e ajuda a aumentar esse sentimento", afirmou.
Por fim, ainda há o rumor, ouvido pela Folha dezenas de vezes, de uma "premonição": o padre Osmar, de Lagoinha (cidade vizinha), teria previsto o desastre, afirmado que as águas chegariam à matriz e que não haveria Carnaval neste ano.
Procurado, o padre falou pouco. "Não gosto de reportagem. Não sei de nada. O povo pôs palavras na minha boca."