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5 de febrero de 2015
O canário na mina de carvão e o silêncio dos bons
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A vida de muitos mineiros já foi salva colocando-se um canário para cantar no local. Enquanto a cantoria segue seu curso, tudo bem. Mas quando o canário interrompe a performance, é sinal de que o gás inflamável que se solta nas minas de carvão pode estar em quantidade perigosamente elevada. Ou seja, é um alerta de que vem problema por aí.
Muitos já usaram a metáfora para se referir ao povo judeu. Quando o antissemitismo (ou judeofobia, termo que julgo mais correto) começa a recrudescer, então é sinal de que algo de errado acontece no mundo e que vem problema por aí.
Os judeus representam não só um grupo minoritário e relativamente fácil de ser identificado, como abraçam um monoteísmo ético que responde apenas ao seu Deus superior, não se dobrando ao relativismo moral vigente. Quando a convivência com tal rigidez ética se mostra insuportável para muitos, é sintoma de que o mundo está doente.
Historicamente, os judeus sofreram perseguições em diversas ocasiões, que invariavelmente representavam esses delicados e críticos momentos de inflexão e subversão de valores predominantes. O caso mais chocante, e relativamente recente, foi com o nazismo. Mas esse horror todo seria impensável sem a conivência ou cumplicidade de grande parte da população. Os judeus foram os principais alvos, mas era um aviso de que algo de muito podre estava no ar.
“O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética… O que me preocupa é o silêncio dos bons“, disse Martin Luther King. Combater o aumento da judeofobia deve ser uma obrigação moral de todos que repudiam a injustiça. Mas também há razões pragmáticas para tanto: começam as perseguições com os judeus, mas nunca ficam restritas apenas a eles.
Nesta quinta tive o prazer de contar para centenas de judeus minhas experiências em Israel e falar um pouco de minha visão sobre a situação do país e do povo judeu. O evento foi organizado pelo Clube Israelita Brasileiro (CIB), e o local estava abarrotado. Fiquei emocionado ao ver a calorosa recepção. Ao mesmo tempo, chamou a minha atenção como os judeus estão carentes de defensores imparciais na imprensa.
Não deveria ser assim. Alguém como eu não deveria virar uma “celebridade” para a comunidade judaica, apenas por colocar os pingos nos is, preservar o bom senso e constatar que Israel é vítima dos mais pérfidos e injustos ataques, fruto ou de interesses mesquinhos ou de um preconceito abjeto. Por que somos tão poucos?
O canário já parou de cantar faz tempo, mas continuamos lá, presos à mina de carvão, como se não houvesse perigo. Não queremos enxergar a realidade. A judeofobia cresce a cada dia, mas a maioria finge que não vê, acha que não é problema seu. É sim! É um problema de todos nós que nos importamos com a vida humana, com a justiça. E com nossa própria liberdade, pois os ataques ao judaísmo carregam um ódio à ética objetiva e aos nossos valores ocidentais por trás.
Osias Wurman, o cônsul honorário de Israel no Rio e que me honrou com sua presença ontem, escreveu um belo texto no GLOBO hoje, fazendo um alerta à indiferença dos demais, usando como pano de fundo os 70 anos da libertação dos prisioneiros de Auschwitz. Diz ele:
É preciso registrar que, na véspera do histórico domingo da passeata em Paris, quando cerca de 1,5 milhão de pessoas foram às ruas para protestar contra o massacre na redação do “Charlie Hebdo”, uma manifestação convocada para a porta do shopping Kosher, onde foram mortos quatro judeus franceses, passou indiferente ao grande público e apenas duas mil pessoas compareceram, sendo a maioria absoluta de judeus.
Derrotar a filosofia de Auschwitz é derrotar o ódio, a ignorância histórica e a passividade popular. Dizem os historiadores que as estradas que levavam a Auschwitz foram construídas pelo ódio, mas foram pavimentadas pela indiferença mundial.
As vítimas no mercado Kosher foram mortas por serem judeus, nada mais. O fato em si derruba de uma só vez as desculpas esfarrapadas que os “intelectuais” de esquerda usaram para “explicar”, ou mesmo “justificar” o ato terrorista na revista satírica. Ninguém ali desenhou charge alguma de Maomé. Ninguém ali ridicularizou o Islã. Foram brutalmente assassinados pelo único motivo de serem judeus. E o mundo ficou em silêncio.
Tive a honra de conhecer no evento Aleksander Henryk Laks, presidente da Associação Brasileira dos Israelitas Sobreviventes da Perseguição Nazista. Um senhor simpático que passou, quando criança, pelos campos de concentração nazistas. Simboliza aquilo que melhor define, em minha opinião, a história do povo judeu: a superação. Apesar dos obstáculos, das perseguições, do preconceito, é um povo que, em geral, olha para frente e deseja avançar.
Mas não podem fazer isso sem a ajuda dos demais, sem a colaboração das pessoas decentes das outras religiões ou povos, pois são uma minoria minúscula. O silêncio dos bons é inadmissível perante o ataque dos maus.
Se não queremos ter uma nova Anne Frank, se não desejamos que ninguém mais sofra perseguições injustas apenas por ser de uma minoria, então é hora de agir, de defender seus direitos com coragem. A covardia poderá destruir a todos nós, defensores da justiça e da liberdade.
Rodrigo Constantino
Tags: Aleksander Laks, Osias Wurman
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