5 de mayo de 2008
A crise mundial terá seu lado bom
O Estado de S. Paulo, terça-feira, 29 de abril de 2008
A crise mundial terá seu lado bom
Arnaldo Jabor
E se o crash, a grande crise vier, que será de nós?
Pode nos acender brios e estimular a luta pela sobrevivência, em vez desta pasmaceira abobalhada em que vivemos. Pode nos ensinar a ver a verdade de cabeça para baixo, pelo que perdemos. A crise poderá desmoralizar a ópera-bufa em que vivemos e trazer a tragédia real.
Para o Brasil, poderá ser o contato com um caos mais explícito. Há anos que falamos nele sem saboreá-lo. Se bem que o caos é mais anglo-saxônico. O pântano é mais Brasil. Uma bela crise mundial poderá acabar com o nosso delírio de “futuro” e nos trazer o doce, o essencial presente.
O crash é bom para o contato com o absurdo. Neste sentido, o crash é filosófico. Ficaremos mais espiritualizados com o crash.
Num primeiro momento, o horror — bolsas caindo, grana sumindo. Depois, a paz inevitável, a calma da desgraça assumida — vejam o rosto pacífico dos famintos do Sudão. A fome traz uma paz desesperançada. O crash trará uma súbita revivência de faquires. O crash vai mostrar que a voracidade consumista não é a única maneira de viver. Vai nos fazer mais magros e mais frugais. Ficaremos mais elegantes com o crash. Crash chic.
O crash é bom porque vai reviver a poesia, a arte, mortas pelo mercado. O crash será uma renascença. Haverá uma estética do crash.
O crash vai criar escolas filosóficas: o “pirronismo” absoluto, a escatologia escatológica.
Sem consumo, já que não teremos nada a fazer. O crash vai acabar com o grande movimento em aeroportos e diminuirá sensivelmente o número de barrigudos falando alto em celulares. O crash fecha Miami. O crash vai acabar com palavras como globalização, livre mercado, competitividade, desregulamentação, qualidade total, neodarwinismo. O mundo terá um downsizing. O crash vai restaurar o amor ao simples, ao possível, ao carrinho de carretel, à pipa, ao pião, em vez dos blue berries. O crash é retrô, delicioso. O crash vai nos trazer a sadia tristeza, vai nos tirar desta ansiedade cansativa e nos dar finalmente a repousante depressão.
A crise mundial terá seu lado bom
Arnaldo Jabor
E se o crash, a grande crise vier, que será de nós?
Pode nos acender brios e estimular a luta pela sobrevivência, em vez desta pasmaceira abobalhada em que vivemos. Pode nos ensinar a ver a verdade de cabeça para baixo, pelo que perdemos. A crise poderá desmoralizar a ópera-bufa em que vivemos e trazer a tragédia real.
Para o Brasil, poderá ser o contato com um caos mais explícito. Há anos que falamos nele sem saboreá-lo. Se bem que o caos é mais anglo-saxônico. O pântano é mais Brasil. Uma bela crise mundial poderá acabar com o nosso delírio de “futuro” e nos trazer o doce, o essencial presente.
O crash é bom para o contato com o absurdo. Neste sentido, o crash é filosófico. Ficaremos mais espiritualizados com o crash.
Num primeiro momento, o horror — bolsas caindo, grana sumindo. Depois, a paz inevitável, a calma da desgraça assumida — vejam o rosto pacífico dos famintos do Sudão. A fome traz uma paz desesperançada. O crash trará uma súbita revivência de faquires. O crash vai mostrar que a voracidade consumista não é a única maneira de viver. Vai nos fazer mais magros e mais frugais. Ficaremos mais elegantes com o crash. Crash chic.
O crash é bom porque vai reviver a poesia, a arte, mortas pelo mercado. O crash será uma renascença. Haverá uma estética do crash.
O crash vai criar escolas filosóficas: o “pirronismo” absoluto, a escatologia escatológica.
Sem consumo, já que não teremos nada a fazer. O crash vai acabar com o grande movimento em aeroportos e diminuirá sensivelmente o número de barrigudos falando alto em celulares. O crash fecha Miami. O crash vai acabar com palavras como globalização, livre mercado, competitividade, desregulamentação, qualidade total, neodarwinismo. O mundo terá um downsizing. O crash vai restaurar o amor ao simples, ao possível, ao carrinho de carretel, à pipa, ao pião, em vez dos blue berries. O crash é retrô, delicioso. O crash vai nos trazer a sadia tristeza, vai nos tirar desta ansiedade cansativa e nos dar finalmente a repousante depressão.