5 de noviembre de 2017

Análise: Espanha fica na iminência de uma guerrilha não violenta

Folha de S. Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 2017
Análise: Espanha fica na iminência
de uma guerrilha não violenta

Clóvis Rossi

A Espanha parece condenada, a partir de agora, a passar por uma espécie de guerrilha não violenta em torno da crise na Catalunha. Os dois passos necessários —e previsíveis— para que se estabeleça o confronto foram dados nesta sexta-feira (27).

O governo central obteve do Senado a autorização para aplicar o Artigo 155 da Constituição, que prevê atuar contra qualquer governo provincial que esteja afetando os interesses da Espanha (o da Catalunha está).

O governo catalão, por sua vez, fez aprovar no seu próprio Parlamento uma resolução que se aproxima muito de uma declaração de independência, sem, no entanto, chegar explicitamente a ela.

A resolução determina a abertura de um processo constituinte que “termine com a redação e aprovação da constituição da República”. Dá prazo de 15 dias para a formação de um “conselho assessor do processo constituinte” e para convocar eleições constituintes, uma vez culminadas todas as fases do processo.

Traduzindo: não houve a chamada DUI (Declaração Unilateral de Independência), mas houve, sim, a abertura do processo para chegar a ela.

O suficiente, de todo modo, para que o governo central tente aplicar o Artigo 155 e, com base nele, destituir o chefe do governo catalão, Carles Puigdemont, e seus “conselheiros” (ministros), limitar as funções do Parlamento regional e intervir nas forças policiais catalãs (os Mossos d’Esquadra), entre outras ações.

Conseguirá? Aí é que entra a perspectiva de uma guerrilha, na forma de resistência passiva, da parte (numerosa) da sociedade catalã favorável à independência.

Essa fatia social está em estado permanente de mobilização —até aqui não-violenta— e não parece haver a menor hipótese de que aceite passivamente a destituição de Puigdemont e os demais atos possíveis de acordo com o 155.

Madri terá que usar a força para conseguir restabelecer a legalidade violada pelo governo catalão, o que é sempre uma opção de alto risco. Basta lembrar a má imagem deixada pela repressão ao plebiscito (ilegal) de 1º de outubro.

É importante lembrar sempre que a Catalunha está rachada praticamente ao meio, do que dá mostra a distribuição de cadeiras no Parlamento regional: 39 são de Junts pel Sí (coligação de conservadores e da Esquerda Republicana de Catalunya, de esquerda como diz o nome), que tem 32, e da ultra-esquerdista CUP (Candidatura de Unidade Popular), com 7.

Os três partidos contra a independência (Cidadãos, socialistas e os conservadores do Partido Popular) têm, somados, apenas dois a menos (37, portanto).

O que define a maioria é a posição do grupo Catalunya Sí que es Pot (Catalunha sim que é possível), nascido da sociedade civil, que tem 9 cadeiras e apresentou, nesta sexta-feira (27) a posição mais sensata: a deputada Marta Ribas afirmou que “nem a DUI nem o 155 nos protegerão”. Prega a “ponte pelo diálogo”, que o partido defende faz tempo, e acrescenta:

“O que é necessário agora é uma frente de amplas maiorias sociais e políticas para encarar as consequência do 155 e defender as instituições catalãs”. Conclui: “Com a DUI o que se faz é impedir essa maioria”.

Pena que a radicalização na Catalunha fortaleça posições de grupos que “não conseguem distinguir o heroísmo do ridículo”, como escreve para El País o notável jornalista catalão Xavier Vidal-Folch.



No hay comentarios: