5 de noviembre de 2013
Neurociência põe em xeque o inconsciente de Sigmund Freud
Domingo 27 .10 .2013 Saúde O GLOBO l 55
ENTREVISTA Leonard
Mlodinow
Professor do Instituto de Tecnologia da Califórnia
e autor de “Uma outra história
do tempo” (com Stephen Hawkins) e do best-seller “O andar do bêbado”, Leonard Mlodinow fala sobre
o novo inconsciente revelado pela neurociência
e apresentado em seu último livro “Subliminar” (Ed. Zahar): sem memórias
e impulsos reprimidos como o de Sigmund Freud.
Tela
de Emygdio de Barros. Do
acervo do Museu do Inconsciente, no Rio, que apresenta obras de pacientes
psiquiátricos de Nise da Silveira
Neurociência
põe em xeque o
inconsciente
de Sigmund Freud
Leonard Mlodinow. Cientista americano em visita ao Rio
“Ninguém conseguirá acessar seu
inconsciente pensando e falando; não é assim que
a mente opera”
ROBERTA JANSEN
roberta.jansen@oglobo.com.br
l
Qual
a diferença entre o antigo inconsciente, proposto por Sigmund Freud, e o novo
inconsciente, da neurociência?
Freud estava certo, de uma maneira bem
geral, quando afirmou que o inconsciente é muito importante e influencia tudo o
que fazemos sem que nos demos conta. Mas outras coisas mais específicas
propostas por ele não parecem ter nenhum suporte das evidências científicas que
temos levantado nos últimos anos. A principal diferença, que os cientistas começaram
a notar nos anos 90 e 2000, é que a mente inconsciente não é algo que se acessa
com psicoterapia ou introspecção. Não é algo que está escondido de nós por razões
emocionais.
l
O
que é, então, a nova mente inconsciente?
É uma parte da mente que não é acessível por
conta da própria arquitetura do cérebro e da forma pela qual o cérebro
funciona. O cérebro evoluiu para operar de uma forma automática, muito rápida e
sem esforço, ideal para nos ajudar a sobreviver na selva, a reagir com rapidez
a possíveis ameaças. Se ficássemos pensando no que fazer ao avistar um animal
selvagem, seríamos facilmente mortos. Por isso, há reações (como, no caso,
fugir) que nos vêm automaticamente, sem que tenhamos que ficar ponderando (e perdendo
tempo).
l
Como
assim?
Olhamos para o mundo e nossa mente
inconsciente nos responde imediatamente: posso confiar nessa pessoa? devo fugir
desse animal? Normalmente nem percebemos, só agimos automaticamente. Isso é
muito diferente do inconsciente de Freud, que esconderia memórias e impulsos
indesejados. A neurociência mostra que não é por isso que o cérebro reprime
determinadas coisas; não é assim que funciona. A memória retém aspectos- chave
das coisas e quando precisa lembrar de algo, aciona a mente inconsciente para
preencher as lacunas. Algumas vezes erroneamente, diga-se. São as memórias falsas,
criadas a partir de expectativas do momento.
l
O
que são as memórias falsas?
Acreditava-se que a memória era como um vídeo
(um registro da realidade) que vai ficando com muita estática, falhando,
conforme envelhecemos. Não é assim. Podemos ter memórias vívidas de coisas que
nunca aconteceram. Ilusões óticas.
l
Por
quê?
A mente inconsciente lida melhor com coisas
complexas do que a mente consciente. Por isso é que é bom dormir sobre um
problema, como se diz. Ou ir tomar banho, correr, fazer alguma outra coisa, antes
de tomar uma decisão, por exemplo. Agora, temos que entender que o cérebro se
desenvolveu para tomar outros tipos de decisão (como lutar ou correr, conseguir
alimentos) e, hoje, enfrenta decisões sociais muito mais complexas. Por isso,
ele pode ser objeto de ilusão. É importante estarmos cientes de que ele pode
nos levar a erros. Quando julgamos uma pessoa pela aparência, por exemplo, é bom
estarmos atentos.
l O
preconceito racial, por exemplo, pode ser fruto da nossa mente inconsciente?
Existem dois tipos de preconceito: o deliberado,
que hoje é menos prevalente, e o inconsciente. Neste último tipo, a pessoa
realmente acha que não é preconceituosa; há casos, inclusive, em que ela pode
até ser militante daquela causa. Mas testes detectam que há preconceito. Estudos
mostraram que mesmo negros acabam fazendo associações raciais negativas
inconscientes. Somos bombardeados por imagens negativas e estereotipadas de mídias
como TV, cinema e internet. E a nossa mente inconsciente tende a generalizar para
simplificar.
l Por
que é tão importante para o ser humano fazer parte de um grupo, como o senhor
mostra?
Não sei se posso responder por quê. Mas, na
savana, vivíamos em bandos. E esses bandos eram competitivos entre si: há
aqueles que estão do seu lado e os que estão contra você. Ou você come ou ele
come. Então o espírito de equipe foi algo muito importante na evolução humana
para garantir a nossa sobrevivência e a do nosso grupo. Mas o mais incrível é
que os neurocientistas descobriram que mesmo quando somos agrupados de forma
totalmente aleatória (por exemplo, o grupo que escolheu números pares e o grupo
que escolheu números ímpares) tendemos a discriminar quem está no outro grupo
sem nenhuma base razoável para tal. Bom, os fanáticos por futebol sabem disso muito
bem.
l O
senhor afirma no livro que o ser humano costuma se ver de forma mais positiva
do que ele é na realidade. Por que isso é importante?
Porque a vida é muito dura e, mesmo assim,
seguimos em frente. Temos que acreditar nos nossos talentos, nas nossas
capacidades para ultrapassar todos os obstáculos que irão surgir
inevitavelmente. A visão otimista de si mesmo ajuda nisso. Na verdade, a
neurociência vem mostrando que aqueles que têm uma visão mais realistas de si
mesmo são deprimidos.
l Resumindo,
a psicoterapia não serve para nada?
Não acredito que tenha muito uso. Não é que
eu seja contra psicólogos. Acho que as pessoas devem ir a esses profissionais
quando têm um problema, precisam de uma opinião, um conselho. Acho útil. Mas
essa psicoterapia clássica, freudiana, que demanda um processo muito longo de
autoconhecimento, acho que não tem função. Como a neurociência tem demonstrado,
ninguém vai conseguir acessar o seu inconsciente olhando para si mesmo, pensando
e falando. Não é assim que a mente opera. l
LEGADO DA EVOLUÇÃO
A NOVA CIÊNCIA DA MENTE SUBLIMINAR
O
surgimento dos exames de ressonância magnética funcional, nos anos 90,
propiciou, pela primeira vez, que os cientistas pudessem enxergar aspectos do funcionamento
da mente inconsciente ou subliminar. Com isso, teve início uma nova ciência do
inconsciente, bem diferente daquela de Sigmund Freud.
“O inconsciente divisado por Freud, nas
palavras de um grupo de neurocientistas, era ‘quente e úmido; fervilhava de ira
e luxúria; era alucinatório, primitivo e irracional’, enquanto o novo inconsciente
‘está mais ligado à realidade’. Processos mentais são considerados inconscientes
porque há parcelas da mente inacessíveis por conta da arquitetura do cérebro, não
por estarem sujeitas à repressão. A inacessibilidade do novo inconsciente não é
vista como um mecanismo de defesa. É normal.” (...) “O novo inconsciente tem um
papel mais importante do que nos proteger de desejos sexuais impróprios ou de
memórias dolorosas. Trata-se de um legado da evolução crucial
para nossa sobrevivência. O consciente é de
grande
valia para projetar um automóvel ou decifrar leis da matemática, mas só a velocidade
e a eficiência do inconsciente podem nos salvar na hora de evitar picadas de
cobra, carros que entram em nosso caminho ou pessoas que nos fazem mal.”
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