15 de julio de 2010

A Fúria, produto do livre mercado

Estadao.com.br

A Fúria, produto do livre mercado

12 de julho de 2010 | 0h 00

Carlos Alberto Sandenberg - O Estado de S.Paulo


O sucesso da seleção espanhola, a Fúria (*), demonstra como é correta a tese favorável aos mercados abertos. Na verdade, o que acontece no futebol espanhol é a realização completa dessa ideia, tão cara a muitos economistas.
Há muito tempo os clubes espanhóis contratam jogadores estrangeiros. Como em qualquer outro setor, importa-se o que de melhor têm os países exportadores. E estes só conseguem colocar lá fora os seus produtos mais competitivos, isso definido por uma combinação de qualidade e preço.
No caso do futebol, isso fica muito claro. Só faz sentido - no início do processo, ao menos - contratar jogadores melhores do que os disponíveis internamente, pagando salários mais elevados. Ainda hoje os estrangeiros Cristiano Ronaldo e Kaká são os mais caros na Espanha. Também faz sentido importar jogadores de qualidade apenas um pouco superior à média local, mas cuja contratação seja mais econômica.
Em qualquer caso, a consequência é a elevação do nível do futebol importador. Os jogadores locais, para conseguirem vaga nos times, precisam evoluir até o ponto em que estão os estrangeiros, com os quais passam a competir.
Muita gente diz que a importação livre acaba com a produção local, seja de geladeiras ou de jogadores. O caso da Espanha prova o contrário. Nunca o time espanhol teve tantos craques, nunca jogou tão bonito. Tal foi a mudança que os jogadores espanhóis - antes colocados em segundo nível no mundo - passaram também a ser exportados para outros centros de excelência.
Isso fecha o processo, o mercado tornando-se ao mesmo tempo importador e exportador. Nos clubes, a combinação do local e do importado, num nível superior.
Consideremos o Barcelona, campeão espanhol, vice da Europa. Entre os seus 20 principais jogadores, nove são estrangeiros. E nada menos do que sete espanhóis foram titulares da Fúria na Copa do Mundo da África do Sul.
Perguntará o leitor: e a Itália e a Inglaterra, também fortemente importadoras, mas que deixaram a Copa logo no começo?
Foi circunstancial. Não se deve esquecer que a Itália foi a campeã de 2006, com uma seleção de craques (quando já era importadora), e chegou à África do Sul com um time envelhecido e cansado. Problema de gestão.
A Inglaterra, onde está a maior legião estrangeira, formou agora, com um técnico importado, a melhor seleção dos últimos tempos. Nunca teve tantos craques no mesmo time. Acontece, apenas, que eles não estiveram bem na Copa, estavam ou cansados ou machucados. Lembrando: a seleção foi muito bem na fase de classificação, que é sempre muito difícil na Europa.
Vira e mexe, sai essa discussão na Europa. Na própria Espanha, o fracasso na Copa passada foi atribuído por muitos analistas locais à "invasão estrangeira". Aliás, os cartolas italianos acabam de limitar o número de estrangeiros em seus times.
É a mesma coisa que pedem produtores locais de qualquer país e qualquer setor quando submetidos à competição com os importados. Claro que é preciso cuidado com dumping, preço vil, concorrência desleal. Mas isso é simples de administrar.
É muito diferente de instalar um sistema protecionista, que bloqueia de algum modo a entrada dos importados. Isso sempre levou à estagnação econômica e a prejuízos para o consumidor, que só tem acesso a produtos piores e mais caros.
Se a Espanha tivesse proibido a importação de jogadores, teria times piores, que ofereceriam espetáculos piores e, portanto, com faturamento muito menor. A importação elevou o nível do futebol local e, na verdade, com a constituição dos grandes clubes, cada vez mais atuantes nos campeonatos europeus, abriu espaço para a formação dos craques locais.
Exportador. Nesse mercado, o Brasil está no papel de exportador, grande exportador, como a Argentina e, de resto, toda a América do Sul.
Isso tem enfraquecido o futebol local, sem craques e, pois, com menos faturamento.
Vai daí que muita gente acha que proibir a exportação, em especial dos jovens, é uma saída.
Um baita equívoco.
Primeiro, porque seria uma violação da liberdade de ir e vir e de trabalhar. Então, um clube europeu oferece uma nota ao jovem pobre e ele é obrigado a jogar no Brasil por salários muito menores?
Não é justo, não é legal.
Nem eficiente.
Os jogadores vão embora porque os clubes não têm dinheiro para lhes pagar em níveis internacionais. E por que não têm dinheiro? Porque dirigentes amadores e incompetentes, para dizer o mínimo, não conseguem tornar mais rentável um negócio que empolga milhões de pessoas que poderiam perfeitamente pagar mais caro por espetáculos mais bem organizados.
O atraso mede-se pela preparação da Copa de 2014. No país campeão do mundo cinco vezes não há um único estádio de padrão Fifa. E esse padrão não é nenhum excesso dos cartolas. O que se exige são estádios que ofereçam conforto ao público consumidor e boas condições de trabalho para os jornalistas, especialmente para a televisão, de onde vem a maior parte do faturamento desse negócio.
É tão ruim a gestão do futebol no Brasil que cria até uma esperança. Alguma profissionalização já produziria resultados.

(*) Escrevo na sexta-feira, mas, independentemente do resultado da final da Copa do Mundo, o time da Espanha mostrou classe e eficiência.
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