22 de octubre de 2008

Na periferia de Madri, lixo, esgoto, barracos e tráfico

Estado deS.Paulo - Jornal da Tarde - Portal Estadao

Terça-feira, 21 outubro de 2008
METRÓPOLE

Na periferia de Madri, lixo, esgoto, barracos e tráfico

Árabes, marroquinos, bolivianos, romenos e africanos vivem em Cañada Real

Jamil Chade

Nesses bairros nem polícia entra. A cada chuva, o barro impede a circulação nas ruas e o esgoto toma conta dos barracos. Casas de papelão, tráfico de drogas pesado. O cenário lembra o da periferia de outras cidades em países pobres. Mas está a apenas 13 quilômetros das charmosas ruas do centro de Madri. Na favela de Cañada Real, não mora nem circula nenhum cidadão espanhol. “Aqui somos árabes, marroquinos, bolivianos, romenos, africanos”, conta Ahmed, um marroquino de 32 anos que vive há dois na “chabola”. Ele trabalhava até pouco tempo na construção civil. Com a crise, perdeu o emprego. Nos últimos meses, a deterioração das condições econômicas na Espanha gerou desemprego de 11%, a maior taxa da Europa.Entre os 600 moradores, poucos falavam com fluidez o espanhol. Não há comida suficiente, nem saúde, nem escola. Quem tem trabalho viaja todos os dias a Madri. Mas não sabe se, ao voltar, continuará tendo casa. O Estado visitou uma casa que havia sido demolida naquele mesmo dia pela prefeitura. Motivo: foi construída em terreno ilegal. A casa de tijolos era de Mohamed, que saiu de manhã para trabalhar num mercado de Madri. Enquanto a esposa e a filha visitavam parentes, o barraco foi demolido. “Ele nem sabe ainda”, afirmou Aziz, um vizinho, enquanto sua filha Ally chorava ainda assustada pela demolição e o barulhos dos tratores. Entre os escombros, um carrinho de bebê. “Nem sequer tiraram as coisas de dentro da casa antes de demoli-la. É assim que os estrangeiros são tratados aqui.”Nos últimos meses, a prefeitura tem se empenhado em acabar com as favelas. Uma das mais famosas, o Salobral, foi inteiramente derrubada. Mas os imigrantes alegam que não têm dinheiro para pagar nem mesmo pelas casas populares e são obrigados a encontrar terrenos abandonados para construir as casas.A relatora da ONU Raquel Rolnik alerta que há uma tendência cada vez maior de criminalizar sem-teto. “As pessoas são puxadas para fora das cidades pelo preço. Mas nenhuma opção é dada.”Uma das recomendações que ela apresentará na ONU é que governos dêem alternativas aos sem-teto e evitem destruir casas. “Não se pode apenas pensar em salvar bancos. Europa e Estados Unidos estão dando passos para trás. Moradia não pode ser limitada a problema de crédito. É direito humano.”Em outra região da periferia de Madri, a transformação de um bairro em favela veio acompanhada de drogas e violência. Enquanto a reportagem percorria o local, pessoas injetavam heroína em plena luz do dia na região de Gallina. A violência da região obrigou um padre a abandonar sua igreja no local. O que era seu estacionamento virou ponto de traficantes. “A polícia não entra aqui”, afirma o taxista Juan, um dos poucos que aceitaram ir ao local. A reportagem passou dois dias buscando um taxista para ir à favela. A maioria se recusava. De fato, carros da polícia só foram encontrados pelo Estado nas entradas da favela. Mas apenas para evitar violência caso moradores tentassem atacar os tratores usados para derrubar casas. Enquanto isso, o comércio de drogas pesadas continuava. “Coca, coca”, gritou uma vendedora ao repórter. Imigrantes também evitam se misturar. De um lado, muçulmanos, com suas mulheres de véus e pichações em árabe nos muros. De outro, romenos e outras nacionalidades. Enquanto crianças brincavam no esgoto, mulheres lavavam roupa nos córregos imundos que cortam a favela. À beira das casas, um lixão se confunde com as ruas.