24 de noviembre de 2008
‘O comunicado da Casa Real é mentiroso’
O Globo, domingo, 16 de novembro de 2008
‘O comunicado da Casa Real é mentiroso’
Priscila Guilayn
Madri — A jornalista e escritora Pilar Urbano é a biógrafa de Sofía da Grécia, rainha da Espanha. Há 13 anos, decidida a escrever a história sobre um personagem público, escolheu a esposa do rei Juan Carlos I. “Ela era uma grande desconhecida. Não conheciam sequer sua voz.” Este ano, Pilar voltou ao Palácio da Zarzuela para um outro livro, no qual o perfil que traça é o de uma mulher ativa, inteligente, culta, solidária — ressalta detalhes do cotidiano da rainha como jantar com o rei frutas diante da TV; usar jeans quando está em família; escutar música no iPod. Mesmo com boa dose de diplomacia, A rainha muito de perto (La reina muy de cerca), publicado este mês, desatou polêmica antes mesmo de chegar às livrarias.
O Globo — A senhora fez perguntas sobre política para a rainha e, numa delas, ela afirmou: “Tenho menos liberdade de expressão que você”. Ela não foi diplomática demais nas respostas?
Pilar Urbano — Sim, mas somente quando o assunto era política internacional, porque ela não pode opinar, senão comprometeria seu marido, o rei.
— Sobre casamento homossexual a rainha opinou que podem unir-se, desde que não chamem de matrimônio. Esta parte do livro criou polêmica e a Casa Real disse que a senhora usou “palavras inexatas”...
— O comunicado da Casa Real é mentiroso em todos os parágrafos. A declaração da rainha era textual. Além disso, antes de editá-lo, eu enviei o original para que ela revisasse num prazo de 60 horas, com liberdade de mudar o que quisesse. E ela autorizou. Deu sinal verde.
— A rainha também se disse contra a discriminação positiva. E este é um país onde o governo tenta implantar as cotas para as mulheres…
— Ela dizia: “Não sou feminista nem machista. Há homens idiotas e mulheres idiotas. Há homens preguiçosos e mulheres preguiçosas. Que mande e que governe quem possa ou quem saiba. Sou contra as cotas.”
— Qual a opinião da rainha sobre o crime de injúria ao rei?
— Sobre as críticas, as caricaturas ou queimar fotos ela é muito clara e me disse: “Liberdade de expressão! Mas custa. Não temos sangue de barata. Quando vimos que queimavam nossas fotos, ficamos chateados, mas não estão queimando a gente. É papel. Se apagará.”
— Mas e a liberdade de expressão, onde fica? Porque as pessoas que queimam fotos enfrentam um processo judicial, e a revista de humor Jueves, por exemplo, foi retirada de circulação devido a uma caricatura dos príncipes Felipe e Letizia.
— Isso quem faz é o juiz. Os reis não podem mandar nem no Executivo, nem no Legislativo, nem no Poder Judiciário. Desde que morreu Franco, vivemos em uma democracia magnífica, com uma liberdade de expressão absoluta e total.
— Atualmente, vemos a rainha interrompendo a reverência de ministras para dar dois beijinhos, assim como com alguns outros interlocutores. Isso é novo. Faz parte de alguma estratégia de popularização ou aproximação? É uma maneira de humanizar a figura dos reis?
— Sem dúvida. A rainha, nas conversas comigo, tinha um grande interesse, como se isso fosse seu testamento, de apoiar, dar seu aval para uma nova monarquia para o futuro, “plebeizada”. Para que a monarquia sobreviva. É um instinto de sobrevivência.
— Um assunto de destaque no seu livro é a princesa Letizia. Como os reis receberam a notícia da intenção de Felipe se casar com uma plebéia?
— O rei gostou da Letizia fisicamente, viu que era inteligente. E, no momento que foi apresentada aos reis, ela não estava tímida nem audaz, nem perguntava e interrompia a conversa, nem estava calada. Era sensível e afetuosa.
— Então, não representava um problema para os reis que, como a senhora mesmo enumera no livro, Letizia fosse uma “jornalista, plebéia, divorciada, filha de divorciados, cuja mãe é uma enfermeira sindicalista”?
— Não! Estavam a favor de “plebeizar” a monarquia! É uma injeção de sangue novo em umas dinastias, todas muito velhas, muito endogâmicas, desgastadas e com muita carga e saturação do DNA, por casamentos de primos com primas, dos quais, logicamente, surgem doenças. É uma renovação da raça.
— Por um lado, o rei não estava disposto a brindar pelo noivado de Felipe e Letizia. Por outro, a rainha diz que ela e Letizia “se conectaram”. Em sua opinião, a rainha Sofia admitiria caso ela ou o rei tivessem algo contra a que deverá ser futura rainha?
— Se fosse assim, não haveria necessidade de fazer tantos elogios sobre Letizia. A rainha escolhia cada uma das palavras e parecia apaixonada por ela. Disse que é honrada, sincera, diz o que pensa, faz o que diz, tem personalidade, não é uma aproveitadora etc. Eu fiz uma lista dos rumores sobre Letizia: anoréxica, estéril, dormia em uma cama e o príncipe em outra, tinha uma filha (Leonor) autista, e outras barbaridades. E a rainha disse: “Bahhhhh”.
— Muitos dizem que os espanhóis são “juancarlistas” e não monarquistas. É isso mesmo?
— Esta percepção está ficando para trás. Juan Carlos é um rei que não olha para si mesmo. Ele se despiu de todos os poderes que tinha, outorgados por Franco. A Espanha poderia ter sido uma ditadura coroada, e não é. E o rei que vier, Felipe, terá desafios para enfrentar.
‘O comunicado da Casa Real é mentiroso’
Priscila Guilayn
Madri — A jornalista e escritora Pilar Urbano é a biógrafa de Sofía da Grécia, rainha da Espanha. Há 13 anos, decidida a escrever a história sobre um personagem público, escolheu a esposa do rei Juan Carlos I. “Ela era uma grande desconhecida. Não conheciam sequer sua voz.” Este ano, Pilar voltou ao Palácio da Zarzuela para um outro livro, no qual o perfil que traça é o de uma mulher ativa, inteligente, culta, solidária — ressalta detalhes do cotidiano da rainha como jantar com o rei frutas diante da TV; usar jeans quando está em família; escutar música no iPod. Mesmo com boa dose de diplomacia, A rainha muito de perto (La reina muy de cerca), publicado este mês, desatou polêmica antes mesmo de chegar às livrarias.
O Globo — A senhora fez perguntas sobre política para a rainha e, numa delas, ela afirmou: “Tenho menos liberdade de expressão que você”. Ela não foi diplomática demais nas respostas?
Pilar Urbano — Sim, mas somente quando o assunto era política internacional, porque ela não pode opinar, senão comprometeria seu marido, o rei.
— Sobre casamento homossexual a rainha opinou que podem unir-se, desde que não chamem de matrimônio. Esta parte do livro criou polêmica e a Casa Real disse que a senhora usou “palavras inexatas”...
— O comunicado da Casa Real é mentiroso em todos os parágrafos. A declaração da rainha era textual. Além disso, antes de editá-lo, eu enviei o original para que ela revisasse num prazo de 60 horas, com liberdade de mudar o que quisesse. E ela autorizou. Deu sinal verde.
— A rainha também se disse contra a discriminação positiva. E este é um país onde o governo tenta implantar as cotas para as mulheres…
— Ela dizia: “Não sou feminista nem machista. Há homens idiotas e mulheres idiotas. Há homens preguiçosos e mulheres preguiçosas. Que mande e que governe quem possa ou quem saiba. Sou contra as cotas.”
— Qual a opinião da rainha sobre o crime de injúria ao rei?
— Sobre as críticas, as caricaturas ou queimar fotos ela é muito clara e me disse: “Liberdade de expressão! Mas custa. Não temos sangue de barata. Quando vimos que queimavam nossas fotos, ficamos chateados, mas não estão queimando a gente. É papel. Se apagará.”
— Mas e a liberdade de expressão, onde fica? Porque as pessoas que queimam fotos enfrentam um processo judicial, e a revista de humor Jueves, por exemplo, foi retirada de circulação devido a uma caricatura dos príncipes Felipe e Letizia.
— Isso quem faz é o juiz. Os reis não podem mandar nem no Executivo, nem no Legislativo, nem no Poder Judiciário. Desde que morreu Franco, vivemos em uma democracia magnífica, com uma liberdade de expressão absoluta e total.
— Atualmente, vemos a rainha interrompendo a reverência de ministras para dar dois beijinhos, assim como com alguns outros interlocutores. Isso é novo. Faz parte de alguma estratégia de popularização ou aproximação? É uma maneira de humanizar a figura dos reis?
— Sem dúvida. A rainha, nas conversas comigo, tinha um grande interesse, como se isso fosse seu testamento, de apoiar, dar seu aval para uma nova monarquia para o futuro, “plebeizada”. Para que a monarquia sobreviva. É um instinto de sobrevivência.
— Um assunto de destaque no seu livro é a princesa Letizia. Como os reis receberam a notícia da intenção de Felipe se casar com uma plebéia?
— O rei gostou da Letizia fisicamente, viu que era inteligente. E, no momento que foi apresentada aos reis, ela não estava tímida nem audaz, nem perguntava e interrompia a conversa, nem estava calada. Era sensível e afetuosa.
— Então, não representava um problema para os reis que, como a senhora mesmo enumera no livro, Letizia fosse uma “jornalista, plebéia, divorciada, filha de divorciados, cuja mãe é uma enfermeira sindicalista”?
— Não! Estavam a favor de “plebeizar” a monarquia! É uma injeção de sangue novo em umas dinastias, todas muito velhas, muito endogâmicas, desgastadas e com muita carga e saturação do DNA, por casamentos de primos com primas, dos quais, logicamente, surgem doenças. É uma renovação da raça.
— Por um lado, o rei não estava disposto a brindar pelo noivado de Felipe e Letizia. Por outro, a rainha diz que ela e Letizia “se conectaram”. Em sua opinião, a rainha Sofia admitiria caso ela ou o rei tivessem algo contra a que deverá ser futura rainha?
— Se fosse assim, não haveria necessidade de fazer tantos elogios sobre Letizia. A rainha escolhia cada uma das palavras e parecia apaixonada por ela. Disse que é honrada, sincera, diz o que pensa, faz o que diz, tem personalidade, não é uma aproveitadora etc. Eu fiz uma lista dos rumores sobre Letizia: anoréxica, estéril, dormia em uma cama e o príncipe em outra, tinha uma filha (Leonor) autista, e outras barbaridades. E a rainha disse: “Bahhhhh”.
— Muitos dizem que os espanhóis são “juancarlistas” e não monarquistas. É isso mesmo?
— Esta percepção está ficando para trás. Juan Carlos é um rei que não olha para si mesmo. Ele se despiu de todos os poderes que tinha, outorgados por Franco. A Espanha poderia ter sido uma ditadura coroada, e não é. E o rei que vier, Felipe, terá desafios para enfrentar.