TEL AVIV - Moshe Cohen tinha 24 anos quando se suicidou. Ele nasceu e cresceu num bairro ultraortodoxo de Jerusalém, mas, há dois anos, decidira abandonar o estilo de vida haredi (“temente” a Deus), para tentar a vida em Tel Aviv como um jovem secular. O passo não foi aceito pela família, que o renegou por deixar para trás o cotidiano extremamente devoto, a vestimenta típica — incluindo as peiot, os cachinhos nas têmporas, o terno e chapéu pretos — e principalmente o estudo da Torá (a Bíblia judaica). Deprimido e sem se encontrar em meio à vida na metrópole, o ex-ultraortodoxo pulou de um guindaste num canteiro de obras. Minutos antes, havia deixado a última mensagem no Facebook: “Que minha alma descanse em paz”.
Moshe Cohen se tornou o sétimo jovem ex-haredi a se matar nos últimos 18 meses, num fenômeno que preocupa os israelenses. Como ele, milhares de jovens do Estado Judeu vivem entre dois mundos: o da religião extremada e o do secularismo metropolitano, mas não conseguem se encontrar em nenhuma das realidades. Segundo estatísticas não oficiais, mil jovens ultraortodoxos deixam o estilo de vida religioso por ano. Muitos, no entanto, não estão preparados para a realidade moderna e acabam enfrentando dificuldades financeiras ou psicológicas. Boa parte nunca assistiu à TV, entrou na internet ou estudou “matérias seculares” como História, Física e Matemática. Alguns nem falam hebraico, já que muitas famílias ultraortodoxas usam o ídiche (dialeto judaico europeu) no dia a dia.
Tendência exacerbada
Segundo um estudo da ONG Bishvil Hahayim (“No caminho para a vida”), 40% dos ex-haredim apresentaram algum nível de tendência suicida, em comparação com uma média de 9% entre seculares, conservadores e religiosos não extremados. A enquete, feita com 170 pessoas que deixaram o estilo de vida haredi, revelou que 90% dos ex-ultraortodoxos disseram não ter apoio social ou da família. Eles afirmam ter perdido a sensação de pertencer a alguma comunidade e estarem solitários.
— Essa é uma população de alto risco que é invisível socialmente e culturalmente — afirma Yossi Levi-Belz, da Faculdade Ruppin. — Eles deixam uma sociedade fechada, com um forte sentimento comunitário e um alto nível de segurança em relação ao que devem fazer de manhã, de tarde e de noite, e vão para outra sociedade na qual não conseguem se integrar. A mudança de identidade e o choque cultural se tornam críticos para quem não tem capacidade de adaptação.
Em Israel, cerca de 500 pessoas se suicidam anualmente, 20% delas com menos de 25 anos. O fenômeno que mais preocupava os israelenses, há até bem pouco tempo, era o dos suicídios entre militares, principalmente cadetes. Mas, recentemente, o Exército noticiou uma queda de 50% nos suicídios, evidenciando outros motivos para o passo fatal.
A proliferação de suicídios entre ex-ultraortodoxos chamou a atenção de parlamentares como Adi Kol, do partido secular Yesh Atid (“Há Futuro”). Ela conseguiu liberar verba de US$ 800 mil para a ONG Hilel, que dá assistência a ex-haredim. Kol defende, inclusive, que os jovens que deixam suas famílias devotas recebam ajuda financeira do governo para se estabelecer na sociedade secular.
— São pessoas que deram o passo corajoso de deixar famílias, amigos e comunidades para trás para viver de acordo com suas consciências. Não fazemos o suficiente para recebê-las de braços abertos na sociedade — disse Kol no plenário do Knesset, o Parlamento israelense.
Casos de superação
Para Yair Hass, diretor do Hillel, que tem 500 membros registrados, os sete casos de suicídio em 18 meses representam uma “tragédia”.
— Meu objetivo é parar com isso antes que se torne uma onda. Além de serem renegados pelas famílias, eles enfrentam o menosprezo de rabinos e de líderes haredim. Mas a maioria supera tudo isso e consegue, afinal, se inserir na sociedade — afirma.
Um caso de superação foi o de May Peleg, de 29 anos, que quase se suicidou, mas deu a volta por cima. May nasceu homem, numa família ultraortodoxa de Jerusalém. Chegou a se casar com uma mulher e ter dois filhos. A depressão após ter largado a vida religiosa e heterossexual quase levou May a se matar. Há dois anos, ela passou por uma cirurgia de mudança de sexo e, há seis meses, se tornou dona do Mikve, um dos dois únicos bares gays de Jerusalém.
— Para minha mãe, o pior foi ter me tornado secular, mais ainda do que a mudança de sexo — conta May.
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