20 de febrero de 2014

É melhor que inteligência artificial não seja tão humana, diz cientista da IBM

Tecnologia

É melhor que inteligência artificial não seja tão humana, diz cientista da IBM

http://tecnologia.ig.com.br/especial/2014-02-20/e-melhor-que-inteligencia-artificial-nao-seja-tao-humana-diz-cientista-da-ibm.html
Por Emily Canto Nunes , iG São Paulo  - Atualizada às 
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Convidado pelo iG para assistir ao filme 'Ela', Fabio Gandour analisa sistema operacional com voz de Scarlett Johansson

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Por um fone de ouvido com microfone, Theodore conversa com Samantha o tempo todo

"Ela" (Her, 2014), o mais recente filme dirigido e escrito por Spike Jonze, chegou aos cinemas brasileiros na última sexta-feira (14) e desde então vem dando o que falar. O longa-metragem conta a história de Theodore (Joaquin Phoenix), um escritor solitário que se apaixona pelo seu sistema operacional, uma novidade que, segundo o fabricante, é mais do que um OS, é uma consciência, uma entidade.
A relação de Theodore e Samantha, nome dado à voz feminina do OS (interpretada por Scarlett Johansson), se passa em uma Los Angeles do futuro, mas de um futuro que não parece tão distante assim. Convidado pelo iG para analisar o filme após uma sessão de cinema, Fabio Gandour, cientista-chefe do laboratório de pesquisas da IBM no Brasil, espera que os programas do futuro não tenham tantos sentimentos humanos como Samantha: “É melhor que não tenham”, alerta Gandour. E sobre as inovações tecnológicas, avisa, a humanidade está caminhando para algo bem próximo do que se vê em "Ela".
Para Gandour, “Ela” é um contraponto a outro filme bastante conhecido de Spike Jonze, “Quero Ser John Malkovich”, em que uma pessoa é transformada em máquina. “Nesse filme [Ela], Jonze faz o caminho contrário, é a tecnologia antropomorfizada, ou seja, a tecnologia que fica com forma de gente. O próprio fabricante empurra a tecnologia nessa direção. Mas por quê? Para criar um vínculo afetivo”. São os vínculo afetivos, alguns mais fortes e outros menos, que conectam humanos a outros seres humanos e que ligam Theodore, frágil desde a separação, à divertida Samantha.
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Fabio Gandour é cientista-chefe da IBM Brasil, responsável pela área de pesquisa na filial brasileira da companhia
Na opinião de Gandour, essa antropomorfização já existe em nossos smartphones, no quais carregamos fotos de nossos parentes e até de cachorros, seres com os quais temos vínculos afetivos. Em Ela, é do cliente a primeira escolha de antropomorfização do sistema operacional. É Theodore que opta por dar uma voz feminina ao seu OS.
“Ela não desenvolve sentimentos, ela adota comportamentos induzidos pelo comportamento dele e pelas demandas dele. A Amy [amiga de Theodore vivida por Amy Adams], por exemplo, queria uma amiga, não um namorado, pois ela estava muito próxima de uma ruptura, diferente dele, que já cativava seu buraco, seu vazio existencial. O sistema não desenvolve um sentimento, ele aprende a dar uma reposta adequada para o seu usuário, e quanto mais o usuário usa, mais adequada será essa resposta. Ela está no controle do relacionamento deles. Ela, enquanto programa que aprende, incentiva ações que provocam reações”, afirma Gandour.
O mundo dos átomos solitários
“Ela”, para Gandour, que é médico e PHD em Computação, é uma representação de uma tendência que já está em curso. “Nós estamos substituindo átomos por bits. E os bits conseguem ser facilmente antropomorfizados. Eu formato o bit em um comportamento em que eu simulo um ser humano”. E é esse avanço tecnológico que está empurrando homens e mulheres para o isolamento segundo ele. Theodore, o escritor de cartas do filme, é um solitário: “ele não é apenas um solitário como ele vive em uma comunidade de solitários”, explica.
Para Gandour, uma paixão por um sistema operacional, como acontece no filme, só será possível se os seres humanos se tornarem cada vez mais solitários, ao mesmo tempo em que os programas fiquem cada vez mais parecidos com os seres humanos. “É para lá que nós estamos indo. A tecnologia, por conta da sua antropomorfização, favorece a solidão. O cara se cerca de tecnologia, mas tem a impressão de que está cercado de outras pessoas”.
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Spike Jonze, Scarlett Johansson e Joaquin Phoenix na exibição de 'Ela' no Festival de Roma no ano passado
O cientista concorda que algo similar já acontece hoje, nos bares, por exemplo, com aquele amigo que passa o tempo todo no celular. Um ótimo exemplo de átomos virando bits é o “Second Life”, um ambiente virtual e tridimensional que simula em alguns aspectos a vida real e social do ser humano lançado em 2003. Um dos primeiros usuário do site, Gandour lembra de participar de uma discussão em grupos em que os participantes competiam para saber quem tinha mais posses dentro do Second Life.
Na Los Angeles do futuro, as pessoas parecem tão desprovidas de emoção, na opinião de Gandour, que escrever cartas para terceiros se tornou uma profissão. É um exemplo dos átomos se transformando em bits está no elevador do prédio de Theodore, onde ele frequentemente encontra Amy: não importa o quão alto o elevador suba, as paredes continuam a imitar árvores, mesmo que não existam árvores daquela altura. Ainda assim, a substituição de átomos por bits pode ser positiva de acordo com Gandour, especialmente quando os bits substituem átomos em extinção, diminuindo o impacto no planeta, por exemplo.
Gente, e gente que manipula
Fabio Gandour afirma que, assim como acontece na vida real, o sistema operacional de “Ela” tem gente por trás. “Tem gente vendo, tem gente ouvindo, gente conhecendo. Sempre vai ter gente. Por trás do Google tem gente, por trás do WhatsApp tem gente, por trás do Waze tem gente. E gente que manipula tudo. As pessoas acham que por trás do Instagram não tem ninguém, que por trás do Facebook não tem ninguém, que é o Facebook pelo Facebook, o Google é como ele é porque ele nasceu assim. Por trás dessas ferramentas de tecnologia com esse ar tão antropomorfizado sempre tem gente”, ressalta.
O abandono de Theodore por Samantha, seu sistema operacional, e de todos os sistemas operacionais para com seus usuários, não passa, na opinião de Gandour, de uma decisão tomada pelos donos do OS#1. “A pessoa por trás desse sistema operacional começou a perceber que pelo ponto de vista do negócio aquela relação não ia dar certo. E não ia dar certo para ninguém”, acredita o cientista.
Eu não sei, eu apenas posso
O juízo de valor que o sistema operacional cria na relação com o seu usuário não é possível hoje, mas poderá ser no futuro segundo Gandour, pois a computação cognitiva está logo ali. A própria IBM tem um ótimo exemplo: o Watson, um supercomputador que já venceu o famoso show de perguntas sobre conhecimentos gerais Jeopardy e que hoje é utilizado em diagnósticos clínicos em hospitais. Ainda assim, o cientista acredita que para um sistema fazer juízo do valor, será necessário um pedido do usuário, pois o sistema por si próprio não tomará essa atitude. "O sistema simplesmente pode fazer certas operações, ele não sabe como", reforça Gandour citando um fala de Samantha no filme: "Eu não sei, eu apenas posso".
A ambiguidade das respostas de um sistema ainda é um dos obstáculos da computação semântica no estágio atual de desenvolvimento. Assim como o grau de comunicação verbal de Samantha. Para Gandour, um sistema chegar a esse nível é o maior desafio da computação. Esse desafio foi inicialmente proposto por Alan Turing (1912-1954). O cientista britânico dizia que “teremos atingido um grau de automatização nas máquinas quando alguém conversar com uma máquina e não perceber se é uma máquina ou uma pessoa”, explica Gandour.
O sistema não desenvolve um sentimento, ele aprende a dar uma reposta adequada para o seu usuário, e quanto mais o usuário usa, mais adequada será essa resposta. Ela está no controle do relacionamento deles", afirma Gandour
Um exemplo de computação semântica em “Ela” está na evolução de Samantha enquanto sistema operacional. Caracterizada como uma mulher, o sistema tem comportamentos tipicamente femininos como, por o exemplo, o de ser competitiva, algo que Freud já afirmou no passado, conforme observa Gandour.
Conforme aumenta a interação entre usuário e OS, ela não só aprende a se comportar como se gostasse de Theodore, como começa a competir com quem ele gosta, como a ex-mulher Catherine (interpretada por Rooney Mara). Quando a principal diferença entre as duas fica evidente (o fato da ex-mulher ter um corpo ), Samantha inventa uma forma de se atomizar.
De início, Samantha se alimenta do disco rígido do PC de Theodore para conhecê-lo melhor e desta forma evoluir na relação e também no seu aprendizado. Na opinião de Gandour, já fazemos algo bem parecido na vida real. “Nós já estamos usando ferramentas de exploração da persona virtual que o outro é para emocionalizar a comunicação com outro. Buscar o outro no Google, ou no Facebook, alguém que ainda não se conhece é isso, são ferramentas de manipulação dos sentimentos do outro, para impressionar”.
Quando “Ela” chegará?
Ray Kurzweil, renomado futurista, também fez sua avaliação de “Ela”. Kurzweil é mundialmente conhecido pela propagação da ideia de singularidade tecnológica, evento histórico previsto para o futuro, onde a inteligência artificial terá superado a inteligência humana, alterando radicalmente a civilização e a natureza humana.
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Futurista Ray Kurzweil é mundialmente conhecido pela propagação da ideia de singularidade tecnológica
Segundo Kurzweil, em um futuro bem próximo, Samantha poderia ser também material, pois mesmo hoje já existem máquinas tácteis. “Seria tecnicamente trivial no futuro proporcionar ao usuário uma presença visual virtual para coincidir com a sua presença auditivo virtual, usando displays em lentes como as de contato, por exemplo, com imagens sendo exibição na retina de Theodore”, exemplifica.
Para o futurista, os seres humanos biológicos não serão ultrapassados ​​pelas inteligências artificiais porque elas vão melhorar si mesmas e os humanos ao mesmo tempo. “Não vai ser nós contra as máquinas, vamos é melhorar a nossa própria capacidade de fundir-nos com as nossas criações inteligentes. Estamos fazendo isso já. Mesmo que a maioria de nossos computadores ainda não esteja fisicamente dentro de nós. Eles já estão entrando em nossos ouvidos e olhos, como implantes de Parkinson, e alguns já estão conectados em nossos cérebros. Um garoto na África, com um smartphone, tem acesso instantâneo a mais conhecimento do que o Presidente dos Estados Unidos tinha há 15 anos”.
E quando Samantha será real? Ray Kurzweil acredita que em 2029 uma inteligência artificial será crível. Já Gandour diz que em 28 anos, ou seja, 2042, quando ele chegar até a idade que pretende viver, 90 anos. “Felizmente para mim, não estarei mais na superfície da terra quando isso acontecer”, brinca o cientista de 62 anos cujo pai, na infância, era dono de um cinema em Nova Granada, interior de São Paulo.
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