1 de septiembre de 2010
Judeus dos Estados Unidos estão divididos sobre Israel
FOLHA DE SÃO PAULO
31/08/2010 - 02h30
Judeus dos Estados Unidos estão divididos sobre Israel
JOÃO FELLET
DE SÃO PAULO
Às vésperas da retomada das conversas de paz entre israelenses e palestinos, marcadas para esta quarta-feira em Washington, os judeus americanos estão rachados quanto à forma de lidar com o Estado judeu.
De um lado, uma crescente e poderosa população ortodoxa mantém o apoio incondicional às atitudes do país; de outro, há cada vez mais jovens judeus dispostos a criticar as atitudes do governo em Jerusalém. A análise é do historiador americano (judeu) Peter Beinart, 39.
Mestre em relações internacionais por Oxford, Beinart gerou polêmica ao publicar um artigo na revista americana "The New York Review of Books" intitulado "O fracasso do estabilishment judeu americano".
Nele, argumenta que, por frequentemente serem filhos de casais mistos e não terem vivenciado conflitos que ameaçaram a existência de Israel, jovens judeus não ortodoxos se sentem menos ligados ao país.
O distanciamento permitiu o surgimento de vozes críticas a Israel dentro da comunidade, algo inédito, mas deu espaço à ascensão dos ortodoxos nas associações judaicas americanas.
Esses, por sua vez, tendem a apoiar a linha-dura israelense, que está no poder e deve ganhar força com o crescimento demográfico das comunidades ortodoxas locais.
Em entrevista à Folha, concedida por telefone, o historiador diz que, caso essa tendência se confirme, a perspectiva de paz no Oriente Médio ficará mais distante.
Folha - Há um racha crescente na sociedade americana a respeito das suas opiniões sobre Israel?
Peter Beinart - Sim. No meio do século 20, apoiar Israel era considerado uma causa de esquerda, uma questão democrática. O Partido Republicano era considerado anti-Israel. Isso mudará gradualmente. A divisão bipartidária que tanto afeta a política americana será sentida em Israel. Liberais democratas gradualmente se tornarão mais encorajados a criticar as políticas de Israel, especialmente se elas continuarem à direita.
Quem são os principais apoiadores de Israel nos EUA hoje?
Depende do que você quer dizer por apoiadores. Se falamos de apoio acrítico a qualquer ação de Israel, os três bastiões mais fortes são os cristãos evangélicos, alguns elementos dos católicos conservadores e os judeus ortodoxos _grupos essencialmente republicanos. Os eleitores do Partido Democrata, que são afro-americanos, latinos, brancos seculares, não são hostis a Israel, mas são mais propensos a criticar algumas políticas do país.
Como o fim da geração de judeus americanos que viveu durante o Holocausto está mudando a comunidade?
Quando se fala em mudança de geração entre os judeus americanos, não é simplesmente uma questão de quem viveu durante o Holocausto. Uma das coisas mais curiosas sobre a história dos judeus americanos é que o Holocausto não foi uma questão amplamente discutida entre eles até duas décadas depois de ocorrer.
A divisão ocorre mais entre as pessoas que viveram durante as guerras de 1967 e de 1973. E essa divisão se tornou mais evidente após a primeira e a segunda Intifadas.
E como essa mudança está sendo sentida pela comunidade? Os judeus mais jovens não vivenciaram nenhum grande conflito envolvendo Israel...
Em parte, esta é uma história de assimilação. Judeus americanos mais jovens se casam com pessoas de outras religiões em índices muito mais altos. Mas acho que perdeu força uma certa tendência instintiva de ver Israel sempre como vítima. [Há hoje] uma tendência de vê-lo como uma potência regional.
É menor a necessidade de manter as críticas dentro do seu círculo.
Qual o poder dos judeus americanos em relação a Israel hoje?
Israel é um lugar nacionalista, que não gosta de ouvir o que deve fazer de ninguém --judeus ou não judeus.
Por outro lado, muitos dos israelenses mais inteligentes creem que a sua aliança com os EUA é uma das mais importantes conquistas da história do país, até porque Israel não tem muitos outros aliados poderosos.
Existe influência real do governo americano e dos judeus americanos sobre o que acontece em Israel. Não haveria um congelamento dos assentamentos judaicos [em terras palestinas] se não fosse por pressão do governo americano.
O sr. acredita que o interesse decrescente que judeus não ortodoxos sentem em relação a Israel pode influenciar a relação entre os governos americano e israelense?
Poderia, mas isso depende de como essas pessoas podem ser mobilizadas para apoiar uma forma diferente de visão política, em que elas estariam mais abertas a pressionar Israel. As organizações judaicas americanas dizem representar um consenso bipartidário na comunidade judaica americana.
Acho que, com o tempo, essa visão se tornará difícil de manter e ficará claro que elas essencialmente representam apenas um elemento de direita na comunidade, e não o tipo de consenso bipartidário.
Alguns autores dizem que judeus não ortodoxos se sentem menos ligados a Israel porque formam famílias mistas, e não por razões políticas. Outros dizem que judeus mais jovens sempre foram menos ligados a Israel, e que a ligação aumenta conforme eles envelhecem.
Sobre o último ponto, se fosse verdade que há um efeito de ciclo de vida, em que alguém ficaria mais ligado quando tivesse filhos, as estatísticas mostrariam um aumento da ligação na meia-idade e uma queda.
Mas o que se vê é uma queda drástica. Quem tem 60 anos é mais ligado do que quem tem 40, que é mais ligado do que quem tem 20... A assimilação claramente tem um papel. Há um estudo recente focado em jovens judeus americanos não ortodoxos que não estão se assimilando. E mesmo entre essas pessoas encontram-se níveis mais baixos de quem diz sentir orgulho de Israel.
Judeus ortodoxos têm ganhado influência tanto em Israel quanto nos EUA. Esse processo é reversível?
Hoje parece inevitável: o judaísmo ortodoxo crescerá mais e mais em poder. Mas devemos ser modestos em nossos esforços para prever o futuro, porque, depois da Segunda Guerra, imaginava-se que o judaísmo ortodoxo estava morrendo, e que o futuro pertencia aos movimentos de Reforma e Conservador.
O judaísmo ortodoxo é extremamente forte demograficamente, mas é possível que as coisas mudem.
Isso só nos EUA, ou também em Israel?
Há um crescimento em paralelo em Israel e nos EUA, e provavelmente em outras partes da diáspora.
O sr. crê que a crescente influência de judeus ortodoxos em Israel é um obstáculo à paz?
Sim. Há essencialmente duas comunidades ortodoxas distintas em Israel. Há os religiosos nacionalistas, sionistas, e os ultaortodoxos, ou haradim. Os radicais são os primeiros. Eles criaram a ideologia religiosa segundo a qual agregar terras ao estado judeu é parte do processo de preparação para receber o messias.
Os ultraortodoxos historicamente têm se preocupado menos com isso, eles são mais distantes e desconfiados do estado de Israel, já que não é baseado na lei judaica. Mas essa comunidade também tem tendências antidemocráticas muito fortes.
As críticas internacionais contra Israel afetam as opiniões de judeus americanos sobre o país?
Por um lado, há uma tendência em parte do estabilishment judaico de responder defendendo Israel mais, porque o país estaria sob ataque. Mas também acho que as críticas de outras partes influenciam os EUA.
Nosso debate não é tão crítico como na Europa ou, imagino, na América Latina. Ainda assim, há grande criticismo nos EUA, mais do que alguns anos atrás.
A Guerra ao Terror teve algum efeito nas opiniões da comunidade judaica americana em relação a Israel?
O impacto maior foi provavelmente entre cristãos evangélicos, americanos conservadores não judeus. Eles passaram a se identificar mais com Israel após o 11 de Setembro, passaram a ver várias regiões do mundo como parte da disputa Ocidente versus terroristas.
Os judeus americanos já estavam mais alinhados com Israel e enfocaram o esforço de Israel contra o terrorismo.
Por outro lado, algumas pessoas passaram a ver a Guerra ao Terror e o terrorismo da jihad como consequências das políticas americanas, e podem querer mudar essa hostilidade mudando as políticas americanas.
31/08/2010 - 02h30
Judeus dos Estados Unidos estão divididos sobre Israel
JOÃO FELLET
DE SÃO PAULO
Às vésperas da retomada das conversas de paz entre israelenses e palestinos, marcadas para esta quarta-feira em Washington, os judeus americanos estão rachados quanto à forma de lidar com o Estado judeu.
De um lado, uma crescente e poderosa população ortodoxa mantém o apoio incondicional às atitudes do país; de outro, há cada vez mais jovens judeus dispostos a criticar as atitudes do governo em Jerusalém. A análise é do historiador americano (judeu) Peter Beinart, 39.
Mestre em relações internacionais por Oxford, Beinart gerou polêmica ao publicar um artigo na revista americana "The New York Review of Books" intitulado "O fracasso do estabilishment judeu americano".
Nele, argumenta que, por frequentemente serem filhos de casais mistos e não terem vivenciado conflitos que ameaçaram a existência de Israel, jovens judeus não ortodoxos se sentem menos ligados ao país.
O distanciamento permitiu o surgimento de vozes críticas a Israel dentro da comunidade, algo inédito, mas deu espaço à ascensão dos ortodoxos nas associações judaicas americanas.
Esses, por sua vez, tendem a apoiar a linha-dura israelense, que está no poder e deve ganhar força com o crescimento demográfico das comunidades ortodoxas locais.
Em entrevista à Folha, concedida por telefone, o historiador diz que, caso essa tendência se confirme, a perspectiva de paz no Oriente Médio ficará mais distante.
Folha - Há um racha crescente na sociedade americana a respeito das suas opiniões sobre Israel?
Peter Beinart - Sim. No meio do século 20, apoiar Israel era considerado uma causa de esquerda, uma questão democrática. O Partido Republicano era considerado anti-Israel. Isso mudará gradualmente. A divisão bipartidária que tanto afeta a política americana será sentida em Israel. Liberais democratas gradualmente se tornarão mais encorajados a criticar as políticas de Israel, especialmente se elas continuarem à direita.
Quem são os principais apoiadores de Israel nos EUA hoje?
Depende do que você quer dizer por apoiadores. Se falamos de apoio acrítico a qualquer ação de Israel, os três bastiões mais fortes são os cristãos evangélicos, alguns elementos dos católicos conservadores e os judeus ortodoxos _grupos essencialmente republicanos. Os eleitores do Partido Democrata, que são afro-americanos, latinos, brancos seculares, não são hostis a Israel, mas são mais propensos a criticar algumas políticas do país.
Como o fim da geração de judeus americanos que viveu durante o Holocausto está mudando a comunidade?
Quando se fala em mudança de geração entre os judeus americanos, não é simplesmente uma questão de quem viveu durante o Holocausto. Uma das coisas mais curiosas sobre a história dos judeus americanos é que o Holocausto não foi uma questão amplamente discutida entre eles até duas décadas depois de ocorrer.
A divisão ocorre mais entre as pessoas que viveram durante as guerras de 1967 e de 1973. E essa divisão se tornou mais evidente após a primeira e a segunda Intifadas.
E como essa mudança está sendo sentida pela comunidade? Os judeus mais jovens não vivenciaram nenhum grande conflito envolvendo Israel...
Em parte, esta é uma história de assimilação. Judeus americanos mais jovens se casam com pessoas de outras religiões em índices muito mais altos. Mas acho que perdeu força uma certa tendência instintiva de ver Israel sempre como vítima. [Há hoje] uma tendência de vê-lo como uma potência regional.
É menor a necessidade de manter as críticas dentro do seu círculo.
Qual o poder dos judeus americanos em relação a Israel hoje?
Israel é um lugar nacionalista, que não gosta de ouvir o que deve fazer de ninguém --judeus ou não judeus.
Por outro lado, muitos dos israelenses mais inteligentes creem que a sua aliança com os EUA é uma das mais importantes conquistas da história do país, até porque Israel não tem muitos outros aliados poderosos.
Existe influência real do governo americano e dos judeus americanos sobre o que acontece em Israel. Não haveria um congelamento dos assentamentos judaicos [em terras palestinas] se não fosse por pressão do governo americano.
O sr. acredita que o interesse decrescente que judeus não ortodoxos sentem em relação a Israel pode influenciar a relação entre os governos americano e israelense?
Poderia, mas isso depende de como essas pessoas podem ser mobilizadas para apoiar uma forma diferente de visão política, em que elas estariam mais abertas a pressionar Israel. As organizações judaicas americanas dizem representar um consenso bipartidário na comunidade judaica americana.
Acho que, com o tempo, essa visão se tornará difícil de manter e ficará claro que elas essencialmente representam apenas um elemento de direita na comunidade, e não o tipo de consenso bipartidário.
Alguns autores dizem que judeus não ortodoxos se sentem menos ligados a Israel porque formam famílias mistas, e não por razões políticas. Outros dizem que judeus mais jovens sempre foram menos ligados a Israel, e que a ligação aumenta conforme eles envelhecem.
Sobre o último ponto, se fosse verdade que há um efeito de ciclo de vida, em que alguém ficaria mais ligado quando tivesse filhos, as estatísticas mostrariam um aumento da ligação na meia-idade e uma queda.
Mas o que se vê é uma queda drástica. Quem tem 60 anos é mais ligado do que quem tem 40, que é mais ligado do que quem tem 20... A assimilação claramente tem um papel. Há um estudo recente focado em jovens judeus americanos não ortodoxos que não estão se assimilando. E mesmo entre essas pessoas encontram-se níveis mais baixos de quem diz sentir orgulho de Israel.
Judeus ortodoxos têm ganhado influência tanto em Israel quanto nos EUA. Esse processo é reversível?
Hoje parece inevitável: o judaísmo ortodoxo crescerá mais e mais em poder. Mas devemos ser modestos em nossos esforços para prever o futuro, porque, depois da Segunda Guerra, imaginava-se que o judaísmo ortodoxo estava morrendo, e que o futuro pertencia aos movimentos de Reforma e Conservador.
O judaísmo ortodoxo é extremamente forte demograficamente, mas é possível que as coisas mudem.
Isso só nos EUA, ou também em Israel?
Há um crescimento em paralelo em Israel e nos EUA, e provavelmente em outras partes da diáspora.
O sr. crê que a crescente influência de judeus ortodoxos em Israel é um obstáculo à paz?
Sim. Há essencialmente duas comunidades ortodoxas distintas em Israel. Há os religiosos nacionalistas, sionistas, e os ultaortodoxos, ou haradim. Os radicais são os primeiros. Eles criaram a ideologia religiosa segundo a qual agregar terras ao estado judeu é parte do processo de preparação para receber o messias.
Os ultraortodoxos historicamente têm se preocupado menos com isso, eles são mais distantes e desconfiados do estado de Israel, já que não é baseado na lei judaica. Mas essa comunidade também tem tendências antidemocráticas muito fortes.
As críticas internacionais contra Israel afetam as opiniões de judeus americanos sobre o país?
Por um lado, há uma tendência em parte do estabilishment judaico de responder defendendo Israel mais, porque o país estaria sob ataque. Mas também acho que as críticas de outras partes influenciam os EUA.
Nosso debate não é tão crítico como na Europa ou, imagino, na América Latina. Ainda assim, há grande criticismo nos EUA, mais do que alguns anos atrás.
A Guerra ao Terror teve algum efeito nas opiniões da comunidade judaica americana em relação a Israel?
O impacto maior foi provavelmente entre cristãos evangélicos, americanos conservadores não judeus. Eles passaram a se identificar mais com Israel após o 11 de Setembro, passaram a ver várias regiões do mundo como parte da disputa Ocidente versus terroristas.
Os judeus americanos já estavam mais alinhados com Israel e enfocaram o esforço de Israel contra o terrorismo.
Por outro lado, algumas pessoas passaram a ver a Guerra ao Terror e o terrorismo da jihad como consequências das políticas americanas, e podem querer mudar essa hostilidade mudando as políticas americanas.