20 de marzo de 2018
No século XII escreveu São Bernardo à Cúria romana a seguinte carta
No século XII escreveu São
Bernardo à Cúria romana a seguinte carta:
A MEUS REVERENDOS PADRES, OS SENHORES BISPOS E CARDEAIS DA
CÚRIA ROMANA, / O IRMÃO BERNARDO, ABADE DE CLARAVAL, / SAUDAÇÕES E ORAÇÕES.
Todos temos o direito de escrever
sobre os negócios que a todos dizem respeito; de modo que não receio incorrer
em censura por presunção ou excessiva ousadia ao fazê-lo agora como o faço;
pois, embora seja o mais miserável de todos os fiéis, não deixo de ter muito no
coração a honra da Cúria Romana. De tal maneira me consumo de pena e me aflige
a tristeza, que até a vida me pesa. E é porque vi a abominação na Casa de Deus.
Como me sinto sem poder bastante para remediar a tantos e tantos males, não me
resta outro recurso senão apontá-los aos que têm poder para tal, a fim de que
os emendem. Se o fizerdes, tanto melhor; se não, eu terei exonerado minha
consciência, e vós não podereis ter nenhuma escusa justa.
Não ignorais que o Papa Inocêncio
[II], de gloriosa e feliz memória, havia proferido sentença, de comum acordo
convosco e com toda a Cúria Romana, dispondo que se tivesse por ilícita a
eleição de Guilherme [para, Arcebispo de York], e que esta fosse considerada
como verdadeira e sacrílega intrusão, no caso de o outro Guilherme, Deão da
Igreja [de York], não declarar sob juramento que seu homônimo era inocente de
tudo quanto lhe imputavam. Também sabeis que esta disposição tinha muito mais
de indulgência que de rigor. Guilherme mesmo, o acusado, havia rogado que lhe fosse
concedida essa graça.
Prouvera a Deus que se tivesse
cumprido o que por mútuo acordo se havia disposto! Oxalá tudo quanto se fez
contra isto fosse declarado nulo! Que aconteceu? O Deão não jurou, de modo
algum, e apesar disto o outro sentou-se na cátedra da pestilência. Quem nos
dera ver levantar-se um outro Finéias [Núm. 25, 7], que investisse de espada na
mão contra esse fornicador! Quem nos concedera poder ver o mesmo São Pedro,
vivo em sua cátedra, para exterminar os ímpios com uma palavra de sua boca!
Muitos são os que clamam a vós do fundo da alma, e vos pedem de todo o coração
o castigo exemplar de tamanho sacrilégio. Se não acudirdes de pronto, quanto
mais tardar o remédio eu vos asseguro que há de ser mais grave o escândalo de
todos os fiéis. Receio que a mesma Sé Apostólica perca grande parte de seu
prestígio e se desautorize, se não fizer pesar sua mão sobre esse rebelde que
calcou aos pés seus decretos, de modo tal que infunda medo aos demais e os
aparte de seguir tão nefando exemplo.
* * *
Mas que direi das cartas secretas
e verdadeiramente tenebrosas que Guilherme se jacta de haver recebido, não do
príncipe das trevas, oxalá assim fosse, mas dos Príncipes mesmos, Sucessores
dos Apóstolos? Por isso, tão logo esta nova chegou aos ouvidos dos ímpios,
estes se puseram a fazer chacota das disposições da Sé Apostólica e a rir da
Cúria Romana, a qual, depois de haver dado uma sentença pública, contradizia-se
a si mesma enviando às ocultas umas cartas que mandavam o contrário.
Que mais acrescentarei? Se depois
de tudo isso não vos perturba a visão do escândalo gravíssimo que é dado tanto
a fortes e perfeitos, confio a débeis e simples; se não sentis compaixão alguma
pelos pobres Abades que foram chamados a Roma dos lugares mais longínquos da
terra; se não vos comove a ruína de tantas casas religiosas que inevitavelmente
perecerão sob a jurisdição desse opressor; finalmente, e para terminar por
onde deveria ter começado, se não vos sentis animados sequer pelo zelo da
glória de Deus, — sereis indiferentes à vossa própria desonra, derivada diretamente
da vergonha que cairá sobre toda a Igreja? Poderá tanto a malícia deste homem,
que logre impor-se a vós? Dir-me-eis talvez: que faremos, se ele já recebeu a
sagração, ainda que de modo sacrílego? Respondo a isto que tenho por mais
glorioso derrubar Simão Mago do alto do espaço do que impedir-lhe o vôo. Por
outro lado, em que situação deixareis todos os Religiosos que crêem não dever
receber, em consciência, nenhum Sacramento de mãos tão manchadas de lepra? Inclino-me
a crer que todos eles preferirão o desterro, antes que entregar-se à morte;
antes escolherão vida errante fora da pátria, que permanecer nesta tendo que
comer os alimentos oferecidos aos ídolos. Sendo assim, se a Cúria Romana os
forçasse a ir contra a consciência e a dobrar os joelhos diante de Baal, que o
Deus justo peça contas disso; quanto a mim, cito-vos para seu juízo perante
aquela outra Cúria Celestial que não se pode corromper com nenhum suborno.
Para terminar, êste vosso servo
vos suplica, pelas entranhas misericordiosíssimas do Senhor, que, se algum zelo
da glória divina arde ainda em vossas almas, tomeis em consideração os males
que afligem a Santa Igreja, ao menos vós que sois seus amigos, e ponhais todo o
vosso empenho em impedir que se confirme uma coisa tão detestável e digna de
execração.
SÃO BERNARDO
["Obras Completas del Doctor
Melifluo, San Bernardo, Abad de Claraval", trad. do Pe. Jaime Pons, S. J.
— Ed. Rafael Casulleras, Barcelona, 1929 — vol. V, "Epistolario", pp.
488-490, carta 236, em Catolicismo
241 de Janeiro de 1971].
Qual seria hoje o tom e adaptações da carta do fogoso abade
de Claraval ao cardeal Parolin em suas negociações – a propósito das relações
da cismática igreja patriótica com a igreja do silêncio na China - com o
governo comunista chinês?
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