18 de marzo de 2013
O Magistério ordinário pode ensinar por atos e gestos
MAGISTÉRIO ORDINÁRIO, O GRANDE DESCONHECIDO
I – O
Magistério ordinário pode ensinar por atos e gestos
Arnaldo Xavier da Silveira
http://www.arnaldoxavierdasilveira.com/magis_ord.html
O Magistério ordinário da
Igreja, exercido pelo Papa e pelos Bispos, amparado pelas promessas de Nosso
Senhor, efetiva-se não apenas por palavras escritas ou orais, mas também por
atos e fatos, de natureza extremamente variada
e rica.
1] Com o presente
artigo dou início à publicação de alguns estudos sobre o Magistério ordinário
da Igreja. Não é minha intenção cobrir a matéria de modo amplo e completo, como
seria um tratado. Considero que o Magistério ordinário é hoje o grande
desconhecido, a respeito do qual autores de renome têm defendido teses
surpreendentes, que se afastam totalmente da regra da fé. No panorama geral dos
debates teológicos de nossos dias, sobretudo nas vésperas do cinquentenário da
abertura do Concílio Vaticano II, espero que, pela intercessão de Nossa
Senhora, estas notas contribuam para a elucidação de alguns aspectos
importantes e pouco conhecidos da verdadeira doutrina da Ecclesia
docens.
2] Inicio esta
série de trabalhos tratando de um ponto delicado. É que se introduziu de há
muito nos meios católicos a ideia equivocada de que todo e qualquer ensinamento
do Papa ou dos Bispos só tem força magisterial se se fizer por palavras, sejam
estas escritas ou orais. Nessa concepção, um ato simbólico do Papa, ou uma
cerimônia na igreja de São Pedro, ou uma prática litúrgica difundida em todo o
orbe mas não estabelecida por documento escrito ou declaração explícita, não
teria força de ensinamento do Magistério ordinário.
3] Após haver
fixado o tema aqui estudado (itens 1 e 2 retro), divido a matéria em três
capítulos: no primeiro, “I – Um estudo
da década de 1960 sobre a heresia por atos e gestos” (itens 4 a 7 adiante),
indico antigo trabalho meu sobre a heresia expressa sem palavras, apenas por
fatos, no qual entretanto não abordei a questão de professar a fé e de ensinar
dessa forma; no segundo, “II – Da
profissão de fé não por palavras, mas por atos e fatos” (itens 8 a 18), aduzo as
razões e autoridades que explicam que sem palavras é possível manifestar o
pensamento, e portanto a fé; no terceiro, “III – Como se
exerce o Magistério ordinário da Igreja” (itens 19 a 29), mostram que a exteriorização de
ideias por atos e gestos pode constituir autêntico magistério.
I – Um estudo da década de 1960 sobre a heresia por atos e gestos
4] Em Catolicismo, mensário de cultura
católica da diocese de Campos, RJ, publiquei em dezembro de 1967 um breve
artigo sob o título “Atos, gestos, atitudes e omissões podem
caracterizar o herege” (transcrito
neste site em outra página).
5] Aquele trabalho baseou-se nas Sagradas
Escrituras, em ensinamentos do Magistério, nas leis canônicas, em grandes
moralistas e canonistas da neo-escolástica. Ali se mostrou que “um simples sinal de cabeça,
um gesto de mão ou uma expressão de fisionomia podem indicar, de maneira
inequívoca, um pensamento. Num terreno mais vasto, uma tomada de posição
política, o silêncio de uma autoridade, ou uma atitude pública podem expressar,
conforme as circunstâncias, que quem assim procede tem tais ou tais ideias” (p. 4, 3ª
coluna).
6] A
preocupação principal, naquela exposição, era procurar tirar a máscara de
modernistas disfarçados de católicos, consoante expôs São Paio X na EncíclicaPascendi
Dominici Gregis: “os fautores de
erros já não devem ser procurados entre inimigos declarados, mas (...) se
ocultam no próprio seio da Igreja, tornando-se destarte tanto mais nocivos
quanto menos percebidos. Aludimos (...) a muitos
membros do laicato católico e (...) a não poucos do clero
que, fingindo amor à Igreja(...), se atiram sobre tudo o que há de mais santo na
obra de Cristo” (tradução da
ed. Vozes, 1948, p.4).
7] Com esse
objetivo de denunciar os modernistas disfarçados, o artigo tratou
principalmente da possibilidade de manifestação de heresia por atos, gestos
etc. Estudou as graves e delicadas questões da heresia interna e externa, da
pertinácia no erro, das admoestações ao herege exigidas por São Paulo, e tantas
outras conexas. Mas não aprofundou o outro lado da questão, que é a manifestação
da fé por atos, gestos etc.
II – Da profissão de fé não por palavras, mas por atos e fatos
8] Embora a
matéria, tanto na teoria como na prática, seja em geral pouco versada nos meios
católicos, é evidente que, no caso, vale para a manifestação da fé o que vale
para a manifestação da heresia. Se o erro pode exteriorizar-se por atos,
gestos, atitudes, omissões, é patente que a verdade e a fé podem também
exprimir-se de modo inconfundível por atos, gestos, atitudes, omissões,
silêncios, fatos, símbolos, sinais, cerimônias, e tantos outros recursos que a
condição humana nos dá para manifestar externamente, sem palavras escritas ou
orais, o que pensamos internamente.
9] Seria talvez
supérfluo aduzir textos da Sagrada Escritura, da História da Igreja, de moralistas
e canonistas para dar suporte a essa afirmação. Como, no entanto, poderia haver
resistências à tese, e como realmente as há na literatura católica recente,
permitimo-nos expor melhor algumas razões teológicas que a fundamentam.
II.a – Nos Evangelhos e na História da Igreja
10] Na pregação
de Nosso Senhor são tantos os exemplos de ensinamentos através de atos e fatos,
sem o emprego de palavras, que bastaria passar os olhos nos Santos Evangelhos
para dar-se conta da solidez da tese aqui exposta. Ele repreendeu e ao mesmo
tempo perdoou a São Pedro com um olhar; calou-se diante de Pilatos, com um
silêncio cheio de conceitos que inspiraram e ainda inspiram séculos de
homilética; também pelo silêncio, aceitou os bálsamos com que Madalena o ungia,
provocando mesmo a reação de Judas; e tanta coisa mais.
11] É de força
singular o exemplo do mártires que se negaram a sacrificar aos deuses.
12] Na Sagrada
Liturgia são abundantes, e mesmo essenciais ao culto divino, os gestos e atos
densos de doutrina. Basta aqui aludir às genuflexões, às inclinações do busto,
aos atos de incensar.
13] O mesmo se
diga quanto à vida dos santos. São Francisco de Assis chamou certa vez seus
discípulos mais próximos, anunciando-lhes uma pregação. Em fila, saíram pela
cidade, percorreram uma distância não pequena e voltaram diretamente para o
convento. Seus discípulos perguntaram onde estava a anunciada pregação, ao que
São Francisco respondeu que a simples passagem deles pela cidade era verdadeira
pregação.
II.b – Da profissão de fé por “fatos” em Santo Tomás de Aquino
14] Sobre
as cerimônias da lei velha. – Santo Tomás, perguntando se depois da Paixão de
Cristo os ritos da lei antiga podem ser observados sem pecado mortal, escreve
que “todas aquelas cerimônias são profissões de fé, na
qual consiste o culto interior de Deus. Assim, o
homem pode professar a fé interior por meio de fatos, como de palavras:
e em ambas as profissões, se o homem professa algo de falso, peca mortalmente” (Sum. Th., I-II, q. 103, a. 4, co.). –
E conclui que “circuncidar-se, e observar as demais cerimônias [da lei antiga] é
pecado mortal” (ibidem, sed
c.)
15] Sobre o falso culto do Deus
verdadeiro. – Perguntando se pode haver algo de pernicioso no culto do
verdadeiro Deus, Santo Tomás ensina: “Dá-se a mentira quando alguém exprime exteriormente
o que é contrário à verdade. Assim como essa
expressão pode fazer-se pela palavra, assim também pode fazer-se por um fato. Nessa expressão pelo fato,
consiste o culto exterior da religião. Portanto, se pelo culto exterior se
exprimir algo de falso, esse culto será pernicioso” (Sum. Th., II-II, q.
93, a.1, co.).
16] Sobre o vício da mentira,
Santo Tomás observa que “aquele que, por acenos, quisesse exprimir algo de falso, não deixaria de
estar mentindo” (Sum. Th., II-II, q. 110, a. 1,
ad 2).
17] Sobre o martírio,
Santo Tomás ensina que “para a verdadeira fé não basta crer interiormente, mas é também
necessário professá-la exteriormente. E isto se faz não só por palavras de
confissão da fé, mas também por fatos pelos quais alguém revela ter fé”. E logo a
seguir acrescenta: “as obras de
todas as virtudes, segundo se reportam a Deus, são confissões de fé, pela qual
sabemos que Deus as requer de nós, e por elas nos remunera. E assim podem ser
causa do martírio” (Sum. Th., II-II, q. 124, q. 5,
co.). ― Mais adiante, diz ele: “sofre como cristão não só quem sofre pela confissão
da fé que se faz por palavras, mas também quem sofre por fazer qualquer boa
obra, ou para evitar qualquer pecado por amor a Cristo; e tudo isso é professar
a fé” (ibidem, ad 1).
18] Note-se que
Santo Tomás opõe sempre a confissão de fé que se faz por palavras escritas ou
orais, à que se faz por “fatos”. Em latim, facta é o particípio passado
substantivado do verbo facio - facere, fazer. Assim, os “fatos”
são aquilo que se faz, que foi feito, e não são, nesse contexto, os
acontecimentos estranhos à ação humana, como terremotos e tempestades. –
Portanto, os “fatos” de Santo Tomás correspondem ao que indicamos como atos,
gestos etc.
III – Como se exerce o Magistério ordinário da Igreja
19] Tanto em
doutrina quanto na prática quotidiana dos fieis, é relativamente bem conhecida
a natureza do Magistério extraordinário. Sua conceituação, aparentemente muito
singela, tornou-se corrente e inquestionada entre os verdadeiros católicos, com
a definição do Concílio Vaticano I. A proclamação ex
cathedra de uma verdade
de fé ou moral, pelo Papa no uso da plenitude de seus poderes apostólicos, de
forma solene quanto à vontade de definir, dirigida a toda a Igreja, válida por
si mesma independente da aprovação de quem quer que seja, é conhecida como
infalível pelos católicos, mesmo pelos de formação simples ou mediana. A
Imaculada Conceição é uma das devoções mais difundidas. Todos sabem que Nossa
Senhora foi elevada aos Céus em corpo e alma. Também se consolidou a convicção
de que um concílio ecumênico pode definir dogmas, nos quais todos devem crer. Mutatis
mutandis, aplicam-se ao
concílio as mesmas condições da infalibilidade de uma definição ex
cathedra do Papa, como
as fixou o Vaticano I.
20] O
ensinamento do Magistério Extraordinário é um ato singular, que corta a
discussão sobre determinada doutrina com uma solução definitiva. Pode ser
comparado ao raio, que concentra toda a sua luminosidade num determinado
momento e numa única descarga. Pode ser comparado a uma intervenção cirúrgica.
O Magistério Ordinário, pelo contrario, não concentra sua luz num único feixe,
mas sua luminosidade se espalha no tempo e no espaço. Equipara-se a um
tratamento clínico, mais do que a uma ação cirúrgica.
21] A definição
solene do Concílio Vaticano I sobre a infalibilidade do Magistério ordinário
tem o seguinte teor: “Ademais, deve-se crer com fé divina e
católica tudo que está contido na Palavra de Deus escrita ou transmitida, e que
a Igreja, seja por juízo solene, seja por seu Magistério ordinário e universal,
propõe a crer como divinamente revelado”. ― O Vaticano I, ao proclamar a infalibilidade do
Papa e a do Magistério ordinário universal, estudava as condições em que esse
Magistério ordinário é infalível, mas não chegou a defini-las, pois foi
interrompido pela guerra franco-prussiana de 1870.
22] As
promessas solenes de Nosso Senhor – “ide e ensinai a todas as
gentes”, “estarei
convosco todos os dias até a consumação dos séculos”, “quem vos ouve a
mim ouve” – foram
feitas apenas aos apóstolos e seus sucessores, o Papa e os Bispos, que
constituem a Sagrada Hierarquia. Valem, de modo eminente, para o Magistério ordinário,
que ensina no dia-a-dia, na vida comum que se estende dos mais altos graus da
Hierarquia aos bispos dos rincões mais afastados da Terra. Valem para o
discurso solene do Sumo Pontífice numa comemoração na igreja de São Pedro, para
as encíclicas, para os decretos e condenações mais graves das Congregações
romanas, assim como para as cartas pastorais e as pregações dos Bispos por todo
o orbe.
III.a – Aprofundando a noção de ensinar
23]
Recentemente introduziu-se nos meios católicos uma confusão grave entre ensinar
e “dialogar”. O ensino é a transmissão de uma verdade como tal, isto é, não se
restringe à proposição vaga e indefinida de uma idéia que possa ser tida como
simples noção genérica, que o ouvinte pode aceitar ou não. Manifestamente, o ensino
pode e deve atribuir graus diferentes de certeza e de impositividade às
verdades que são ensinadas. Algumas envolvem a infalibilidade, e portanto não é
possível negá-las. Outras não implicam a autoridade da Igreja nesse grau
extremo, mas se apresentam como verdades que seria temerário negar. Outras
ainda são transmitidas com grau menor de certeza ou de probabilidade,
constituindo, por exemplo, deduções dos dogmas e dos princípios maiores, que
entretanto a Igreja ensina mas não chega a atribuir-lhes uma segurança
doutrinária maior. Tudo isso, entretanto, é ensinamento, e não é mero dialogo,
não é apenas uma proposição de temas para mera troca de ideias.
24] Impõe-se
aqui um esclarecimento sobre as omissões e os silêncios. Umas e outros contêm
uma doutrina ou ensinamento quando há a obrigação de agir ou de falar, e no
entanto o mestre não age nem fala. Se a obrigação de agir ou falar for de ordem
moral, a omissão e o silêncio estarão exteriorizando um mal, um erro, uma
heresia. – Se, ao contrário, se tratar de uma imposição injusta de uma
autoridade, de um ambiente social, de quem quer que esteja fora da boa regra,
então a omissão ou o silêncio representarão uma resistência à imposição
injusta, caracterizando a exteriorização da retidão moral, ou da fé, podendo
então constituir um ensinamento. É o caso do mártir que se recusa a incensar o
ídolo ou a professar a heresia.
25] Devemos
distinguir o que é uma simples manifestação de ideia por um Bispo, por exemplo,
daquilo que é um ato de ensino. Se ele, em seus aposentos, se inclina
reverentemente perante uma imagem de Jesus crucificado, temos aí apenas um ato
de piedade particular, em que ele manifesta sua devoção sem nenhum traço de
ensino. Se, contudo, ele pratica esse mesmo ato perante uma assembléia de fieis,
de público, de modo que todos vejam, é patente que, então, ele está
transmitindo uma doutrina, um ensinamento, com força maior ou menor conforme as
circunstâncias, mas como se exprimisse por palavras aquilo que o gesto
exterioriza.
III.b – O ensinamento do Magistério ordinário por atos e gestos
26] Do exposto,
se entende que o Magistério ordinário da Igreja, exercido pelo Papa e pelos
Bispos, amparado pelas promessas de Nosso Senhor, se efetiva não apenas por
palavras escritas ou orais, mas também por atos e fatos, de natureza
extremamente variada e rica. É o que se torna claro, por exemplo, sempre que um
membro da Hierarquia, de público, em circunstâncias que manifestam seu
propósito de transmitir ensinamentos, pratica gestos, celebra cerimônias,
recorre a símbolos etc., que trazem em seu bojo verdadeiros atos de magistério.
27] Citando
Aristóteles, Santo Tomás diz que a prudência está no príncipe “ao modo de uma
arte arquitetônica”, como virtude
reitora do ato de governar, a qual aplica os princípios especulativos ao caso
concreto (Sum. Th., II, q.47, art. 12, co.). ─ Há hoje pastores
de boa doutrina que, por falta de prudência, desdizem, por atos e gestos, o que
em teoria ensinam. ─ Observando, certa ocasião, que determinado hierarca falava
para a direita e agia para a esquerda, o Pe. Congar concluía que o que contam
são os fatos, não as palavras. ─ Dizemos que essa conclusão vale no terreno
prático, como vitória efetiva da orientação esquerdista; vale no terreno moral,
porque facilmente o mau exemplo do pastor prevalece sobre sua fala correta; e
vale também no terreno magisterial, porque, entre ensinamentos contraditórios,
o dos fatos tende a marcar mais profundamente o espírito dos fieis.
28] É em grande
parte esse Magistério ordinário exercido por atos, gestos, cerimônias etc.,
que, em tempos de normalidade e fervor, leva as crianças a saberem o que não
sabem os padres austríacos do chamado Apelo à
desobediência, próceres do
casamento dos sacerdotes, da ordenação de mulheres e de tantos desmandos mais.
Entendemos que isso é de suma importância em relação ao que afirma Bento XVI em
sermão da quinta-feira santa, 5 de abril de 2012: “Os elementos
fundamentais da fé, que no passado toda criança sabia, são cada vez menos
conhecidos” (“Gli elementi
fondamentali della fede, che in passato ogni bambino conosceva, sono sempre
meno noti”). ― Veja-se,
com particular atenção, que nessa frase lapidar, que tem força e porte para
orientar a Pastoral e mesmo a Teologia dogmática em todo o futuro da Igreja,
Sua Santidade usou o tempo pretérito: “no passado
qualquer criança sabia”. – Nos estudos amplos sobre o Concílio Vaticano
II, que se estão desenvolvendo de modo extraordinário nestas vésperas da
comemoração de seu cinquentenário, essa frase histórica de Bento XVI deve ser
um marco básico para todos os teólogos verdadeiramente católicos.
29] Uma
observação final. O Papa e os Bispos não proclamam a verdade só por seus
escritos e pregações pessoais, mas também pela aprovação expressa ou tácita que
dão ao que é ensinado sob sua autoridade. Desenvolveremos esse tema em futuro
estudo desta nossa série sobre o “Magistério Ordinário, o Grande Desconhecido”,
para a qual invocamos, como sempre, a benção de Maria Santíssima.
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