27 de enero de 2009
A luta de Israel pela identidade nacional
O ESTADO DE SÃO PAULO - Domingo, 25 janeiro de 2009
A luta de Israel pela identidade nacional
Bill Glucroft*
A guerra acabou. Israel pode muito bem ter “vencido” o Hamas. Mas Israel acaba perdendo, no final, ao se concentrar novamente nas ameaças externas, em vez de dar atenção aos fracassos internos. Tais fracassos quase não foram abordados durante décadas, e estão levando Israel a um ponto crítico que se pode mostrar, para a existência do país, um risco maior do que qualquer ameaça feita por Hamas, Hezbollah ou Irã. Se não surgir num futuro próximo um Estado palestino, a maioria das pessoas concorda que veremos o surgimento de um único Estado binacional - na prática, Israel já é isso. Um quinto da população do país é constituído por árabes-israelenses - 1,4 milhão de cidadãos, um número que segue aumentando. Eles são os descendentes de 160 mil árabes que não se tornaram refugiados em 1948-49 e tiveram a cidadania imposta a eles pelo novo Estado judaico - diferentemente dos outros 800 mil que fugiram da região definida pelas novas fronteiras. A democracia implica no sufrágio universal, num Judiciário independente e numa cultura que valoriza a expressão. Israel enquadra-se nesses quesitos. A democracia também implica na coincidência entre cidadania e nacionalidade. Não é o que se observa em Israel. A democracia israelense é étnica. Para fazer parte da coletividade, o cidadão deve ser parte da nação judaica, algo que a lei civil não pode estender aos membros na nação árabe, apesar de eles serem aparentemente cidadãos iguais. Conforme escreveu Yoav Peled, um dos mais destacados pensadores das relações entre árabes e israelenses, Israel é governado pelo ethnos judaico, e não pelo demos israelense. O resultado disso é que não há nação israelense. NAÇÃO JUDAICAIsrael não tem uma identidade que transcenda as unidades subnacionais da etnia e da religião, que possa unir todos os cidadãos enquanto membros iguais de um Estado partilhado com um destino conjunto a ser atingido por meio de objetivos comuns. A natureza fragmentária da sociedade israelense vai além da divergência e do debate que são inerentes a uma democracia saudável. Normalmente, as instabilidades internas de um país são um problema doméstico. Mas no caso de Israel se aproximam imensas decisões que exigirão o consenso nacional e afetarão a composição futura do país. Não está em questão apenas o relacionamento entre judeus e árabes de Israel, mas também entre o religioso e o secular, entre os sabra (judeus nascidos em Israel) e os imigrantes. Para que haja paz entre Israel e seus vizinhos, o país tem primeiro de firmar uma paz consigo mesmo. Trata-se de um processo difícil e há muito adiado, mas eis aqui três objetivos pelos quais os israelenses devem trabalhar para atingir a identidade israelense: 1 - A obrigatoriedade universal do serviço militar pode ser o objetivo mais fácil de atingir. O alistamento de árabes no Exército israelense alcançou, no ano passado, seu ponto mais alto em todos os tempos (embora ainda permaneça na casa das centenas), e o Parlamento israelense está considerando a imposição do serviço civil aos árabes, como ocorre aos judeus. Ninguém deve esperar que um número substancial de árabes se aliste em um Exército que é ocasionalmente convocado a combater suas famílias nos territórios ocupados e nos países vizinhos. Mas faz sentido servir à própria comunidade em Israel por meio do serviço civil. Num país que valoriza o sacrifício altruísta, os árabes estariam em melhor posição para exigir tratamento igual. 2 - É essencial que haja um único sistema de educação para todos. Atualmente, três grupos de cidadãos frequentam três tipos de escolas que lecionam três tipos diferentes de currículo. A maioria, composta por judeus seculares, se matricula nas escolas públicas. Os judeus religiosos podem estudar em escolas religiosas financiadas pelo governo. Os árabes, bastante prejudicados neste sentido, frequentam escolas que lecionam no idioma árabe e são pautadas pela história árabe. Como pode uma sociedade forjar sua identidade a partir de crianças que crescem com entendimentos diferentes do que o seu país representa? Como podem os cidadãos aprender a viver juntos quando são educados num ambiente segregacionista? 3 - A ausência de uma Constituição é a deficiência mais evidente da democracia israelense. Sem tal documento, o país se baseia num punhado de leis fundamentais que desfrutam de status semiconstitucional. Israel precisa ratificar uma Constituição que sacramente a igualdade de direitos e de proteção para todos os cidadãos; reconheça os árabes-israelenses enquanto a coletividade minoritária; separe a religião do Estado, mas preserve o caráter judaico do país. Uma Constituição é mais do que um conjunto de leis. É o símbolo máximo da união nacional. Ninguém pode estar acima dela e nem ser esquecido por ela. Lidar com a identidade israelense - ou a ausência dela - pode por si só dividir o país, e é esta a razão pela qual nenhum líder israelense enveredou por este caminho. Atacar extremistas estrangeiros sempre foi preferível a enfrentar seus próprios cidadãos. Ainda assim, garantir a condição israelense de Estado é essencial se o país deve dialogar em uma única voz com uma nação de palestinos, e se pretende se salvar de ser engolido pela maioria regional ou de ter de tomar medidas drásticas e imorais para evitar que isso aconteça. *Bill Glucroft é escritor e jornalista
A luta de Israel pela identidade nacional
Bill Glucroft*
A guerra acabou. Israel pode muito bem ter “vencido” o Hamas. Mas Israel acaba perdendo, no final, ao se concentrar novamente nas ameaças externas, em vez de dar atenção aos fracassos internos. Tais fracassos quase não foram abordados durante décadas, e estão levando Israel a um ponto crítico que se pode mostrar, para a existência do país, um risco maior do que qualquer ameaça feita por Hamas, Hezbollah ou Irã. Se não surgir num futuro próximo um Estado palestino, a maioria das pessoas concorda que veremos o surgimento de um único Estado binacional - na prática, Israel já é isso. Um quinto da população do país é constituído por árabes-israelenses - 1,4 milhão de cidadãos, um número que segue aumentando. Eles são os descendentes de 160 mil árabes que não se tornaram refugiados em 1948-49 e tiveram a cidadania imposta a eles pelo novo Estado judaico - diferentemente dos outros 800 mil que fugiram da região definida pelas novas fronteiras. A democracia implica no sufrágio universal, num Judiciário independente e numa cultura que valoriza a expressão. Israel enquadra-se nesses quesitos. A democracia também implica na coincidência entre cidadania e nacionalidade. Não é o que se observa em Israel. A democracia israelense é étnica. Para fazer parte da coletividade, o cidadão deve ser parte da nação judaica, algo que a lei civil não pode estender aos membros na nação árabe, apesar de eles serem aparentemente cidadãos iguais. Conforme escreveu Yoav Peled, um dos mais destacados pensadores das relações entre árabes e israelenses, Israel é governado pelo ethnos judaico, e não pelo demos israelense. O resultado disso é que não há nação israelense. NAÇÃO JUDAICAIsrael não tem uma identidade que transcenda as unidades subnacionais da etnia e da religião, que possa unir todos os cidadãos enquanto membros iguais de um Estado partilhado com um destino conjunto a ser atingido por meio de objetivos comuns. A natureza fragmentária da sociedade israelense vai além da divergência e do debate que são inerentes a uma democracia saudável. Normalmente, as instabilidades internas de um país são um problema doméstico. Mas no caso de Israel se aproximam imensas decisões que exigirão o consenso nacional e afetarão a composição futura do país. Não está em questão apenas o relacionamento entre judeus e árabes de Israel, mas também entre o religioso e o secular, entre os sabra (judeus nascidos em Israel) e os imigrantes. Para que haja paz entre Israel e seus vizinhos, o país tem primeiro de firmar uma paz consigo mesmo. Trata-se de um processo difícil e há muito adiado, mas eis aqui três objetivos pelos quais os israelenses devem trabalhar para atingir a identidade israelense: 1 - A obrigatoriedade universal do serviço militar pode ser o objetivo mais fácil de atingir. O alistamento de árabes no Exército israelense alcançou, no ano passado, seu ponto mais alto em todos os tempos (embora ainda permaneça na casa das centenas), e o Parlamento israelense está considerando a imposição do serviço civil aos árabes, como ocorre aos judeus. Ninguém deve esperar que um número substancial de árabes se aliste em um Exército que é ocasionalmente convocado a combater suas famílias nos territórios ocupados e nos países vizinhos. Mas faz sentido servir à própria comunidade em Israel por meio do serviço civil. Num país que valoriza o sacrifício altruísta, os árabes estariam em melhor posição para exigir tratamento igual. 2 - É essencial que haja um único sistema de educação para todos. Atualmente, três grupos de cidadãos frequentam três tipos de escolas que lecionam três tipos diferentes de currículo. A maioria, composta por judeus seculares, se matricula nas escolas públicas. Os judeus religiosos podem estudar em escolas religiosas financiadas pelo governo. Os árabes, bastante prejudicados neste sentido, frequentam escolas que lecionam no idioma árabe e são pautadas pela história árabe. Como pode uma sociedade forjar sua identidade a partir de crianças que crescem com entendimentos diferentes do que o seu país representa? Como podem os cidadãos aprender a viver juntos quando são educados num ambiente segregacionista? 3 - A ausência de uma Constituição é a deficiência mais evidente da democracia israelense. Sem tal documento, o país se baseia num punhado de leis fundamentais que desfrutam de status semiconstitucional. Israel precisa ratificar uma Constituição que sacramente a igualdade de direitos e de proteção para todos os cidadãos; reconheça os árabes-israelenses enquanto a coletividade minoritária; separe a religião do Estado, mas preserve o caráter judaico do país. Uma Constituição é mais do que um conjunto de leis. É o símbolo máximo da união nacional. Ninguém pode estar acima dela e nem ser esquecido por ela. Lidar com a identidade israelense - ou a ausência dela - pode por si só dividir o país, e é esta a razão pela qual nenhum líder israelense enveredou por este caminho. Atacar extremistas estrangeiros sempre foi preferível a enfrentar seus próprios cidadãos. Ainda assim, garantir a condição israelense de Estado é essencial se o país deve dialogar em uma única voz com uma nação de palestinos, e se pretende se salvar de ser engolido pela maioria regional ou de ter de tomar medidas drásticas e imorais para evitar que isso aconteça. *Bill Glucroft é escritor e jornalista