15 de mayo de 2018
Como provar a existência do inferno?
A pergunta em epígrafe foi respondida pelo Mons. José Luiz Villac e publicada na Revista Catolicismo deste mês (Nº 809, maio/2018). Aqui a reproduzimos para conhecimento de nossos leitores, uma vez que tal questão foi muito discutida em altas cúpulas no mês anterior.
Pergunta — Numa conversa com familiares e amigos, discutimos a existência do Inferno e o fim dos condenados. Os incrédulos diziam que o Inferno não existe, e que os padres inventaram isso para meter medo na gente. O que mais me surpreendeu foi alguns dos que frequentam a paróquia afirmarem que o Inferno é contrário à misericórdia infinita de Deus; e se de fato ele existe, em algum momento Deus vai livrar todos os que estão lá; ou então já não há ninguém lá. Meus conhecimentos doutrinários foram insuficientes para sustentar com segurança a existência do Inferno, e também que ele é eterno. O senhor poderia ilustrar-me com os ensinamentos seguros da Igreja a respeito?
Resposta — Entre as perguntas recebidas, escolhi esta para responder, porque alguns leitores podem ter ficado desorientados com as notícias veiculadas pela mídia, segundo as quais o Papa Francisco, pela terceira vez, teria dito a Eugenio Scalfari, fundador do jornal italiano “La Repubblica”, que no fim do mundo as pessoas boas gozarão da visão de Deus, mas as ruins voltarão para o nada. O Vaticano limitou-se a desmentir que as afirmações atribuídas ao pontífice tenham sido exatamente aquelas publicadas pelo jornal, mas não desmentiu ter havido essa conversa, nem deu nenhum esclarecimento sobre o que o Papa teria realmente dito a Scalfari, um ateu contumaz. Para dissipar a confusão criada por esse episódio, convém relembrar o que a fé nos ensina sobre a existência do Inferno, sua eternidade e as penas que lá se sofrem.
Cumpre primeiramente lembrar que a razão e o senso de justiça indicam que o bem deve ser premiado, e o mal deve ser castigado. Até mesmo muitos povos pagãos acreditam na existência de um castigo eterno para os maus. No entanto, a prova da existência do Inferno não nos é dada pela razão, mas pela Revelação divina.
O Antigo Testamento contém inicialmente poucas precisões sobre o castigo reservado, após a morte, aos maus que voltaram as costas para Deus. O Livro de Judith diz, em relação às nações que se insurgiram contra Ele, que “no dia do juízo as punirá o Senhor todo-poderoso: entregará as suas carnes aos vermes e ao fogo, e hão de chorar eterna dor” (Jud. 16, 17). O profeta Daniel afirma que “muitos daqueles que dormem no pó da terra despertarão, uns para uma vida eterna, outros para a ignomínia, a infâmia eterna” (Dan. 12, 2). E São João Batista pregava ao povo, às margens do Jordão, que Aquele que viria depois dele “tem na mão a pá, limpará sua eira e recolherá o trigo ao celeiro. As palhas, porém, queimá-las-á num fogo inextinguível” (Mt 3, 12).
O Juízo Final – O castigo do avarento (detalhe)
Bellegambe (1520 – 1525). Gemäldegalerie, Berlim.
Nosso Senhor Jesus Cristo confirmou solenemente essa verdade em inúmeras ocasiões. Chamou o Inferno de “fogo da geena” (Mt 5, 22), aludindo a um vale em torno da cidade antiga de Jerusalém, onde o lixo era incinerado; e também chamou-o de “geena do fogo inextinguível, onde o seu verme não morre e o fogo não se apaga” (Mc 9, 45-46); recomendou o temor de Deus, que “depois de tirar a vida, tem o poder para lançar no Inferno” (Lc 12, 5); mandou-nos temer “antes aquele que pode mandar para a perdição a alma e o corpo, na geena” (Mt 10, 28); acusou os escribas e fariseus de “correr o mar e a terra para fazer um prosélito, e depois de feito, torná-lo filho do Inferno, duas vezes mais do que vós” (Mt 23, 15); e depois de qualificá-los como “raça de víboras”, perguntou: “Como podereis escapar à condenação do inferno?” (Mt 23, 33).
A respeito do estado de castigo dos condenados no Inferno, Jesus disse ainda que “ali haverá choro e ranger de dentes” (Lc 13, 28); na parábola em que repreende o conviva que se apresentou sem o traje nupcial, mandou os servidores “atar os pés e mãos e lançá-lo fora nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes” (Mt 22, 13 e 25, 30); referindo-se a Judas, lamentou diante de Deus o “filho da perdição” (Jo 17,12); mandou-nos entrar “pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçosa a via que leva à perdição” (Mt 7, 13); sobre o destino do rico glutão, afirma que ele se encontrava “no Inferno, imerso em tormentos” (Lc 16, 23). O Divino Salvador disse também que no Inferno os tormentos são desiguais: aquele que conscientemente desobedeceu “será açoitado com numerosos golpes”, mas aquele que, “ignorando a vontade de seu senhor, fizer coisas repreensíveis, será açoitado com poucos golpes” (Lc 12, 47-48); e sobre a cidade que recusar os que Ele enviou em missão, afirmou que “no dia do juízo haverá mais indulgência com Sodoma e Gomorra do que com aquela cidade” (Mt 10, 15).
O ensinamento de São Paulo é claro e simples: “Cada um que comparecer diante do tribunal de Cristo receberá o que mereceu por tudo o que fez durante a vida, quer de bem, quer de mal” (2 Cor 5, 10). Os obstinados e de coração impenitente terão acumulado contra eles a ira “para o dia da cólera e da revelação do justo juízo de Deus, que retribuirá a cada qual segundo as suas obras” (Rom. 2, 5-6); “tribulação e angústia sobrevirão a todo aquele que pratica o mal” (Rom 2, 9). Jesus “descerá do Céu com os mensageiros do seu poder, entre chamas de fogo, para fazer justiça àqueles que não reconhecem a Deus”; e estes “sofrerão como castigo a perdição eterna, longe da face do Senhor e da sua suprema glória” (2 Tess 1, 7-9).
Tanto a existência quanto a eternidade do Inferno são dogmas de fé. O IV Concílio de Latrão declarou que os maus “receberão o castigo eterno (pœnam perpetuam) com o diabo” (Denz.-Hün. 801) e o Concílio de Trento supõe que o castigo é eterno (pœna eterna) (S. 6 c. 25).
Assim como no pecado mortal há uma motivação dupla — a aversão de Deus, nosso fim último, associada ao apego às criaturas —, assim também no Inferno há uma dupla pena: a primeira negativa, e a segunda positiva.
A primeira, principal e negativa, é a pena de dano, que consiste na privação eterna da visão de Deus: “Retirai-vos de mim, malditos!” (Mt. 25, 41), dirá o Senhor aos réprobos. Essa condenação é o maior tormento do Inferno, pois quanto maior é o valor do bem perdido, maior é a dor por sua perda. Afirma Santo Afonso Maria de Ligório que, tendo os réprobos perdido o Bem infinito, sua pena é de algum modo infinita. Os bramidos de Esaú por ter perdido a primogenitura (Gn 27, 34) são uma pálida imagem da raiva dos condenados pela perda da visão de Deus. Além do mais, os réprobos também estão excluídos do convívio com os bem-aventurados. Talvez os vejam, como o rico Epulão via o mendigo Lázaro da parábola (Lc 16, 19-31), não para seu gozo, mas para aumentar seu tormento. Em lugar desse convívio afetuoso, eles terão que conviver eternamente com os demônios e com os outros réprobos, que os odeiam e aumentam seus tormentos com todo tipo de agressões.
O jesuíta italiano do século XVI, Pe. Lucas Pinelli comenta: “Assim como é verdadeiríssimo que a alma incorpórea se une ao corpo humano e lhe comunica a vida, mas como ocorre essa união ninguém pode sabê-lo, assim também é conforme à verdade que a alma unida com o fogo é queimada e atormentada por ele, ainda que se ignore o modo como isso se dá”. Por que não poderia o Deus todo-poderoso excitar na alma humana depois da morte, mesmo antes da ressurreição dos corpos para o Juízo Final, aquelas dores que padeceria pelo fogo quando estava unida ao corpo?
O fogo do Inferno é considerado por São Gregório como um fogo corporal, mas de um gênero particular, porque é físico mas tortura também a alma, queima sem consumir, ilumina e aquece, porém sem impedir as trevas e o ranger de dentes causado pelo frio extremo.
Finalmente, os réprobos sofrem a pena do remorso da consciência e do desespero, por terem trocado a felicidade eterna por um bem transitório, somado à vergonha de verem todas as suas maldades reveladas e eles se terem tornado os últimos da humanidade, quando na Terra muitos deles estavam entre os primeiros.
Quem vai para o Inferno? Contrariamente ao que supõem erradamente os calvinistas, ninguém é predestinado para esse castigo eterno. O Catecismo da Igreja Católica (§1037) é muito claro a esse respeito: “Deus não predestina ninguém para o Inferno; para isso é preciso uma aversão voluntária a Deus (um pecado mortal) e persistir nela até o fim. Na Liturgia Eucarística e nas orações cotidianas de seus fiéis, a Igreja implora a misericórdia de Deus, que quer ‘que ninguém se perca, mas que todos venham a converter-se’” (2 Pd 3,9). Ou seja, vão para o Inferno somente aqueles que voluntariamente morrem em estado de pecado mortal sem contrição.
A ideia de que o Inferno existe e é eterno, mas está ou ficará vazio, é um erro muito antigo, já difundido na época de Santo Agostinho, com frequência acenando com a alegação de que o inferno é contrário à misericórdia de Deus. Os adeptos desses erros eram por isso chamados “misericordiosos”. É natural que os argumentos desses autores eclesiásticos anônimos, que contestavam a eternidade das penas do Inferno, servissem de refúgio e autoengano a muitos cuja consciência não estivesse tranquila, daí se poder esperar que essas teorias encontrassem larga audiência.
São Gregório Magno foi o Padre da Igreja que tratou de modo mais completo das questões escatológicas, incluído o Inferno. Ele replicava, junto com Santo Agostinho, que se o Inferno tem um termo final, então o Céu também deveria ter um. Porque se a ameaça não é verdadeira, então a promessa também não o é. E se a “falsa ameaça” não tem outra finalidade senão afastar as pessoas do mal, então a “falsa promessa” não teria outra finalidade senão atrair os bons para o bem. Como ninguém pode aceitar essa segunda afirmação, logo é preciso rejeitar a primeira e repetir, com a Igreja, que o Inferno é realmente eterno.
Nessa “misericórdia”, que fecha os olhos à justiça de Deus, ainda acreditam muitos “misericordiosos” modernos. Autores com tais posições podem argumentar com muitos textos das Sagradas Escrituras sobre a misericórdia de Deus, mas se esquecem de que tais textos se referem à vida presente, quando ainda há espaço para o arrependimento e o perdão, portanto não são absolutos. Do contrário, significariam a demolição do Juízo e de seus efeitos. Deus disse claramente pelos lábios de São Paulo: “Não vos enganeis: nem os impuros, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os devassos, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os difamadores, nem os assaltantes hão de possuir o Reino de Deus” (1 Cor 6, 9). E ainda: “Sabei-o bem: nenhum dissoluto, ou impuro, ou avarento — verdadeiros idólatras! — terá herança no Reino de Cristo e de Deus. E ninguém vos seduza com vãos discursos. Estes são os pecados que atraem a ira de Deus sobre os rebeldes” (Ef 5, 5).
Pensar muitas vezes no Inferno é um excelente instrumento para nos afastar do mal e do pecado. São Bernardo nos aconselha a descer muitas vezes em vida ao inferno, para não termos de ir para lá após a morte. E Nossa Senhora não hesitou em mostrar o Inferno aos três pastorinhos de Fátima, que na época das aparições tinham respectivamente 10, 8 e 7 anos! Se nossa consciência nos acusa de alguma falta grave, façamos o propósito firme de nos confessar na primeira oportunidade, confiando sempre no Coração materno d’Aquela que é invocada pela Igreja como Refúgio dos Pecadores.
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