Folha de S. Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 2011
A questão judaica
Luiz Felipe Pondé
Estou em Jerusalém. Sou a favor do Estado palestino, mas acho que uma das coisas mais inúteis entre nós é discutir o problema israelo-palestino. Falta informação. Quando um ministro israelense disse que Lula deveria estudar a história do conflito antes de se meter, não era piada. A mídia tem claro viés contra Israel. Fotos de palestinos em sangue após ataques de Israel abundam, mas fotos de israelenses em pedaços nos inúmeros ataques ou mísseis lançados contra o Estado Judeu nos últimos anos raramente são vistas. Muita gente nada sabe da história do conflito, mas tem uma certeza pétrea contra Israel. De onde vem essa fúria? Da velha "questão judaica" (o habito de ver os judeus como "causa" dos problemas)?
Nada sabe sobre o fato de que as fronteiras de Israel não são minimamente seguras e que a paz armada que aqui existe é devido ao gigantesco poder militar superior de Israel sobre os países árabes e muçulmanos da região e à paranoia da segurança vigiada contínua. Separar a questão palestina da ameaça iraniana é coisa de quem não entende nada do assunto ou é ideológico. Se países e terroristas muçulmanos não destroem Israel é porque não podem, e não porque não querem. Poucos grupos palestinos estão dispostos a negociar reconhecendo a existência de Israel. Muitos continuam com a antiga política de "judeus ao mar".
O argumento da insegurança geopolítica de Israel é fato real, mesmo que muitos especialistas se recusem a levar em conta por razões ideológicas. Este argumento é usado por grupos israelenses radicais contra as negociações. E por isso esses radicais ganham força para criar colônias na Cisjordânia. Muitos israelenses são a favor da fundação do Estado Palestino, mesmo sabendo que nem por isso os ganhos geopolíticos serão imediatos. O problema israelo-palestino é um problema israelo-árabe-mulçumano. A origem foi a recusa dos países árabes em aceitar a fundação do Estado de Israel em 1948 e a guerra a ele declarada em seguida. A manchete do "New York Times" de 15 de maio de 1948 falava da decisão egípcia de invadir Israel.
Esses países nunca estiveram interessados num Estado dos árabes (hoje denominados "palestinos"), que viviam na parte designada para eles na "partilha da Palestina", feita pelos ingleses que eram donos da terra. Mesmo o fato de que jamais existiu nos últimos 3.000 anos qualquer unidade política autônoma aqui, a não ser o reino judeu, é desconhecido por muita gente boa. A região era chamada de Judeia (como assim o foi por milênios) e apenas os romanos, no século 2 d.E.C., passaram a usar o nome "Palestina" como parte da dissolução do reino judeu.
A vinda dos judeus europeus no século XX para cá foi motivada (além do nazismo) justamente por esta continuidade histórica comprovada e interrompida desde a destruição pelos romanos do reino israelita no início da Era Cristã. Continuidade nunca perdida, como comprova a "oração" judaica: "Este ano aqui, ano que vem em Jerusalém". Dizer que os palestinos seriam os filisteus é semelhante a dizer que os europeus são neandertais porque estes viviam lá 50 mil anos atrás. Não há nenhuma continuidade arqueológica ou cultural que comprove a relação filisteus-palestinos, ao contrário da continuidade israelita antiga e moderna, sobre a qual, aliás, se sustenta grande parte da cultura ocidental.
A hipótese do historiador israelense "pós-sionista" Shlomo Sand, que nega a continuidade judaica, está longe de ser hegemônica, mas vale a pena ler "A Invenção do Povo Judeu", ed. Benvirá, apesar do viés anti-Israel do autor. Será que em algum país árabe ou no Irã alguém poderia escrever um livro "contra si mesmo"? Quase sempre quem critica Israel são pessoas com motivações ideológicas que identificam na questão uma causa contra o imperialismo judaico ou americano. Ou "pior": a convergência entre o atávico antissemitismo e o sentimento anti-Israel é óbvia e se comprova em falas ainda atuais como "Israel só existe por conta da grana dos judeus americanos que mandam nos EUA". A velha "questão judaica" não acabou.
* Luiz Felipe Pondé é filósofo, professor da Faap e da PUC, em São Paulo
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