Plinio Corrêa de Oliveira
A cerimônia do Lavapés na Corte
de Alfonso XIII, Rei da Espanha
"Santo do Dia", 25 de novembro de 1992
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A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
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Hoje comentaremos um texto muito interessante: a cerimônia do lavapés na antiga monarquia espanhola, o que fará sentir bem aos Srs. qual é o verdadeiro sentido da nobreza.
O texto será distribuído agora a todos os Srs., e depois, durante a leitura, vamos fazer alguns comentários.
• A exemplo de Nosso Senhor, esta cerimônia é o contrário do pretenso desdém que Reis e a nobreza teriam pelos pobres
O que será lido é o contrário da idéia comum que a Revolução procura espalhar entre as pessoas de pouca cultura a respeito do pretenso orgulho dos Reis e da nobreza em geral, bem como o desdém que teriam tido em relação aos pobres.
Pelo contrário, na Corte de Espanha se realizava uma cerimônia litúrgica de lavapés de mendigos. O próprio Rei lavava os pés dos mendigos.
Os Srs. verão como é que se passava isto. É muito explicitativo.
Então os Srs. podem começar a leitura.
• A cerimônia do Lavapés, iniciada por São Fernando III
Sublimidade, Humildade e Serviço refletidos em uma cerimônia multissecular: os Reis, secundados por Grandes de Espanha, lavam os pés de mendigos na Quinta-feira Santa, e lhes servem à mesa
Trechos extraídos do livro “Alfonso XIII”, escrito por S.A.R. a Princesa Pilar de Baviera e o Comandante Desmond Chapman-Huston (Editorial Juventud S.A., Barcelona, 1959, pp. 243 a 249)
São Fernando, o conquistador de Sevilha, que deixou tudo pronto para que a conquista de Granada fosse como o pulo de um gato sobre um pássaro, foi quem iniciou este tipo de cerimônia.
Notem: é um Grande de Espanha, a mais alta categoria de espanhóis.
Oscula o pé do mendigo, hein!
Notem bem: o Rei, passando de um pobre para outro, desloca-se de joelhos.
• Perfeito equilíbrio: o Rei, que chega ao último ato de humildade, tem um Grande de Espanha que o serve no mesmo ato
É muito bonito o equilíbrio, porque o Rei chega ao último ato da humildade: oscular os pés descalços, muitas vezes doentes e repugnantes, dos pobres a quem ele vai servir, lembrando o excelso exemplo de Nosso Senhor.
De outro lado, o cerimonial não perde de vista que ele é o Rei. Então, enquanto o Rei oscula e seca os pés do mendigo, já está tudo previsto para que outros lhe calcem as meias e os sapatos. Dando a entender, assim, que o Rei não deixa de ser o Rei e que ele tem quem o sirva.
Este que ajuda o Rei é também um Grande de Espanha, o qual, seguindo o exemplo do Rei, também serve o pobre vestindo-lhe as meias e os sapatos.
• Na antiga e católica Espanha, o pobre era tratado com dignidade por ser igual – como homem e católico – ao rico. O contrário disso é a mentalidade de um “grande de Hollywood”...
Está muito bem formulado isto no seguinte sentido: é o contrário da mentalidade “hollywoodiana” enquanto aplicada a negócios.
Segundo a mentalidade “hollywoodiana”, a finalidade da vida é gozá-la. O meio para gozá-la é ter dinheiro. E, portanto, o meio de ter dinheiro é aplicar a vida no business, em certo gênero de trabalho que fazem com que de um modo rápido e lucrativo a pessoa, em pouco tempo, faça bastante dinheiro e fique muito rica.
Estes são os bem sucedidos da vida e são – se os Srs. quiserem – não os Grandes de Espanha, mas os “grandes de Hollywood”. Segundo a mentalidade Hollywood, esses são os “grandes”...
Ora, na Espanha, naquele tempo muito mais imbuída de Civilização Cristã do que, infelizmente, hoje, o modo de considerar o pobre era inteiramente diferente.
Há o pobre. O pobre pode ser um fracassado. Tentou fazer fortuna, mas as circunstâncias infelizes lhe impediram de obtê-la. Ele continua, como pobre, objeto de atenções especiais.
Por exemplo, a um mendigo que pede dinheiro, não se passa diante dele sem dizer-lhe algo. Não se tendo dinheiro no momento, é preciso, pelo menos, dizer ao mendigo uma palavra amável, um pedido de desculpa, algo assim. Pois é uma criatura humana e tem todos os direitos a ela devidos. Mostrando a miséria em que se acha e pedindo auxílio, é próprio à natureza humana que o pobre tenha direito de que um outro que seja mais provido do que ele – mas que enquanto natureza humana, são iguais, enquanto católicos são iguais –, esse homem olha para o que não dispõe de meios de se manter e lhe diga uma palavra amável, a fim de dar a entender que respeita nele o filho de Deus.
Os Srs. compreendem como isso dignifica a condição humana. Mas como também tem um valor muito importante no sentido de fazer imbuir as pessoas de que a finalidade da vida não é ganhar dinheiro, mas ser digno. E que essa dignidade um pobre miserável pode ter perfeitamente. Por causa disso, é perfeitamente normal e obrigatório que uma pessoa, que faça um pedido de esmola, receba um tratamento cortês e gentil.
Ora, isto não é conforme a psicologia “hollywoodiana”. Segundo esta, se um homem fez dinheiro no business, ele tem direito a tudo e não tem que responder a um miserável fracassado, que é “cretino”, que não sabe fazer negócio, que não sabe ganhar dinheiro e que, portanto, é “desprezível”.
Depois, há o aspecto do corre-corre no estilo holywoodiano. O homem do business está sempre correndo atrás do dinheiro, porque time is money – o tempo é dinheiro – e deter-se para dizer uma palavrinha, para conversar com um infeliz desses, para dizer simplesmente “boa tarde”, “que Nossa Senhora o ajude”, qualquer coisa assim, é uma gota de ouro porque é uma gota de tempo que se perde com esse homem... Então vamos para frente! Vamos para frente! É preciso correr!...
São duas concepções completamente diferentes.
• Os revolucionários, que deveriam detestar mais a atitude “hollywoodiana”, odeiam a cerimônia espanhola, por ser muito bela
O curioso é que os revolucionários odeiam mais essa cerimônia do que odeiam a atitude “hollywoodiana”. Entretanto, essa atitude “hollywoodiana” é muito mais contrária ao igualitarismo revolucionário do que essa cerimônia aqui. Por que? A cerimônia aqui descrita é bela e o espírito revolucionário detesta o belo. Ela constitui um profundo, um espantoso, um até desconcertante ato de humildade, de tão profundo que é, de tão marcado que é. Mas é natural isto, pois se trata de imitar a Nosso Senhor, que deixou os seus próprios Apóstolos pasmos com o que Ele fazia. Eles aceitaram porque viram que Nosso Senhor estava impondo – com altíssimas finalidades que todo mundo conhece.
• É próprio da grandeza e do espírito cavalheiresco humilhar-se diante da dor e da desventura
Os Srs. estão vendo que o ar de grandeza e de corte que eram empregados nessa cerimônia, visava precisamente fazer entender que, por maiores que fossem aqueles homens que iam lavar os pés dos mendigos, numa perspectiva do Evangelho e do exemplo dado por Nosso Senhor, eles – naquela grandeza, sem perder aquela grandeza, pelo contrário, revestidos dela – deveriam fazer atos de profunda humildade. Porque é próprio da grandeza humilhar-se diante da dor, humilhar-se diante da desventura. Isso faz parte do espírito cavalheiresco.
Desta maneira, a verdadeira tradição católica estabelece um equilíbrio, que é difícil de imaginar como fruto fora da Civilização Católica, mas que por isso mesmo eu desejei que os Srs. lessem.
• Reuniões especiais para se compreender a Civilização Cristã do passado
Fica aqui estabelecido o seguinte: o que todos os Srs. que estão aqui presentes lerem no sentido de cerimônias como essa e que acharem interessante, podem me encaminhar, porque aproveitarei uma sessão especial de alguma noite por semana exclusivamente para tomar essas cenas e essas coisas para fazer compreender a Civilização Cristã do passado. [Palmas]
• Terminado o ato de humildade, as coisas voltam ao seu natural: o Rei e a Rainha lavam as mãos em vasos de ouro
Os Srs. vejam que coisa bonita: depois de terem lavado os pés dos mendigos, eles lavam as mãos – é natural –, mas em vasos de ouro. Porque a realeza é a realeza.
• Grandes de Espanha acompanham os mendigos até a mesa de refeição
É uma mesa para refeição. Considerem a beleza da cena. Então, para levar esses pobres para a mesa preparada para eles, há um Grande ou uma Grande de Espanha para acompanhar.
Os Srs. observaram que vários eram até cegos, tinham necessidade, portanto, desse acompanhamento. Mas então é o Grande de Espanha que serve de guia para o pequeno, e vão juntos até à mesa do banquete...
• A refeição é servida pelo Rei, aos homens, e pela Rainha, às mulheres
Sempre a separação dos sexos.
O Rei começa por servir de copeiro, pondo os pratos diante dos mendigos.
O que comentar?...
• Copeiro eficaz e amável, Sua Majestade Católica, o Rei de todas as Espanhas!
O que significa a palavra “pictórica”? O que merece ser pintado. No caso concreto, é uma cerimônia tão bonita que valeira a pena ser retratada.
Se nós tivéssemos um grande quadro dessa cerimônia, por exemplo, para pôr numa dessas paredes do auditório, que maravilha seria!
• O Rei e a Rainha se despedem com reverências: é a afabilidade dos que têm uma alta categoria
É outro aspecto a ser registrado: o Rei e a Rainha se inclinam diante de pessoas menores do que eles – os diplomatas etc. são muito menos do que eles. É a afabilidade dos grandes, a afabilidade dos que têm uma alta categoria. O que se encaixa dentro de muitos dos textos de Pio XII e que os Srs. encontram no livro Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao patriciado e à nobreza romana.
• No extremo oposto à cerimônia espanhola está o igualitarismo “hollywoodiano”
Bem, no extremo oposto os Srs. têm a cerimônia de posse de um Presidente dos Estados Unidos (ver, por exemplo, a descrição feita no artigo As cerimônias da posse de Eisenhower à luz da doutrina católica,“Catolicismo”, N° 27, março de 1953).
• Afonso XIII, o arquétipo do homem fino
Falta alguma coisa a Afonso XIII?
É pena eu não me ter lembrado de fazer aqui uma projeção com a figura de Afonso XIII, para os Srs. terem bem em mente o tipo humano que representava.
Ele era o arquétipo do homem fino, do homem aristocrático. Era esguio, alto, magro. Não um homem assim pré-tuberculoso, nada disso, um homem forte. Muito esguio, muito magro, muito elegante, usando um bigodezinho, penteado e arranjado com a última delicadeza, asseio naturalmente em toda a sua pessoa. Modelo de elegância, quer quando usava uniforme, quer quando portava roupa civil comum.
Nas ruas de Paris – ele ia muito à França –, era muito aclamado pelo tipo humano que representava. Na a capital da república francesa, na cidade onde Luís XVI e Maria Antonieta haviam sido decapitados, ele, que se chamava Afonso de Bourbon e Habsburg – Bourbon por causa do pai; Habsburg por parte de mãe –, era aclamado pelas multidões.
• A corajosa atitude de Afonso XIII, no atentado à carruagem real, instantes após seu casamento
Faltava alguma coisa a ele? Sim, e isto não está negado nas alocuções de Pio XII... Afonso XIII foi um homem de coragem?
Ele só correu risco pessoal numa ocasião de sua vida. Foi por ocasião de seu casamento com a Rainha Vitória Eugênia de Battenberg. Os Battenberg constituíam uma pequena Casa principesca alemã que a Rainha Vitória da Inglaterra apoiava muito. A Inglaterra nesse tempo intervinha nas coisas portuguesas e espanholas de um modo desagradável.
Houve a cerimônia do casamento real e a carruagem dourada em que estavam ele e com a esposa, voltava da Igreja, quando na proximidade do palácio real houve um atentado anarquista, tendo sido lançada uma bomba de dinamite que matou algumas pessoas, mas que de fato era destinada a matar o Rei e a Rainha.
No meio do estampido todo, com a surpresa e a indignação que o fato causou à população, ele imediatamente pulou do carro, tirou o quepe e, com o perigo de ser alvejado de novo, bradou: “Arriba España!”Para dar a entender que ele não se dobrava, que não tinha medo e que ele ia para frente.
• Faltava a Alfonso XIII o pulso firme, próprio do tipo humano do Rei
Este seu gesto é muito bonito, mas não basta. Era preciso que o povo sentisse nas suas ações subseqüentes, que ele agiria – por meio de uma pena, que poderia inclusive ser a pena de morte – contra o crime que se cometera.
Esse lado punitivo contra o crime, contra a injustiça, junto com a prática da verdadeira humildade, constitui o tipo humano do nobre, do tipo humano do Rei, que é o nobre dos nobres.
Eu fixo o que disse: eu quis mostrar o que faltava ao tipo humano de Afonso XIII. Seu tipo humano tinha muito de perfeito, de admirável, de extraordinário, mas faltava aquele pulso.
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17 de abril de 2014
A cerimônia do Lavapés na Corte de Alfonso XIII, Rei da Espanha
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