01.03.2014
|06h50m
http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2014/03/01/amos-oz-um-cetico-na-terra-dos-profetas-526169.asp
Escritor israelense lança livro sobre a solidão e defende convivência com os palestinos como única saída para conflitos em sua terra natal
Por Daniela Kresch, especial para O GLOBO de Tel Aviv
No livro autobiográfico “De amor e trevas” (2002), traduzido para 28 línguas e com mais de 1 milhão de cópias vendidas pelo mundo (e que se tornará filme sob direção da atriz americana Natalie Portman), o escritor israelense Amós Oz, de 75 anos, relembra sua infância em Jerusalém e sua adolescência num kibutz, uma comunidade coletiva onde acabou morando por 30 anos. Uma década depois, em “Entre amigos”, seu mais recente livro, lançado agora em português, Oz volta a falar da complexidade do kibutz. Seu foco é a solidão da vida em grupo, um paradoxo que, segundo ele, faz parte do cotidiano dos 270 kibutzim que existem ainda hoje em Israel — a maioria sem os valores socialistas de um século atrás.
Mas a busca pela compaixão e pelo contato com outros seres humanos é, segundo Oz, uma condição humana universal. Na entrevista abaixo, concedida ao GLOBO por telefone, de seu apartamento em Tel Aviv — sua segunda casa, já que mora há 20 anos na cidadezinha de Arad, no deserto do Negev —, o escritor fala sobre como a boa literatura lida com a tristeza humana e serve de consolo aos leitores. Oz também comentou sua primeira entrevista ao GLOBO, há exatos 20 anos, quando demonstrava otimismo em relação à paz entre israelenses e palestinos, algo que, duas décadas depois, ainda parece distante.
O senhor costuma dizer que prefere escrever sobre tristeza do que sobre felicidade. Por quê?
Uma ponte construída e planejada como se deve, sobre a qual passam 30 mil carros e 50 mil pedestres diariamente, não é uma história. Você pode dizer “bravo” ao arquiteto e pronto. Por outro lado, uma ponte que rachou ou caiu é, aí sim, uma história. Tolstói escreve, na abertura de seu romance “Anna Karenina”, que todas as famílias felizes se parecem umas com as outras. Já famílias infelizes, são infelizes a seu modo. Eu escrevo sobre famílias infelizes.
Se é que existem famílias felizes no mundo...
Pois é, não sei se existem. Não acredito que exista uma condição de felicidade real, isso me parece kitsch. Acho que existem momentos maravilhosos, de grande alegria, de entusiasmo. Mas uma situação de “e viveram felizes para sempre” não existe.
Em “Entre amigos” a sensação é de que a maioria dos personagens se sente como outsider na sociedade do kibutz, como se fossem mundos de solidão dentro do coletivo. O kibutz é um microcosmo do mundo, para o senhor?
Na verdade esse livro não é sobre o kibutz, mas sim sobre a condição humana, os momentos simples e complexos da vida, solidão, saudades, acanhamento, renúncia, as tentativas de chegar a um contato humano, procura, desespero... Sobre essas situações universais. No kibutz, no entanto, tudo é mais agudo, mais latente, porque é uma sociedade que se propõe a acabar com a solidão sendo uma grande família. Mas numa sociedade como essa, sentimos a solidão de uma forma talvez mais profunda. Há nela um paradoxo. Pense bem: numa sociedade onde não há moças ricas ou pobres, a diferença entre a moça bonita e atraente e a moça feia e não atraente se faz ainda mais trágica. O que pode fazer a moça feia e não atraente? Ir ao Comitê da Igualdade do kibutz para reclamar?
No livro, quase todas as histórias não têm realmente um fim. A impressão que dá é que, para o senhor, conflitos ou problemas nunca terminam, nunca serão realmente superados.
Sim, acho que essa é a condição humana, e não só no kibutz. Como eu disse, uma situação de felicidade contínua só existe em Hollywood.
Mas as pessoas não podem mudar durante a vida, não podem buscar soluções?
Claro que podem, e os meus personagens mudam durante as histórias. Em “Duas mulheres” (primeiro parte de “Entre amigos”), por exemplo, quando Ariela escreve uma carta para Osnat, ela muda. Não é mais a mesma Ariela que roubou o marido dela.
Porém não deu certo para Ariela. No momento em que ela escreveu a carta e se abriu, Osnat se retraiu....
Você já viu aquele desenho no teto da Capela Sistina, no Vaticano, dos dedos que quase se tocam? É sobre isso eu escrevo, não só nesse livro, mas em outros. Os dedos quase se tocam, mas não conseguem. É uma condição humana que sempre me interessou e que todo e qualquer homem conhece. Tanto quem mora no Brasil quando quem está no fim do mundo.
Quase todos os seus livros já foram traduzidos para português. O senhor se atualiza quanto às reações no Brasil a eles?
Sim, um pouco. Sei que os meus livros são bem recebidos e que há um público cativo grande no Brasil.
Literatura pode servir como remédio para a solidão, a tristeza e a melancolia?
Sempre acreditei que a literatura nos consola. Há um poema da poetisa israelense Lea Goldberg no qual ela escreve “se você aproximar sua dor à minha, vai doer um pouco menos”. É isso que a literatura nos faz. Quando lemos livros sobre tragédias de outras pessoas, solidão de outras pessoas, nos consolamos. É o que faz a boa literatura.
O senhor ainda tem prazer em escrever?
Não. Tenho prazer quando termino de escrever. O ato de escrever em si é um trabalho pesado. Escrever é, principalmente, apagar. Para mim, esse é o segredo.
O senhor ainda escreve como fazia há 20, 30 anos?
Sim. Acordo todo dia às 5h, antes do amanhecer, dou uma caminhada, volto, tomo um copo de café e aí sento do lado da mesa e começo a perguntar a mim mesmo o que eu faria se eu fosse “ele”, se eu fosse “ela”, se eu fosse “eles”... O que eu diria, o que quereria? Do que me envergonharia, o que comeria se eu fosse outra pessoa?
O senhor relê seus livros antigos?
Não. Reler um livro que escrevi há muitos anos nunca me deixará satisfeito. Se ler e não gostar, ficarei enervado porque poderia ter escrito um pouco melhor. Se ler e gostar, ficarei mais enervado ainda porque pensarei que nunca mais vou escrever tão bem assim. Prefiro ler livros de outras pessoas.
Em 1994 o senhor deu uma entrevista ao GLOBO bem otimista em relação ao processo de paz entre israelenses e palestinos. Foi logo depois dos Acordos de Oslo (1993) e antes do assassinato do ex-primeiro-ministro Yitzhak Rabin (1995). O senhor disse que o pior já tinha passado, que os dois povos já tinham admitido que o outro existia. Vinte anos depois, no entanto, a paz ainda parece distante...
Vinte anos é muito tempo na vida de uma pessoa, mas não na História. Tanto israelenses quanto palestinos sabem que o outro povo não vai a lugar nenhum, que é preciso dividir esta terra. Nenhum deles fica feliz com essa necessidade, não vai dançar nas ruas quando a terra for dividida. Mas sabem que vai acontecer. Digo que os pacientes — os povos palestino e israelense — estão prontos para a cirurgia. Mas os médicos é que são medrosos.
E quanto ao processo de paz atual?
É muito difícil ser profeta na terra dos profetas. Há muita concorrência de profecias. Não tenho ideia do que acontece nessas negociações. Mas isso, por si só, já é um bom sinal, de que não há vazamentos para a imprensa, de que estão conversando seriamente.
Tempos atrás, o senhor era cotado para entrar na política, porém isso nunca aconteceu.
A verdade é que, se os escritores entrarem para a política, os políticos vão começar a escrever romances e será o fim da civilização como nós a conhecemos.
Todos os anos o nome do senhor aparece na lista de possíveis ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura. Se sente frustrado de nunca ter ganhado?
Já recebi na minha vida entre 30 ou 40 prêmios em todo o mundo. Já é o suficiente. Se nunca receber o Prêmio Nobel, não vou morrer um homem infeliz.
No hay comentarios:
Publicar un comentario