EUA: Antes uma forma de arte, escrita cursiva agora é um mistério
Com ascensão teclados de computadores e smartphones, morte progressiva de letras elaboradas revela desafios como a falsificação
The New York Times | 02/05/2011 08:01
Durante séculos, a escrita cursiva foi uma arte. Para um número crescente de jovens, ela é um mistério. As letras sinuosas do alfabeto cursivo, que enfeitaram inúmeras cartas de amor, importantes contratos e pôsteres acima da lousa em salas do ensino fundamental estão seguindo o caminho da pena e do tinteiro. Com os teclados dos computadores e smartphones cada vez mais ocupando os dedos dos jovens, a morte progressiva dos ABCs enfeitados está revelando alguns desafios imprevistos.
Será que as pessoas que escrevem somente em letra de forma – ou talvez com assinaturas desleixadas – correm um maior risco de falsificação? Será que o desenvolvimento de uma habilidade motora mais apurada será prejudicado pela aversão à escrita cursiva? E o que acontecerá quando os jovens que não estão familiarizados com letra cursiva tiverem que ler documentos históricos, como a Constituição dos Estados Unidos?
Jimmy Bryant, diretor do Arquivo e Coleções Especiais na Universidade Central do Arkansas, diz que a ligação com o material de arquivo se perde quando os alunos se afastam da letra cursiva. Durante uma aula no ano passado, Bryant, por capricho, pediu que os alunos levantassem a mão caso conseguissem escrever em letra cursiva como uma forma de se comunicar. Ninguém o fez.
Foto: The New York Times
Professora Lori Tietz utiliza projetor para analisar escrita cursiva de Megan Porter
Essa sala sem habilidades cursivas incluía Alex Heck, 22 anos, que disse mal se lembrar de como ler ou escrever em letra cursiva. Heck e um primo folhearam o diário de sua avó logo depois que ela morreu, mas mal conseguiram ler a sua escrita cursiva. "Para nós, era algo quase criptografado", disse Heck. Ela e o primo tentaram decifrar a escrita como se fosse um código secreto, lendo passagens inúmeras vezes. "Eu não estou acostumada com a leitura ou a escrita cursiva".
Estudantes de todo o país ainda são ensinados a escrever em letra cursiva, mas muitos distritos escolares estão gastando muito menos tempo ensinando a prática há alguns anos, disse Steve Graham, um professor de educação na Universidade de Vanderbilt. A maioria das escolas começa a ensinar cursiva na terceira série, disse Graham. No passado, a maioria iria continuar o estudo até a quinta ou sexta série – e alguns até a oitava série – mas muitos distritos agora ensinam cursiva apenas na terceira série, em poucas aulas.
"Nas escolas hoje em dia, dizemos que estamos preparando nossas crianças para o século 21", disse Jacqueline DeChiaro, diretora da Escola Elementar Van Schaick, em Cohoes, Nova York, que está debatendo se vai cortar o ensino da cursiva. "Será que a cursiva é realmente uma habilidade necessária no século 21?"
Com as escolas concentradas em preparar os alunos para testes padronizados, muitas vezes não há tempo suficiente para ensinar caligrafia, dizem os educadores. "Se você é uma escola ou um professor, certamente apenas os tópicos nos quais os alunos são testados serão prioritários em seu currículo", disse Graham.
Sandy Schefkind, uma terapeuta ocupacional pediátrica, em Bethesda, Maryland, e coordenadora pediátrica da Associação Americana da Terapia Ocupacional, disse que a aprendizagem da escrita cursiva ajuda os alunos a aprimorar suas habilidades motoras. "É a destreza, a fluidez, a quantidade certa de pressão a se colocar na caneta ou no lápis sobre o papel", disse Schefkind, acrescentando que, para alguns alunos a escrita cursiva é mais fácil de aprender do que a de forma.
Falsificação
Embora a letra de forma possa ser mais legível, quanto menos complexa for a escrita, mais fácil será de forjá-la, disse Heidi Harralson, uma grafóloga de Tucson, Arizona. Apesar da letra poder mudar – e se tornar imprecisa – conforme uma pessoa envelhece, as pessoas que não a aprendem ou praticam estão em desvantagem, disse Harralson. "Estou vendo um aumento na inconstância da caligrafia e na má forma – uma escrita desleixada, semi-legível e inconsistente", disse ela.
A maioria das pessoas tem uma assinatura cursiva, mas mesmo essas estão ficando mais difíceis de identificar, segundo Harralson.
"Mesmo as pessoas que não aprendem cursiva geralmente têm algum tipo de assinatura em forma cursiva, mas ela não é muito bem escrita", disse ela. "Ela tende a ser mais abstrato, ilegível e simplista. Então, se eles optam por usar letras de forma, fica mais fácil de falsificar”.
Sally Bennett, 18 anos, uma caloura da Universidade Central Arkansas, assina seu nome em letras maiúsculas de forma e nunca pensou muito a respeito disso até que teve que fazer o vestibular. Os alunos precisavam copiar um ditado, com instruções explícitas para que não usassem letra de forma. Assim, os vestibulandos tentaram usar a escrita cursiva, disse Bennett. "Algumas pessoas não conseguiam se lembrar de como escrever daquele jeito", disse ela. "Eu tive que pensar um pouco. Foi meio difícil para eu me lembrar”.
Um porta-voz da universidade disse não estar familiarizado sobre a exigência do uso da escrita cursiva. Um porta-voz dos exames SAT (equivalente americano ao Enem) – no qual apenas 15% dos estudantes escreveram a redação em letra cursiva, em 2007 – disse que os alunos também devem copiar um ditado em escrita cursiva. "Os alunos são instruídos a não usar letra de forma", disse a porta-voz Kathleen Steinberg.
Richard Christen, professor de educação da Universidade de Portland, em Oregon, disse que a cursiva pode ser facilmente substituída pela letra de forma ou programas que processam texto em computadores. Mas ele teme que os alunos perderão uma habilidade artística. "Esses jovens estão perdendo a oportunidade de criar beleza todos os dias", disse Christen. "Mas é difícil para mim oferecer um argumento prático sobre isso. Eu não lamento a situação pela praticidade, eu a lamento pela beleza, a estética".
*Por Katie Zezima
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