22 de abril de 2011
"O Legionário", nº 764, 30 de março de 1947
Reflexões durante a Semana Santa
Plinio Corrêa de Oliveira
A verdadeira piedade deve impregnar toda a alma humana, e, portanto,
também deve despertar e estimular a emoção. Mas a piedade não é só
emoção, e nem mesmo é principalmente emoção. A piedade brota da
inteligência, seriamente formada por um estudo catequético cuidadoso,
por um conhecimento exato de nossa Fé, e, portanto, das verdades que
devem reger nossa vida interior. A piedade reside ainda na vontade.
Devemos querer seriamente o bem que conhecemos. Não nos basta, por
exemplo, saber que Deus é perfeito. Precisamos amar a perfeição de
Deus, e, portanto, devemos desejar para nós algo dessa perfeição: é o
anseio para a santidade. "Desejar" não significa apenas sentir
veleidades vagas e estéreis. Só queremos seriamente algo, quando
estamos dispostos a todos os sacrifícios para conseguir o que
queremos. Assim, só queremos seriamente nossa santificação e o amor de
Deus, quando estamos dispostos a todos os sacrifícios para alcançar
esta meta suprema. Sem esta disposição, todo o "querer" não é senão
ilusão e mentira. Podemos ter a maior ternura na contemplação das
verdades e mistérios da Religião: se daí não tirarmos resoluções
sérias, eficazes, de nada valerá nossa piedade.
É o que se deve dizer especialmente nos dias da Paixão de Nosso
Senhor. Não nos adianta apenas o acompanhar com ternura os vários
episódios da Paixão: isto seria excelente, não porém suficiente.
Devemos dar a Nosso Senhor, nestes dias, provas sinceras de nossa
devoção e amor.
Estas provas, nós as damos pelo propósito de emendar nossa vida, e de
lutar com todas as forças pela Santa Igreja Católica.
A Igreja é o Corpo Místico de Cristo. Quando Nosso Senhor interpelou
São Paulo, no caminho de Damasco, perguntou-lhe: "Saulo, Saulo, por
que me persegues?". Saulo perseguia a Igreja. Nosso Senhor lhe dizia
que era a Ele mesmo que Saulo perseguia.
Se perseguir a Igreja é perseguir a Jesus Cristo, e se hoje também a
Igreja é perseguida, hoje Cristo é perseguido. A Paixão de Cristo se
repete de algum modo também em nossos dias.
Como se persegue a Igreja? Atentando contra os seus direitos ou
trabalhando para dela afastar as almas. Todo o ato pelo qual se afasta
da Igreja uma alma é um ato de perseguição a Cristo. Toda a alma é, na
Igreja, um membro vivo. Arrancar uma alma à Igreja é arrancar um
membro ao Corpo Místico de Cristo. Arrancar uma alma à Igreja é fazer
a Nosso Senhor, em certo sentido, o mesmo que a nós nos fariam se nos
arrancassem a menina dos olhos.
Se queremos, pois, condoer-nos com a Paixão de Nosso Senhor Jesus
Cristo, meditemos sobre o que Ele sofreu na mão dos judeus, mas não
nos esqueçamos de tudo quanto ainda hoje se faz para ferir o Divino
Coração.
E isto tanto mais quanto Nosso Senhor, durante Sua Paixão, previu tudo
quanto se passaria depois. Previu, pois, todos os pecados de todos os
tempos, e também os pecados de nossos dias. Ele previu os nossos
pecados, e por eles sofreu antecipadamente. Estivemos presentes no
Horto como algozes, e como algozes seguimos passo a passo a Paixão até
o alto do Gólgota.
Arrependamo-nos, pois, e choremos.
A Igreja, sofredora, perseguida, vilipendiada, aí está a nossos olhos
indiferentes ou cruéis. Ela está diante de nós como Cristo diante de
Verônica. Condoamo-nos com os padecimentos dela. Com nosso carinho,
consolemos a Santa Igreja de tudo quanto Ela sofre. Podemos estar
certos de que, com isto, estaremos dando ao próprio Cristo uma
consolação idêntica à que Lhe deu Verônica.
Incredulidade
Comecemos pela Fé. Certas verdades referentes a Deus e a nosso destino
eterno, podemos conhecê-las pela simples razão. Outras, conhecemo-las
porque Deus no-las ensinou. Em sua infinita bondade, Deus se revelou
aos homens no Antigo e Novo Testamento, ensinando-nos não apenas o que
nossa razão não poderia desvendar, mas ainda muitas verdades que
poderíamos conhecer racionalmente, mas que por culpa própria a
humanidade já não conhecia de fato. A virtude pela qual cremos na
Revelação é a Fé. Ninguém pode praticar um ato de Fé sem o auxílio
sobrenatural da graça de Deus. Essa graça, Deus a dá a todas as
criaturas e, em abundância torrencial, aos membros da Igreja Católica.
Esta graça é a condição da salvação deles. Nenhum chegará à eterna
bem-aventurança se rejeitar a Fé. Pela Fé, o Espírito Santo habita em
nossos corações. Rejeitar a Fé é rejeitar o Espírito Santo, é expulsar
de sua alma a Jesus Cristo.
Vejamos, agora, em torno de nós, quantos católicos rejeitam a Fé.
Foram batizados, mas no curso do tempo perderam a Fé. Perderam-na por
culpa própria, porque ninguém perde a Fé sem culpa, e culpa mortal.
Ei-los que, indiferentes ou hostis, pensam, sentem e vivem como
pagãos. São nossos parentes, nossos próximos, quiçá nossos amigos! Sua
desgraça é imensa. Indelével, está neles o sinal do Batismo. Estão
marcados para o Céu, e caminham para o inferno. Em sua alma redimida,
a aspersão do Sangue de Cristo está marcada. Ninguém a apagará. É de
certo modo o próprio Sangue de Cristo que eles profanam quando nesta
alma resgatada acolhem princípios, máximas, normas contrárias à
doutrina da Igreja. O católico apóstata tem qualquer coisa de análogo
ao sacerdote apóstata. Arrasta consigo os restos de sua grandeza,
profana-os, degrada-os e se degrada com eles. Mas não os perde.
E nós? Importamo-nos com isto? Sofremos com isto? Rezamos por que
estas almas se convertam? Fazemos penitências? Fazemos apostolado?
Onde nosso conselho? Onde nossa argumentação? Onde nossa caridade?
Onde nossa altiva e enérgica defesa das verdades que eles negam ou
injuriam?
O Sagrado Coração sangra com isto. Sangra pela apostasia deles, e por
nossa indiferença. Indiferença duplamente censurável porque é
indiferença para com nosso próximo e sobretudo indiferença para com
Deus.
Conspiração
Quantas almas, no mundo inteiro, vão perdendo a Fé? Pensemos no
incalculável número de jornais ímpios, rádio-emissões ímpias, de que
diariamente se enche o orbe. Pensemos nos inúmeros obreiros de Satanás
que, nas cátedras, no recesso da família, nos lugares de reunião ou
diversão, propagam idéias ímpias. De todo este esforço, quem há de
admitir que nada resulte? Os efeitos de tudo isto estão diante de nós.
Diariamente, as instituições, os costumes, a arte se vão
descristianizando, indício insofismável de que o próprio mundo se vai
perdendo para Deus.
Não haverá em tudo isto uma grande conjuração? Tantos esforços,
harmônicos entre si, uniformes em seus métodos, em seus objetivos, em
seu desenvolvimento, serão mera obra de coincidências? Onde e quando,
intuitos desarticulados produziram articuladamente a mais formidável
ofensiva ideológica que a História conhece, a mais completa, a mais
ordenada, a mais extensa, a mais engenhosa, a mais uniforme em sua
essência, em seus fins, em seu evoluir?
Não pensamos nisto. Nem percebemos isto. Dormimos na modorra de nossa
vida de todo o dia. Por que não somos mais vigilantes? A Igreja sofre
todos os tormentos, mas está só. Longe, bem longe dEla cochilamos. É a
cena do Horto que se repete.
A bem dizer, a Igreja nunca teve tantos inimigos, e, paradoxalmente,
nunca teve tantos "amigos". Ouçamos os espíritas: dizem que não movem
guerra nenhuma à religião, e ao Catolicismo menos ainda do que a
qualquer. Entretanto, a vida de todos eles, comunistas, espíritas,
protestantes, não é desde a manhã até à noite outra coisa, senão uma
conspiração contra a Igreja. Também eles tem os lábios prontos para o
ósculo, embora em sua mente já hajam decidido de há muito, exterminar
a Igreja de Deus.
Tibieza
E entre nós? Esta Fé que tantos combatem, perseguem, atraiçoam, graças
a Deus nós a possuímos.
Que uso fazemos dela? Amamo-la? Compreendemos que nossa maior ventura
na vida consiste em sermos membros da Santa Igreja, que nossa maior
glória é o título de cristão?
Em caso afirmativo – e quão raros são os que poderiam em sã
consciência responder afirmativamente – estamos dispostos a todos os
sacrifícios para conservar a Fé?
Não digamos num assomo de romantismo que sim. Sejamos positivos.
Vejamos friamente os fatos. Não está junto de nós o algoz que nos vai
colocar na alternativa da cruz ou da apostasia? Mas todos os dias, a
conservação da Fé exige de nós sacrifícios. Fazemo-los?
Será bem exato que, para conservar a Fé, evitamos tudo que a pode por
em risco? Evitamos as leituras que a podem ofender? Evitamos as
companhias nas quais ela está exposta a risco? Procuramos os ambientes
nos quais a Fé floresce e cria raízes? Ou, em troca de prazeres
mundanos e passageiros, vivemos em ambientes em que a Fé se estiola e
ameaça cair em ruínas?
Todo o homem, pelo próprio fato do instinto de sociabilidade, tende a
aceitar as opiniões dos outros. Em geral, hoje em dia, as opiniões
dominantes são anticristãs. Pensa-se contrariamente à Igreja em
matéria de filosofia, de sociologia, de história, de ciências
positivas, de arte, de tudo enfim. Os nossos amigos, seguem a
corrente. Temos nós a coragem de divergir? Resguardamos nosso espírito
de qualquer infiltração de idéias erradas? Pensamos com a Igreja em
tudo e por tudo? Ou contentamo-nos negligentemente em ir vivendo,
aceitando tudo quanto o espírito do século nos inculca, e simplesmente
porque ele no-lo inculca?
É possível que não tenhamos enxotado Nosso Senhor de nossa alma. Mas
como tratamos este Divino Hóspede? É Ele o objeto de todas as
atenções, o centro de nossa vida intelectual, moral e afetiva? É Ele o
Rei? Ou, simplesmente, há para Ele um pequeno espaço onde se O tolera,
como hóspede secundário, desinteressante, algum tanto importuno?
Quando o Divino Mestre gemeu, chorou, suou sangue durante a Paixão não
O atormentavam apenas as dores físicas, nem sequer os sofrimentos
ocasionados pelo ódio dos que no momento O perseguiam. Atormentava-O
ainda tudo quanto contra Ele e a Igreja faríamos nos séculos
vindouros. Ele chorou pelo ódio de todos os maus, de todos os Arios,
Nestórios, Luteros mas chorou também porque via diante de si o cortejo
interminável das almas tíbias, das almas indiferentes, que sem O
perseguir não O amavam como deviam.
É a falange incontável dos que passaram a vida sem ódio e sem amor, os
quais, segundo Dante, ficavam de fora do inferno porque nem no inferno
havia para eles lugar adequado.
Estamos nós neste cortejo?
Eis a grande pergunta a que, com a graça de Deus, devemos dar resposta
nos dias de recolhimento, de piedade e de expiação em que devemos
entrar agora.
Reflexões durante a Semana Santa
Plinio Corrêa de Oliveira
A verdadeira piedade deve impregnar toda a alma humana, e, portanto,
também deve despertar e estimular a emoção. Mas a piedade não é só
emoção, e nem mesmo é principalmente emoção. A piedade brota da
inteligência, seriamente formada por um estudo catequético cuidadoso,
por um conhecimento exato de nossa Fé, e, portanto, das verdades que
devem reger nossa vida interior. A piedade reside ainda na vontade.
Devemos querer seriamente o bem que conhecemos. Não nos basta, por
exemplo, saber que Deus é perfeito. Precisamos amar a perfeição de
Deus, e, portanto, devemos desejar para nós algo dessa perfeição: é o
anseio para a santidade. "Desejar" não significa apenas sentir
veleidades vagas e estéreis. Só queremos seriamente algo, quando
estamos dispostos a todos os sacrifícios para conseguir o que
queremos. Assim, só queremos seriamente nossa santificação e o amor de
Deus, quando estamos dispostos a todos os sacrifícios para alcançar
esta meta suprema. Sem esta disposição, todo o "querer" não é senão
ilusão e mentira. Podemos ter a maior ternura na contemplação das
verdades e mistérios da Religião: se daí não tirarmos resoluções
sérias, eficazes, de nada valerá nossa piedade.
É o que se deve dizer especialmente nos dias da Paixão de Nosso
Senhor. Não nos adianta apenas o acompanhar com ternura os vários
episódios da Paixão: isto seria excelente, não porém suficiente.
Devemos dar a Nosso Senhor, nestes dias, provas sinceras de nossa
devoção e amor.
Estas provas, nós as damos pelo propósito de emendar nossa vida, e de
lutar com todas as forças pela Santa Igreja Católica.
A Igreja é o Corpo Místico de Cristo. Quando Nosso Senhor interpelou
São Paulo, no caminho de Damasco, perguntou-lhe: "Saulo, Saulo, por
que me persegues?". Saulo perseguia a Igreja. Nosso Senhor lhe dizia
que era a Ele mesmo que Saulo perseguia.
Se perseguir a Igreja é perseguir a Jesus Cristo, e se hoje também a
Igreja é perseguida, hoje Cristo é perseguido. A Paixão de Cristo se
repete de algum modo também em nossos dias.
Como se persegue a Igreja? Atentando contra os seus direitos ou
trabalhando para dela afastar as almas. Todo o ato pelo qual se afasta
da Igreja uma alma é um ato de perseguição a Cristo. Toda a alma é, na
Igreja, um membro vivo. Arrancar uma alma à Igreja é arrancar um
membro ao Corpo Místico de Cristo. Arrancar uma alma à Igreja é fazer
a Nosso Senhor, em certo sentido, o mesmo que a nós nos fariam se nos
arrancassem a menina dos olhos.
Se queremos, pois, condoer-nos com a Paixão de Nosso Senhor Jesus
Cristo, meditemos sobre o que Ele sofreu na mão dos judeus, mas não
nos esqueçamos de tudo quanto ainda hoje se faz para ferir o Divino
Coração.
E isto tanto mais quanto Nosso Senhor, durante Sua Paixão, previu tudo
quanto se passaria depois. Previu, pois, todos os pecados de todos os
tempos, e também os pecados de nossos dias. Ele previu os nossos
pecados, e por eles sofreu antecipadamente. Estivemos presentes no
Horto como algozes, e como algozes seguimos passo a passo a Paixão até
o alto do Gólgota.
Arrependamo-nos, pois, e choremos.
A Igreja, sofredora, perseguida, vilipendiada, aí está a nossos olhos
indiferentes ou cruéis. Ela está diante de nós como Cristo diante de
Verônica. Condoamo-nos com os padecimentos dela. Com nosso carinho,
consolemos a Santa Igreja de tudo quanto Ela sofre. Podemos estar
certos de que, com isto, estaremos dando ao próprio Cristo uma
consolação idêntica à que Lhe deu Verônica.
Incredulidade
Comecemos pela Fé. Certas verdades referentes a Deus e a nosso destino
eterno, podemos conhecê-las pela simples razão. Outras, conhecemo-las
porque Deus no-las ensinou. Em sua infinita bondade, Deus se revelou
aos homens no Antigo e Novo Testamento, ensinando-nos não apenas o que
nossa razão não poderia desvendar, mas ainda muitas verdades que
poderíamos conhecer racionalmente, mas que por culpa própria a
humanidade já não conhecia de fato. A virtude pela qual cremos na
Revelação é a Fé. Ninguém pode praticar um ato de Fé sem o auxílio
sobrenatural da graça de Deus. Essa graça, Deus a dá a todas as
criaturas e, em abundância torrencial, aos membros da Igreja Católica.
Esta graça é a condição da salvação deles. Nenhum chegará à eterna
bem-aventurança se rejeitar a Fé. Pela Fé, o Espírito Santo habita em
nossos corações. Rejeitar a Fé é rejeitar o Espírito Santo, é expulsar
de sua alma a Jesus Cristo.
Vejamos, agora, em torno de nós, quantos católicos rejeitam a Fé.
Foram batizados, mas no curso do tempo perderam a Fé. Perderam-na por
culpa própria, porque ninguém perde a Fé sem culpa, e culpa mortal.
Ei-los que, indiferentes ou hostis, pensam, sentem e vivem como
pagãos. São nossos parentes, nossos próximos, quiçá nossos amigos! Sua
desgraça é imensa. Indelével, está neles o sinal do Batismo. Estão
marcados para o Céu, e caminham para o inferno. Em sua alma redimida,
a aspersão do Sangue de Cristo está marcada. Ninguém a apagará. É de
certo modo o próprio Sangue de Cristo que eles profanam quando nesta
alma resgatada acolhem princípios, máximas, normas contrárias à
doutrina da Igreja. O católico apóstata tem qualquer coisa de análogo
ao sacerdote apóstata. Arrasta consigo os restos de sua grandeza,
profana-os, degrada-os e se degrada com eles. Mas não os perde.
E nós? Importamo-nos com isto? Sofremos com isto? Rezamos por que
estas almas se convertam? Fazemos penitências? Fazemos apostolado?
Onde nosso conselho? Onde nossa argumentação? Onde nossa caridade?
Onde nossa altiva e enérgica defesa das verdades que eles negam ou
injuriam?
O Sagrado Coração sangra com isto. Sangra pela apostasia deles, e por
nossa indiferença. Indiferença duplamente censurável porque é
indiferença para com nosso próximo e sobretudo indiferença para com
Deus.
Conspiração
Quantas almas, no mundo inteiro, vão perdendo a Fé? Pensemos no
incalculável número de jornais ímpios, rádio-emissões ímpias, de que
diariamente se enche o orbe. Pensemos nos inúmeros obreiros de Satanás
que, nas cátedras, no recesso da família, nos lugares de reunião ou
diversão, propagam idéias ímpias. De todo este esforço, quem há de
admitir que nada resulte? Os efeitos de tudo isto estão diante de nós.
Diariamente, as instituições, os costumes, a arte se vão
descristianizando, indício insofismável de que o próprio mundo se vai
perdendo para Deus.
Não haverá em tudo isto uma grande conjuração? Tantos esforços,
harmônicos entre si, uniformes em seus métodos, em seus objetivos, em
seu desenvolvimento, serão mera obra de coincidências? Onde e quando,
intuitos desarticulados produziram articuladamente a mais formidável
ofensiva ideológica que a História conhece, a mais completa, a mais
ordenada, a mais extensa, a mais engenhosa, a mais uniforme em sua
essência, em seus fins, em seu evoluir?
Não pensamos nisto. Nem percebemos isto. Dormimos na modorra de nossa
vida de todo o dia. Por que não somos mais vigilantes? A Igreja sofre
todos os tormentos, mas está só. Longe, bem longe dEla cochilamos. É a
cena do Horto que se repete.
A bem dizer, a Igreja nunca teve tantos inimigos, e, paradoxalmente,
nunca teve tantos "amigos". Ouçamos os espíritas: dizem que não movem
guerra nenhuma à religião, e ao Catolicismo menos ainda do que a
qualquer. Entretanto, a vida de todos eles, comunistas, espíritas,
protestantes, não é desde a manhã até à noite outra coisa, senão uma
conspiração contra a Igreja. Também eles tem os lábios prontos para o
ósculo, embora em sua mente já hajam decidido de há muito, exterminar
a Igreja de Deus.
Tibieza
E entre nós? Esta Fé que tantos combatem, perseguem, atraiçoam, graças
a Deus nós a possuímos.
Que uso fazemos dela? Amamo-la? Compreendemos que nossa maior ventura
na vida consiste em sermos membros da Santa Igreja, que nossa maior
glória é o título de cristão?
Em caso afirmativo – e quão raros são os que poderiam em sã
consciência responder afirmativamente – estamos dispostos a todos os
sacrifícios para conservar a Fé?
Não digamos num assomo de romantismo que sim. Sejamos positivos.
Vejamos friamente os fatos. Não está junto de nós o algoz que nos vai
colocar na alternativa da cruz ou da apostasia? Mas todos os dias, a
conservação da Fé exige de nós sacrifícios. Fazemo-los?
Será bem exato que, para conservar a Fé, evitamos tudo que a pode por
em risco? Evitamos as leituras que a podem ofender? Evitamos as
companhias nas quais ela está exposta a risco? Procuramos os ambientes
nos quais a Fé floresce e cria raízes? Ou, em troca de prazeres
mundanos e passageiros, vivemos em ambientes em que a Fé se estiola e
ameaça cair em ruínas?
Todo o homem, pelo próprio fato do instinto de sociabilidade, tende a
aceitar as opiniões dos outros. Em geral, hoje em dia, as opiniões
dominantes são anticristãs. Pensa-se contrariamente à Igreja em
matéria de filosofia, de sociologia, de história, de ciências
positivas, de arte, de tudo enfim. Os nossos amigos, seguem a
corrente. Temos nós a coragem de divergir? Resguardamos nosso espírito
de qualquer infiltração de idéias erradas? Pensamos com a Igreja em
tudo e por tudo? Ou contentamo-nos negligentemente em ir vivendo,
aceitando tudo quanto o espírito do século nos inculca, e simplesmente
porque ele no-lo inculca?
É possível que não tenhamos enxotado Nosso Senhor de nossa alma. Mas
como tratamos este Divino Hóspede? É Ele o objeto de todas as
atenções, o centro de nossa vida intelectual, moral e afetiva? É Ele o
Rei? Ou, simplesmente, há para Ele um pequeno espaço onde se O tolera,
como hóspede secundário, desinteressante, algum tanto importuno?
Quando o Divino Mestre gemeu, chorou, suou sangue durante a Paixão não
O atormentavam apenas as dores físicas, nem sequer os sofrimentos
ocasionados pelo ódio dos que no momento O perseguiam. Atormentava-O
ainda tudo quanto contra Ele e a Igreja faríamos nos séculos
vindouros. Ele chorou pelo ódio de todos os maus, de todos os Arios,
Nestórios, Luteros mas chorou também porque via diante de si o cortejo
interminável das almas tíbias, das almas indiferentes, que sem O
perseguir não O amavam como deviam.
É a falange incontável dos que passaram a vida sem ódio e sem amor, os
quais, segundo Dante, ficavam de fora do inferno porque nem no inferno
havia para eles lugar adequado.
Estamos nós neste cortejo?
Eis a grande pergunta a que, com a graça de Deus, devemos dar resposta
nos dias de recolhimento, de piedade e de expiação em que devemos
entrar agora.
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