12 de febrero de 2018
Toda confiança em Nossa Senhora, mesmo quando tudo parecer perdido
Luis Dufaur
Em 11 de fevereiro de 1858, a família de Santa Bernadette Soubirous enfrentava mais uma jornada de penúrias humilhantes na vida quotidiana. A família fora proprietária de moinho de trigo, que lhe conferia projeção social e econômica, mas havia caído na miséria, tendo perdido o moinho e o lar. Tinha que viver num cachot (enxovia, quarto insalubre), numa parte de delegacia abandonada que ainda hoje se pode visitar.
No tugúrio não havia o que comer, nem lenha para aquecimento naquele inverno, e Francisco Soubirous saiu cedo à procura de algum trabalho. Após muito tentar, encontrou um serviço humilhante para quem fora dono de moinho: carregar lixo hospitalar do posto de saúde de Lourdes e queimá-lo fora da cidade, numa gruta chamada Massabielle, onde por vezes se guardavam animais. Com os vinte sous (tostões) que ganhou, sua esposa Louise preparou uma sopa para o almoço familiar.
Enquanto Francisco estava fora, Louise ouviu gritos da vizinha, a Sra. Croisine Bouhort, que a chamava desesperadamente, pois agonizava mais uma vez seu filhinho Justin, que nascera raquítico. A paciência e tato de Louise havia impedido o desenlace em mais de uma oportunidade, mas a família já perdera a esperança de salvá-lo. Naquele dia de privações, Louise fez novamente o prodígio de manter em vida a criancinha doente.
Dias depois, quando já se haviam divulgado as aparições de Nossa Senhora, Croisine Bouhort se encontrou novamente na iminência da morte do filho. Tocada pela graça, correu com a criança agonizante e a imergiu na fria fonte da gruta de Lourdes, enquanto todos tentavam dissuadi-la. Mas ela estava certa, quando intuiu a possibilidade do milagre, e Justin foi um dos primeiros miraculados de Lourdes. No dia 8 de dezembro de 1933, com 77 anos de idade, o próprio Justin — vigoroso horticultor da cidade francesa de Pau — assistiu na Praça de São Pedro, em Roma, à canonização de Santa Bernadette pelo Papa Pio XI.
Quantas e quantas vezes consideramos difícil o dia que estamos vivendo! Tudo se passa de maneira errada, não há esperança no horizonte, o bem que aguardamos não acontece, mas sim o contrário. Em especial nesses momentos, devemos voltar nosso pensamento para Nossa Senhora e rezar uma Ave Maria, uma jaculatória, fazer um oferecimento: “Minha Mãe, em Vós confio! Aceitai minha dor como reparação, e enviai uma graça para alguma alma necessitada que Vós bem conheceis!”.
A família de Santa Bernadette passava por momentos assim no dia da primeira aparição da Santíssima Virgem, há 160 anos. Os grandes santos passaram também por esses dramas da vida quotidiana, e a reação que tiveram pode ter sido decisiva para a própria santificação. Nas horas difíceis em que tudo parece ocorrer de modo errado, lembremo-nos desta situação e elevemos à Virgem Santíssima uma prece: Nossa Senhora de Lourdes, rogai por mim! ou Santa Bernadette, rogai por mim! Dormiremos tranquilos nessa noite, mas chegará um dia em que veremos o resultado dessa oração e desse sacrifício.
Ninguém poderia razoavelmente se surpreender, caso a estrutura da atual civilização viesse a desabar fragorosa e tragicamente, num grande banho de sangue. Lançam-se ameaçadores foguetes norte-coreanos, enquanto naves e aviões de guerra americanos navegam próximo ao Mar da China e o Havaí reativa seus refúgios nucleares. A Rússia ameaça as fronteiras da Europa Central e envia navios de guerra para o Caribe. O incêndio comunista se propaga a partir da Venezuela, enquanto no Brasil o número de mortes violentas atingiu a cifra de 61.619 em um ano, e ninguém vê perspectivas de melhoras. Há quem pergunte, inclusive em livros, se é o caso de procurarmos algum local inacessível para nos escondermos, talvez até mesmo viver em catacumbas. Empresas dos EUA oferecem construir abrigos atômicos em sítios e jardins particulares.
Fatos de outra natureza fazem pensar também em castigos de proporções catastróficas. A onda de sacrilégios e profanações em presépios no recente Natal, em catedrais e praças da Itália e outros países, foi inimaginável. O presépio de Natal deste ano na Praça de São Pedro causou escândalo em numerosos fiéis, sobretudo devido a uma imagem de um personagem nu. Enquanto o Papa Francisco visitava tal presépio, centenas de gaivotas revoaram em torno do presépio, grasnando assustadoramente. Era um fato tão inusual, que muitos o qualificaram como um mau presságio, acenando também com uma prefigura do Apocalipse.
No convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro, também montou-se um presépio escandaloso, com imagens ofensivas ao Menino Jesus. A reação dos católicos levou à remoção dessa “obra de arte”, mas o escândalo foi ainda agravado pelos elogios de autoridades religiosas a essa blasfêmia.
Dentro da Igreja, os meios sobrenaturais para a salvação estão de tal maneira subutilizados, que dir-se-iam inúteis. Quase não se ouve mais pregar a necessidade de rezar o terço, de invocar os santos, de praticar os mandamentos, de receber os sacramentos ou de adorar o Santíssimo Sacramento.
Tais profanações, ofensas e manifestações de desprezo são de molde a afastar as graças de Deus e provocar a ira divina. São pecados graves e atraem castigos, o que nos leva a temer uma situação humanamente perdida. Alguns até imaginam que a Igreja será forçada a voltar às catacumbas.
Mas há uma razão para se esperar que a Providência não o permita, ou pelo menos que tal permissão seja por pouco tempo: entre as desolações da época presente, um prenúncio de vitória é a ação da Virgem Santíssima na Terra, que se faz de modo por assim dizer visível. De Lourdes e Fátima até nossos dias, quanto mais a crise universal se expande, tanto mais as intervenções d’Ela se tornam palpáveis. Combate-se a devoção a Nossa Senhora não só fora da Igreja, mas até em certos meios que são ou fingem ser católicos. Mas trabalham em vão, pois cá e lá a Virgem Santíssima continua atraindo a si milhões de almas, desenvolvendo um plano de regeneração que conduz a um grande e espetacular desfecho. Em torno de Lourdes, por exemplo, essa ação é palpável. Todas as circunstâncias parecem adequadas para um triunfo imenso da Santa Mãe de Deus.
Sim, a crise é trágica e se aproxima do auge. Quem nos poderia salvar da cólera de Deus? Só a ação de uma Mãe ilimitadamente boa e generosa, que tivesse para conosco uma complacência sem limites. Seria preciso também que ela fosse ao mesmo tempo mais poderosa do que todas as forças da Terra, do que todos os poderes infernais e seduções carne. E seria preciso que fosse onipotente junto ao próprio Deus, ofendido por nossos pecados. Salvar-nos nesta situação seria a mais rútila das manifestações do poder de tal Mãe, que é também a Mãe de Deus. Como não perceber que tantos desastres e tantos pecados clamam, por assim dizer, pela intervenção de Maria Santíssima? E como não perceber que Ela atenderá a este clamor? Quando? Durante o grande drama que se aproxima? Depois dele?
Não o sabemos, mas nos parece muito provável que, como desfecho dessa crise, Maria Santíssima não prepara para a Santa Igreja castigos intermináveis, com séculos de agonia e dor, mas uma era de triunfo universal. Ela mesma o anunciou e prometeu, especialmente em Fátima. Por isso, nunca cessemos de rogar confiantes: Maria Santíssima, rogai por nós!
Santa Bernadette Soubirous se recolheu no convento Saint Gildard de Nevers, onde faleceu consumida por uma doença pulmonar contraída nos dias frios passados no cachot. Em 17 de dezembro de 1876, escreveu uma carta ao Bem-aventurado Papa Pio IX, e foi levada deste mundo dois anos depois. Pio IX também faleceu não muito depois, em 7 de fevereiro de 1878, em meio a grandes sofrimentos provocados pela invasão e usurpação revolucionária dos Estados Pontifícios, dos quais o Papa é rei. Naquela invasão brilharam pelo seu heroísmo os zuavos pontifícios (tropa de elite de voluntários do Papa), muitos dos quais morreram em combate defendendo o reino temporal da Igreja. A eles se refere Santa Bernadette, quando afirma na carta: “Há alguns anos eu me constituí em um pequeno zuavo”. Seu coração estava junto àqueles bravos que deram a vida pelo Papa no campo de batalha, e a devastação da doença não lhe tirava a esperança de combater pela Igreja com santo ardor. O fulcro de seu pensamento e de seus desejos estava posto no triunfo da Igreja contra seus inimigos.
Na carta a Pio IX, Santa Bernadette inclui uma frase de conteúdo profético, que faz pensar em La Salette e em Fátima: [Nossa Senhora] “se dignará colocar ainda mais uma vez Seu pé sobre a cabeça da serpente maldita, e dar assim um termo às cruéis provações da Santa Igreja e às dores de seu augusto e Bem-Amado Pontífice”. Para ela, Nossa Senhora havia se revelado inaugurando um fluxo imenso de milagres ao curar incontáveis doentes e almas aflitas. A santa nada pedia para si, mas pela vitória da Santa Igreja e do Papa, cuja grandeza heroica foi reconhecida e confirmada por sua elevação aos altares. E pedia com a certeza de que a vitória seria da Igreja e da civilização cristã.
A grande maioria das almas tem necessidade do sofrimento para a salvação eterna, a exemplo de Nosso Senhor e Sua Santa Mãe no alto do Calvário. De modo paradoxal, as doenças são auxiliares poderosas da santificação, e é mesmo por meio delas e das provações espirituais que a pessoa se santifica. Não compreende nada sobre os desígnios de Deus, quem não compreende o papel do sofrimento para operar nas almas o desapego, o amor de Deus e a regeneração. É por esta forma que as almas se santificam.
São Francisco de Sales chegou a afirmar que o sofrimento corresponde a um 8º sacramento. Plinio Corrêa de Oliveira lembrava sempre esta verdade que tantos não desejam enfrentar, e também a exemplificava com um fato que lhe foi narrado pelo Cardeal Pedro Segura y Sáenz (1880-1957). O Papa Pio XI se ufanava de nunca ter ficado doente. Mas o Cardeal Segura não temia dizer as verdades, e comentou:
— Então Vossa Santidade não tem o sinal dos predestinados.
Pio XI ficou um tanto sobressaltado, por isso o Cardeal acrescentou:
— Não há predestinado que não adoeça gravemente, que não sofra muito, pelo menos em determinado período da vida. Se Vossa Santidade nunca teve problema de saúde, não teve o sinal dos predestinados.
Dias depois, Pio XI sofreu fortíssimo enfarte. Mal se restabeleceu, enviou um bilhete ao Cardeal, comunicando que já tinha o “sinal de predestinado”. O Cardeal conservou o bilhete como uma piedosa lembrança.
Em alguns casos, para certos efeitos que Deus conhece, convém eliminar o sofrimento, mas normalmente não convém. De maneira que a imensa maioria das pessoas que vão a Lourdes voltam sem ter sido curadas. Nossa Senhora é sumamente misericordiosa, mas sabe que é indispensável o sofrimento para a salvação das almas, e agiria contra o interesse da salvação das almas se eliminasse as doenças de todas as pessoas.
Há certa interpretação da Religião voltada apenas a pedir favores materiais, e que desdenha os favores espirituais. Assim, há pessoas que apenas se impressionam com as curas materiais operadas em Lourdes, mas não se impressionam com os favores espirituais, as graças para as almas que visitam o santuário de Lourdes. As curas de Lourdes ocorrem porque Nossa Senhora tem pena dos que sofrem. Entretanto, muito mais do que a cura corporal, Ela deseja conceder favores espirituais para o incremento da fé e a salvação das almas.
A própria Santa Bernadette sofreu muitíssimo, sem fugir da terrível doença que a consumia dia a dia! Através desse sofrimento, ela provavelmente mereceu de Nossa Senhora a cura de muitos peregrinos em Lourdes, sem que a cura dela estivesse nos planos de Nossa Senhora.
Plinio Corrêa de Oliveira sempre insistia que não é admissível supor que Nossa Senhora nos abandone, sobretudo quando as situações são complicadas. É preciso confiar, pois Ela nos acompanha sempre. Devemos nos habituar a enfrentar a adversidade com esse espírito de fé, e ao mesmo tempo a conviver com a esperança do milagre. Lourdes nos ensina que o milagre é fato frequente, mas é preciso conservar a calma motivada pela confiança.
Nosso Senhor Jesus Cristo, na agonia no Horto das Oliveiras, foi o exemplo perfeito de alma tranquila e confiante. Ele chegou a suar sangue, diante da dor que se aproximava com a Crucifixão, mas permaneceu tranquilo. Segundo o Evangelho, Ele começou a ter tédio e pavor, e a ficar triste (Mc 14, 33. Mt 26, 37). Daí seu pedido filial ao Padre Eterno: Meu Pai, se for possível, afaste-se de mim este cálice (Mt 26, 39). Mas depois acrescentou: Faça-se a vossa vontade, e não a minha.
Depois de 160 anos da retumbante manifestação de Nossa Senhora em Lourdes, o mundo se agita em espantosa intranquilidade, porque abandonou o exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo, de sua Santíssima Mãe e de seus santos. A grande e admirável Santa Bernadette Soubirous nos deu o maravilhoso exemplo de acatar sempre o exemplo do Divino Salvador.
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