22 de octubre de 2017
Europa ouve o catalão Gilles Lapouge
O Estado de S. Paulo, quinta-feira, 12 de outubro de 2017
Europa ouve o catalão
Gilles Lapouge
Em poucos dias, o presidente regional da Catalunha, Carles Puigdemont, alcançou o auge da celebridade. Aquele, cujo nome era desconhecido há duas semanas até no país vizinho, a França, eis que na terça-feira à noite toda a Europa aguardava. Um pouco como os gregos aguardavam as palavras do oráculo da pitonisa de Delfos, ou como os romanos examinavam o fígado dos abutres para conhecer o perfil de seus amanhãs.
Ele se fez esperar um pouco, mas finalmente falou. A independência da Catalunha foi declarada, mas o processo foi rapidamente suspenso, à espera de negociações com a capital espanhola, Madri. Nada mal! Em uma única frase, o oráculo anunciou e suspendeu a independência.
Toda a Europa se parece com o senhor Puigdemont. Ao contemplar o que acontece em Barcelona, tem vertigens. Cada um interpreta o evento de sua forma. O destino e a face da Europa estão em jogo neste momento, entre Barcelona e Madri. Três exemplos:
Houve quem ficasse inquieto ante o espectro de uma “balcanização”. Thibault T. Muzergues, no jornal Le Monde, não esconde seus temores. Ele relaciona algumas das “regiões” europeias que correm o risco de estarem fascinadas com a decisão de Barcelona: Escócia, Córsega, Bretanha, País Basco, norte da Itália, Baviera, Tirol, Transilvânia, etc. E comenta: “Não deve ser descartada a possibilidade de contágio para outros países da Europa”.
Não tem medo de acenar com um espantalho — o exemplo do que aconteceu na Iugoslávia há 26 anos: “Ninguém dentro ou fora da ex-Iugoslávia teria imaginado que caminhávamos para o desmantelamento do país. Até os primeiros combates, ninguém antecipava a possibilidade de uma guerra, muito menos uma série de guerras em todo oeste dos Bálcãs”.
Segundo Muzergues, para afastar o perigo de um desmembramento da Europa, existe uma só garantia: a União Europeia. “Se a Europa se mostrar incapaz de garantir a estabilidade das fronteiras que a constituem, então não haverá qualquer interesse em ser parte de um grupo do qual ela é a garantia. Sem garantir o estatuto das suas fronteiras, os países retomarão a sua soberania e será o fim do projeto europeu (...). Esperamos que a Europa tenha aprendido as boas lições a partir do desastre dos Bálcãs, onde a sua inércia custou à Europa sua credibilidade e à ex-Iugoslávia guerras de uma selvageria que ninguém poderia ter imaginado”.
A esse alerta açodado responde a opinião contrária de Yve Roucaute. O filósofo questiona o regime do “estado de direito”, muitas vezes invocado pelo poder de Madri. “Que direito é esse”, pergunta, “que pretende negar o direito à autodeterminação dos povos, garantido pela moralidade universal e pelo Artigo I da Carta das Nações Unidas? (...) A Catalunha vale menos que a Croácia, a Bósnia e o Kosovo, cuja independência foi imposta pela Europa? Não deveríamos abrir a caixa de Pandora dos nacionalismos? Existe algo pior que o nacionalismo que se impõe à força sobre uma outra nação?”
E o filósofo conclui: “Autodeterminação das nações? Existe de direito. E Independência? Quando uma nação quer, conquista. Vamos aplaudir os catalães comportados que dançam em Sardana o hino da Catalunha, Els Segadors”. Um modo bem catalão de lembrar “que uma nação tem caráter só quando é livre”, como escreveu Madame de Stael.
No Le Monde, a excelente cronista Sylvie Kaufmann explora os caminhos que talvez pudessem conciliar as posições de uns e outros — os “jacobinos”, centralizadores, e os “girondinos”, que respeitam as regiões e as diferenças. Ela lembra o belo discurso de Macron sobre a Europa. “A única maneira de garantir nosso futuro”, disse ele, “é a refundação de uma Europa democrática. Eu quero liderar a batalha pela unidade”.
E ele logo exprimiu tais nuances: “A Europa não é uma homogeneidade na qual todos se dissolvem. Essa sofisticação europeia é a capacidade de pensar nos fragmentos da Europa, sem os quais a Europa jamais será ela totalmente”.
E Sylvie Kaufmann conclui: “Cá estamos. A Catalunha oferece um caso prático ideal para conciliar os fragmentos da Europa, os encantos da diversidade e a oportunidade inédita do multilinguismo com uma Europa soberana, unida e democrática”.
Assim, em torno do enigma catalão, em torno dos terrores ou das esperanças que tal provação anuncia, eis três opiniões divergentes que concordam apenas com um fato óbvio: mais do que o Brexit, o que se passa entre Barcelona e Madri remodelará de alto a baixo o destino europeu. E, por enquanto, a Europa está muda.
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