26 de agosto de 2014

Cidade espanhola vive 'boom' imigrante

Cidade espanhola vive 'boom' imigrante

Folha de S.Paulo - Mundo - Cidade espanhola vive 'boom' imigrante - 25-08-2014


Tarifa, no extremo sul do país, registra maior chegada de ilegais vindos do norte do Marrocos desde o início da crise

Policiais e turistas se misturam em balneário após ações de emergência tomadas pelo governo

LUISA BELCHIOR MOSKOVICS ENVIADA ESPECIAL A TARIFA (ESPANHA)

Com as mãos coladas em uma parede de vidro, um cidadão senegalês observa turistas caminharem em direção à mesma praia onde ele e outras 1.300 pessoas desembarcaram cinco dias antes, enquanto europeus tomavam banho de mar com vista para montanhas africanas.

Ele está detido a menos de 50 metros da praia, em um ginásio poliesportivo da prefeitura de Tarifa, no extremo sul da Espanha, depois de entrar irregularmente em águas espanholas e ser resgatado pela guarda costeira.

A população de Tarifa não chega a 18 mil habitantes, mas pode alcançar 90 mil pessoas em agosto, a maioria atrás de badalação e surfe.

Tarifa é a cidade da península Ibérica mais próxima à África --apenas 14 km separam os dois continentes entre este ponto e o Marrocos
.
Semana passada, em apenas três dias cerca de 80 pequenas embarcações superlotadas vindas do norte do Marrocos cruzaram a fronteira espanhola pelo estreito de Gibraltar em direção a Tarifa.

Depois de meses concentrados em um acampamento no monte Gurugú, no norte do Marrocos, eles aproveitaram uma combinação quase perfeita para a travessia: a lua cheia, que garante claridade e uma maré mais tranquila, e uma espécie de vista grossa de policiais marroquinos, responsáveis por monitorar as saídas de embarcações em direção à Europa.

O resultado foi a maior onda migratória da África à Espanha desde o início da crise econômica no país europeu.

Foi a primeira vez, segundo o ministério de Interior da Espanha, que chegaram tantos em tão pouco tempo. Mesmo em 2006, em pleno "boom" econômico, o número máximo de entradas irregulares pelas fronteiras marítimas havia sido de 512.

Na semana passada, foram 800 em um só dia. Desde janeiro, segundo a Acnur, a agência para refugiados da ONU, cerca de 75 mil pessoas vindas do norte da África tentaram entrar nas costas mediterrâneas da Europa.

"Nunca vimos nada igual", disse o prefeito de Tarifa, Juan Andrés Gil.

A Frontex, polícia de fronteira da União Europeia, dá como certo, segundo o jornal "El País", que autoridades marroquinas liberaram a passagem das embarcações em retaliação a uma decisão recente da Justiça espanhola que julgou culpados policiais do Marrocos acusados de maus-tratos a cidadãos africanos que tentavam cruzar a fronteira.

Na semana passada, policiais marroquinos deram um prazo de 48 horas para os acampados saírem ao mar, segundo as suspeitas, tornando impossível para a guarda costeira espanhola e a Frontex bloquearem os acessos a águas espanholas.

Uma vez em águas espanholas, os imigrantes ilegais têm, por lei, de ser resgatados e enviados a delegacias, onde investigadores tentam identificá-los.

Caso o país de origem tenha acordo de devolução com a Espanha --caso do Marrocos--, a polícia os extradita. Como a maioria não revela seu nome nem país de origem, são levados a um centro de internamento de estrangeiros e, seis meses depois, soltos.

Por isso, ao chegar à praia na semana passada, os imigrantes beijavam o solo espanhol. Sabiam que dificilmente serão mandados de volta.

EMERGÊNCIA

Quando a cifra de resgatados em águas espanholas atingiu as 1.300 pessoas, o governo espanhol fez uma reunião de emergência e despachou 500 policiais a Tarifa.

"É policial para um lado e gente de biquíni para outro. Nunca vi isso aqui", disse o morador de Tarifa Luis Ortiz Benites.

A população local tem se mostrado solidária com os recém-chegados. Todos os dias, vão ao centro onde estão detidos. "Vim ver se queriam doações de comida, mas eles parecem fortes", observou a estudante María Muñoz, de cadeira de praia na mão.

Os cerca de 1.300 africanos confinados em Tarifa parecem fortes e saudáveis. Nenhum tinha sinais de desidratação e menos ainda suspeita de ebola. A polícia espanhola distribuiu luvas e máscaras a seus agentes, mas associações de médicos do país descartaram a possibilidade.

Normalmente, eles chegam com hipotermia, desidratação, mas desta vez estavam todos bem", contou à Folha Miguel Garcia, porta-voz da Cruz Vermelha.

Na visita que a reportagem fez ao centro temporário de detenção, os imigrantes não aparentavam cansaço. Silenciosos, esperavam em fila indiana a hora do jantar, uma das três refeições a que têm direito no local.

Naquela mesma noite, a dois quarterões da fila do jantar dos imigrantes, milhares de jovens europeus também se enfileiravam --para entrar em bares e boates da cidade.

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