1 de julio de 2018
RESUMEN. A “mudança de paradigma” do Papa Francisco: continuidade ou ruptura na missão da Igreja? Balanço quinquenal de seu pontificado
RESUMEN DEL LIBRO DE JOSE ANTONIO URETA.
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A “mudança de paradigma” do
Papa Francisco:
continuidade ou ruptura na
missão da Igreja?
Balanço quinquenal de seu
pontificado
Introdução
No mês de março
último, o pontificado do Papa Francisco atingiu o importante marco dos cinco
anos, um lapso de tempo mais do que suficiente para que historiadores,
analistas e estudiosos em geral possam fazer dele um balanço. Ainda que os
prismas de análise possam ser muito diversos, todos concordam no fato de que se
tratou de um período carregado de inovações, marcado pelo empenho constante do
Pontífice de apresentar uma fisionomia diferente da instituição por ele
governada, a ponto de mais de um ter chegado a falar de “uma nova Igreja de
Francisco».
A ideia de uma “nova
Igreja” paira, de modo mais ou menos definido, sobre o recente debate em torno
da pertinência da aplicação do conceito de “mudança de paradigma” à vida
bimilenar da instituição fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Na sua acepção
tradicional, um paradigma é um exemplo ou padrão a ser seguido. Segundo o
conhecido escritor George Weigel, “uma dramática, repentina e inesperada
mudança no pensamento humano – e, portanto, algo à maneira de um novo começo”.
Nos limites dentro
dos quais a expressão “mudança de paradigma” pode ser aceita, tem havido e
ainda haverá tais mudanças na história das ciências. Mas cogitar num novo
modelo conceptual para a Igreja fundada por Jesus Cristo – a qual recebeu em
depósito a Revelação divina, cujo conteúdo imutável foi explicitado por um
Magistério constante e coerente de vinte séculos –, é uma empresa muito
audaciosa, para dizer pouco. Entretanto, foi o próprio Papa Francisco quem usou
a expressão na recente Constituição dedicada ao ensino universitário católico,
onde augurou que uma “mudança radical de paradigma” possa inspirar uma
“corajosa revolução cultural” na formação acadêmica católica.
Conceitos como
“revolução cultural” e “mudança de paradigma” trazem por si mesmos à mente a
ideia de ruptura ou de descontinuidade em relação a modelos precedentes. O
conceito vem aplicado, sobretudo, à teologia moral e a uma das suas componentes
– a doutrina social da Igreja –, abrangendo,
portanto, a maneira de o catolicismo se relacionar com a sociedade
contemporânea nos campos mais diversos, das ciências em geral à economia, da
política à diplomacia. Em todas essas esferas, segundo a opinião de uma
alentada equipe de bispos e de estudiosos não desprovidos de poder, seria necessária
uma “mudança de paradigma”.
Nesse contexto, são
inumeráveis os fiéis que, fazendo ouvir suas vozes ou permanecendo num silêncio
perplexo, se perguntam para onde ruma a Igreja e que perspectivas se abrem ao
termo do primeiro quinquênio do atual pontificado. Há uma preocupação difusa de
que uma mudança semelhante coloque em risco um dos fundamentos da Igreja, isto
é, a sua unidade.
De fato, como veremos
adiante, o debate a respeito da mudança de paradigma é indicativo de uma
crescente e profunda divisão nos ambientes católicos, a despeito de todo o
palavreado sobre a diversidade legítima, o caráter poliédrico da realidade
eclesial, o diálogo e a escuta no seio da Igreja. Aliás, como julgar possíveis
o diálogo e a escuta quando o próprio significado das palavras é radicalmente
mudado, haja vista a “conversão pastoral da linguagem” gerada pela tão
propalada mudança de paradigma?
Uma eventual mudança
de paradigma na Teologia moral e na disciplina pastoral da Igreja permite
compreender a extrema importância daquilo que está em jogo.
Porém, quem conhece a
realidade da vida católica de hoje sabe que tal divergência vai muito além da
questão do acesso aos sacramentos por parte dos divorciados civilmente
recasados, já que a ideia de mudança de paradigma ecoa também nas polêmicas
sobre a validade e a prioridade de outros ensinamentos e práticas da Igreja.
Por exemplo, tal ideia inspira a releitura “responsável” da encíclica Humanae
vitae – sob o pretexto de problemáticas sociodemográficas e de custódia do planeta
–, assim como o rápido processo pelo qual, em poucos anos, passou-se de tímidos
convites a realçar os “valores de solidariedade mútua” presentes na prática
homossexual, à proposta sempre mais insistente de cerimônias de bênção ou
funerais na igreja para uniões homossexuais.
Igualmente, até cinco
anos atrás, o Magistério pontifício declarava “não negociáveis” a posição
católica sobre temas como a defesa da vida desde a concepção até a morte
natural, o direito prioritário dos pais a educarem seus filhos ou o matrimônio
reservado a pessoas de diferente sexo. E insistia com firmeza que os fiéis
devem ter uma posição unívoca a respeito desses princípios, porque eles incidem
diretamente na coerência entre fé e vida. Pelo contrário, o mesmo Magistério
deixava espaço para a avaliação da consciência bem formada dos leigos no juízo
a respeito de questões puramente temporais que comportam avaliações técnicas e
conhecimentos específicos.
Tal impostação
aparece hoje como não sendo mais válida, vítima de uma mudança de paradigma.
Enquanto, de um lado, são notórios o silêncio, a frieza e, por vezes, até mesmo
uma não muito velada hostilidade para com aqueles que se consagram à defesa da
sacralidade da vida humana inocente desde a concepção até a morte natural, ou
para com aqueles que se opõem publicamente às uniões civis homossexuais –
deveres não negociáveis para todo católico –, patenteia-se, de outro lado, o
prestígio outorgado àqueles que se ocupam do fenômeno migratório com um viés de
abertura indiscriminada ou aos que promovem como dogma a tese do aquecimento
global, questões para as quais a Igreja não recebeu uma missão específica de
Cristo.
Dói dizê-lo, mas
muitas vezes o espaço negado aos filhos da Igreja fiéis ao Magistério perene é
concedido a personalidades acatólicas e até mesmo hostis aos seus ensinamentos
morais.
Esse fenômeno da
mudança de paradigma, puramente teórico na aparência, tem inegavelmente uma
repercussão na vida concreta das paróquias, e não apenas entre os militantes
pró-vida ou pró-família. Como nunca antes, os fiéis comuns da missa de domingo
se sentem desorientados e tendem a exprimir o seu crescente desinteresse –
quando não o seu manifesto mal-estar – diante de certas situações hoje
correntes na Igreja. Dali resulta uma transformação paradoxal, cada vez mais
patente aos olhos de todos: no passado, apesar da hostilidade à Igreja das
correntes ateias e mundanas, os templos católicos estavam cheios; hoje, quando
essas mesmas correntes hostis aplaudem as inovações introduzidas pelo Papa
Francisco, as igrejas se esvaziam.
Dessa maneira, a
“revolução pastoral” iniciada no atual pontificado não é impugnável apenas no
plano teórico, mas se vem mostrando ruinosa na prática, levando até ao
paroxismo o misterioso processo de “autodemolição” ao qual se referiu há meio
século o Papa Paulo VI na sua célebre Alocução aos alunos do Seminário
Lombardo, no dia 7 de dezembro de 1968.
* * *
O escopo do presente
trabalho é limitado. Ele pretende fazer um elenco das tomadas de posição do
Papa Francisco reveladoras de uma mudança de paradigma com relação ao
ensinamento perene da Igreja apenas naqueles assuntos concernentes aos leigos e
em particular aos que militam em prol da vigência dos ensinamentos do Evangelho
na vida pública dos seus respectivos países. Ficam, portanto, propositadamente
excluídos temas de si mais importantes e também objeto de controvérsia, mas que
concernem à própria estrutura da Igreja Católica e aos seus dogmas
fundamentais, e que excedem de muito, por isso mesmo, o campo visual e os conhecimentos
do comum dos fiéis.
Tampouco pretende
este trabalho fazer uma análise doutrinária aprofundada de cada um dos temas
abordados, mas simplesmente um relato comentado, à maneira de inventário, das
declarações e iniciativas do atual Pastor Supremo que mais dilaceraram o sensus fidei do seu rebanho.
De um lado, tal
análise aprofundada exigiria praticamente um volume para cada tema e
dificultaria ter uma visão de conjunto que permita fazer uma avaliação sumária
desses cinco primeiros anos de governo do Papa Francisco. De outro lado, ela
excederia as competências do autor destas linhas, que não é um acadêmico, mas
apenas tem acompanhado com interesse os debates surgidos na Igreja Católica
nestas cinco últimas décadas e tem feito pesquisas circunstanciais a respeito
de alguns dos temas em foco.
Discípulo de Plinio
Corrêa de Oliveira e militante desde sua primeira juventude nas fileiras do
movimento que ele inspirou e animou para a defesa dos três valores básicos da
civilização cristã – Tradição, Família e Propriedade –, o autor do presente
trabalho faz suas as palavras do grande mestre da Contra-Revolução e ardoroso
paladino da Cátedra de Pedro, à vista do misterioso eclipse que já nos idos de
1970 sofria o Papado e que não fez desde então senão acentuar-se ainda mais:
“Não é com meu
entusiasmo dos tempos de jovem que eu me coloco hoje ante a Santa Sé. É com um
entusiasmo ainda maior, e muito maior. Pois à medida que vou vivendo, pensando
e ganhando experiência, vou compreendendo e amando mais o Papa e o Papado. E
isto seria precisamente assim ainda que eu me encontrasse — repito — exatamente
nas circunstâncias que o Sr. Jeroboão Cândido Guerreiro pinta.
“Lembro-me ainda das
aulas de catecismo em que me explicaram o Papado, sua instituição divina, seus
poderes, sua missão. Meu coração de menino (eu tinha então 9 anos) se encheu de
admiração, de enlevo, de entusiasmo: eu encontrara o ideal a que me dedicaria
por toda a vida. De lá para cá, o amor a esse ideal não tem senão crescido. E
peço aqui a Nossa Senhora que o faça crescer mais e mais em mim, até o meu
último alento. Quero que o derradeiro ato de meu intelecto seja um ato de Fé no
Papado. Que meu último ato de amor seja um ato de amor ao Papado. Pois assim
morrerei na paz dos eleitos, bem unido a Maria minha Mãe, e por Ela a Jesus,
meu Deus, meu Rei e meu Redentor boníssimo.
“E este amor ao
Papado, [...] não é em mim um amor abstrato. Ele inclui um amor especial à
Pessoa sacrossanta do Papa, seja ele o de ontem, como o de hoje ou o de amanhã.
Amor de veneração. Amor de obediência.
“Sim, insisto: de
obediência. Quero dar a cada ensinamento deste Papa, como de seus Antecessores
e Sucessores, toda aquela medida de adesão que a doutrina da Igreja me
prescreve, tendo por infalível o que ela manda ter por infalível, e por falível
o que ela ensina que é falível. Quero obedecer às ordens deste ou de qualquer
outro Papa em toda a medida em que a Igreja manda que sejam obedecidas. Isto é,
não lhes sobrepondo jamais minha vontade pessoal, nem a força de qualquer poder
terreno, e só, absolutamente só recusando obediência à ordem do Papa que
importasse eventualmente em pecado. Pois neste caso extremo, como ensinam —
repetindo o Apóstolo São Paulo — todos os moralistas católicos, é preciso
colocar acima de tudo a vontade de Deus.
“Foi o que me
ensinaram nas aulas de catecismo. Foi o que li nos tratados que estudei. Assim
penso, assim sinto, assim sou. E de coração inteiro.” [“A Perfeita alegria”,
Folha de S. Paulo, 12-07-1970]
* * *
É com análogas
convicções e sentimentos que convido o leitor a empreender a via dolorosa dos
acontecimentos descritos e documentados a seguir, os quais vêm marcando os
cinco anos do pontificado do atual Sucessor de Pedro desde que assumiu sua
cátedra, em 13 de março de 2013.
Queira Nossa Senhora
– em cujo Coração sapiencial e imaculado se concentrou toda a fé da humanidade
entre a Morte e a Ressurreição de seu divino Filho – conceder aos leitores o
fortalecimento da fé na indefectibilidade da Igreja e da esperança no
reerguimento glorioso do Papado. E, subsidiariamente, ser condescendente com as
limitações deste trabalho.
* * *
Capítulo 1
O retraimento pastoral dos “valores não negociáveis”
Ementa deste capítulo: Desde o começo de seu pontificado, Francisco desejou
abandonar o paradigma anterior no tocante à batalha em defesa dos princípios
não negociáveis, estabelecendo outras prioridades. Seus pronunciamentos fortes
sobre temas éticos — os quais indubitavelmente existem — não chegam
habitualmente no momento oportuno, como se quisesse evitar qualquer eventual
choque com o establishment. Em consequência, suas declarações sobre tais temas
parecem fora do contexto e são quase sempre ignoradas pela mídia.
Subtítulos:
– Papa Francisco:
“Nunca entendi a expressão ‘valores não negociáveis’ ”
– Vizinhança com os
promotores da demolição dos valores cristãos não negociáveis
– Promotores da
contracepção compulsória e do aborto convidados ao Vaticano
– Desnaturamento de
instituições vaticanas até então na ponta de lança da defesa dos valores não
negociáveis
– Nova posição
vaticana abre um batente da porta à eutanásia
– Silêncio pontifício
em votações cruciais
– A Igreja está
agindo como “se não tomasse seus ensinamentos a sério”
Capítulo 2
Promoção da
agenda neomarxista e altermundialista dos “movimentos sociais”
Ementa: Para a doutrina católica, o comunismo é
“intrinsecamente perverso”. Porém, movimentos marxistas e regimes de esquerda
do mundo inteiro veem no Papa Francisco um ponto de referência. O atual
pontífice tem-se de fato mostrado muito próximo das reivindicações desses
grupos ou governos.
A despeito dos
resultados desastrosos do “socialismo real” — por exemplo, o martírio de muitos
cristãos e a difusão da miséria — e de seu caráter antinatural, Francisco tem
afirmado várias vezes que o comunismo roubou a bandeira do Cristianismo na luta
a favor dos pobres, dando a impressão de que se trata de uma ideia que, afinal
de contas, é bem intencionada.
E a geopolítica
vaticana parece hoje cultivar um relacionamento privilegiado com regimes que da
Venezuela até a China se inspiram mais ou menos diretamente no socialismo real,
qualificado no pontificado de João Paulo II de “vergonha de nosso tempo” pelo
então Cardeal Joseph Ratzinger no célebre documento “Libertatis Nuntius”, o
qual condenava a Teologia da Libertação.
Subtítulos:
– Propensão
a simpatizar com o comunismo
– “A desigualdade é a
raiz dos males sociais”
– Promoção da
Teologia do Povo e da Teologia da Libertação
– Aliança com os
“Movimentos sociais” de inspiração marxista
– Pregação marxista
nos Encontros Mundiais de Movimentos Populares
– Igreja assume
oficialmente a agenda dos “movimentos populares”
– Simpatias pela
ditadura cubana dos irmãos Castro
– Venezuela: salvando
a vida do regime e dando as costas ao Episcopado
– Mão estendida à
ditadura comunista na China às expensas dos católicos clandestinos
– “Agora nos cabe
morrer pela mão do nosso Pai!”
Capítulo 3
Promoção da
agenda “verde”, da governança mundial e de uma mística ambígua em relação à
“Mãe Terra”
Ementa: Segundo a doutrina social da Igreja — reiterada muitas
vezes —, há questões sobre as quais os católicos são obrigados a ter uma
posição homogênea, como, por exemplo, em matéria de aborto, divórcio, estrutura
natural do matrimônio. Outros temas, pelo contrário, são deixados ao julgamento
da consciência bem formada dos fiéis. Abraçando a ideologia ambientalista, o
Papa Francisco, porém, estabelece um novo paradigma.
Subtítulos:
–
Lançamento de encíclica ecológica de mãos dadas com a ONU
– Visão apocalíptica
fundada em “dogmas” sem base científica
– Promoção de um
estilo de vida miserabilista que prejudicará sobretudo os pobres
– Os índios, modelo
de respeito ecológico à natureza
– A “governança
mundial” para promover uma “comunhão universal” teilhardiana
– Apoio à agenda
anticristã sob o pretexto de “desenvolvimento sustentável”
– “Melodrama gnóstico
e neopagão” na fachada da Basílica de São Pedro
Capítulo 4
Favorecimento
da imigração e do Islã ‒ Parcimônia em relação aos cristãos perseguidos do Oriente Médio
Ementa: Os temas da imigração e da acolhida nos discursos e
intervenções de Francisco são recorrentes e de uma intensidade que supera de
longe os pronunciamentos dos pontificados precedentes a tal respeito. De fato,
para a Igreja atual, a acolhida dos imigrantes parece ser o verdadeiro
princípio não negociável. A isso se soma o diálogo a todo custo com o Islã
almejado pelo Papa a ponto de minimizar a matriz islâmica do terrorismo. Esta
política o leva também a uma prudência extrema no denunciar o caráter religioso
das perseguições aos cristãos nos países de maioria muçulmana.
Subtítulos:
– O caráter teológico
e redentor da acolhida aos imigrantes, segundo Francisco
– Primazia do direito
a imigrar sobre a segurança nacional
– Menosprezo pelas
raízes cristãs da Europa em favor do “multiculturalismo”
– Favorecimento do
ius soli em detrimento da autonomia do poder civil
– Uma caridade mal
entendida que prepara a submissão futura ao Islã
– Uma idealização do
Islã que parece procurar isentá-lo de seu caráter violento
– O Islã, um meio de
salvação?
– Para não ofender as
potências muçulmanas, grande cautela ao falar sobre a perseguição aos cristãos
– “Um ‘diálogo’
baseado na complacência, nos compromissos e na duplicidade”
Capítulo 5
Indiferentismo
religioso, relativismo filosófico e evolucionismo teológico
Ementa: Um dos sinais mais eloquentes da mudança de paradigma
do pontificado de Francisco é o primado da práxis sobre o tradicional primado
da doutrina: fala-se, de fato, de uma “virada pastoral” da Igreja. O Papa põe
de lado os temas teológicos em benefício da pastoral. Abraça-se destarte certo
evolucionismo teológico segundo o qual nada há de certo e permanente no tempo,
tudo mudando em função dos diversos contextos histórico-culturais. Isso ficou
patente nas celebrações pelos 500 anos da “Reforma” luterana.
Subtítulos:
–
“Não existe um Deus católico”, “todos somos filhos de Deus”
– Lutero foi um
“reformador” que “elaborou um remédio para a Igreja”
– “A Palavra de Deus é uma realidade dinâmica”
– A verdade como síntese
superior das tensões da vida real
– A verdade como
relação vital e pragmática
Capítulo 6
Uma nova
moral subjetiva, sem imperativos absolutos
Ementa: Declarações e gestos públicos do Pontífice e dos que
lhe são próximos revelam uma drástica mudança de paradigma no campo moral. Uma
nova interpretação da encíclica Humanae vitae — ora debatida — e as inúmeras
aberturas no tema da sexualidade em geral abrem um profundo sulco no Magistério
e na disciplina imutáveis da Igreja. O copioso emprego de expressões ambíguas
deixa no comum dos fiéis uma confusa impressão de que a Igreja está se abrindo
às reivindicações da revolução sexual.
Subtítulos:
–
A mudança de paradigma moral confirmado por altos prelados
– Frases soltas e
gestos simbólicos que relativizam na prática os imperativos morais
– O Vaticano publica
um escandaloso manual de educação sexual
– “Reinterpretação”
da Humanae vitae para legitimar a pílula contraceptiva
– A caminho de uma
aceitação de facto das uniões homossexuais
– A ponte do jesuíta
americano James Martin para a comunidade homossexual
– Rumo à benção
litúrgica das uniões homossexuais?
Capítulo 7
A mudança de
paradigma em um caso concreto: o acesso à comunhão aos divorciados recasados
Ementa: O documento-símbolo da mudança de paradigma e da
“revolução cultural” em curso é, sem nenhuma dúvida, a exortação apostólica
Amoris laetitia, a qual prevê — “caso por caso” — a possibilidade do acesso à
comunhão aos divorciados civilmente recasados.
Para grandes teólogos
e pensadores católicos, trata-se da ruptura do dique de toda a teologia moral.
Quatro cardeais levantaram respeitosamente dubia sobre este tema, mas o Papa
jamais respondeu.
Dezenas e dezenas de
bispos, sacerdotes, religiosos, teólogos e leigos têm tomado posição pública em
defesa da doutrina católica tradicional, numa frente de resistência jamais
vista nos últimos séculos da história da Igreja.
Subtítulos:
–
Solene reafirmação magisterial da exclusão eucarística dos divorciados
recasados no civil
– O
braço de ferro entre a liderança do episcopado alemão e a Santa Sé
– O
Papa Francisco acena para uma mudança na posição da Igreja
– O
“relatório Kasper” provoca reações em cadeia
–
Manobras para impor a “tese Kasper” ao Sínodo Extraordinário
– 900
mil fiéis pedem uma palavra esclarecedora — Silêncio do Vaticano
– A
reforma do processo canônico de nulidade para influenciar no debate
–
Abre-se o Sínodo Ordinário com denúncias de manipulação e encerra-se com um
fracasso
– A
moral de situação triunfa na Amoris laetitia mediante uma estratégia “típica de
um jesuíta”
– Da
“Declaração de Fidelidade ao Magistério imutável da Igreja sobre o casamento” à
Correctio filialis
–
Quatro cardeais apresentam cinco dubia e o Papa Francisco não responde
– O
pontificado da “acolhida” recusa receber cardeais em audiência
– Um
pronunciamento papal que aumenta a confusão
–
Reação corajosa de três bispos do Cazaquistão
– Uma
Igreja “de geometria variável” com base em disciplinas pastorais
geograficamente diferenciadas
–
Graves ameaças de divisão entre os católicos
– “Não é de excluir que eu passe para a
história como aquele que dividiu a Igreja Católica”
Capítulo 8
O
denominador comum da mudança de paradigma: adaptar-se à Modernidade
revolucionária e anticristã
Ementa: Pareceria que o fio vermelho que liga toda a mudança
de paradigma no pontificado de Francisco possa ser encontrado no desejo de
abraçar a “Modernidade”, até mesmo de alinhar a Igreja à revolução laicista e
anticristã, condenada com matizes diversos pela grande maioria dos Papas dos
últimos dois séculos. Assim, a pregação sobre Deus parece hoje cada vez mais
substituída pela pregação de valores simplesmente humanos.
Subtítulos:
– A unidade moral profunda da Modernidade é o espírito
da Revolução anticristã
– As
etapas do processo de descristianização do Ocidente
– Do
choque ao diálogo com a Modernidade revolucionária
– Uma
“Igreja em saída” que supera a atitude defensiva face ao mundo atual
– Uma
visão imanentista e hegeliana da História
– Um
abraço a cada etapa da Revolução
– O
ralliement definitivo da Igreja com a Revolução
Capítulo 9
O reverso da
medalha: a simpatia dos poderes mundanos e de correntes anticristãs
Ementa: A proximidade e a simpatia recíprocas entre Francisco
e o mundo progressista e laicista são inegáveis — um mundo que, até sua
ascensão ao pontificado, tinha geralmente hostilizado a Igreja em nome dos
valores da Modernidade.
Capítulo 10
Liceidade da
resistência
Ementa: Diante desta situação geral, é lícito não apenas
ficar perplexo, mas até resistir, segundo o modelo ensinado por São Paulo (Gal
2, 11). Não se trata de pôr em discussão a autoridade pontifícia — perante a
qual nosso amor e nossa veneração não devem senão crescer —, mas é o próprio
amor ao Papado que deve nos levar à resistência a gestos, declarações e
estratégias político-pastorais que contrastam com o depositum fidei e a Tradição da Igreja.
Se é verdade que
nenhuma heresia pode ser ensinada infalivelmente pelos Papas, também é verdade
que um Papa pode errar se não fizer uso do carisma da infalibilidade ou abordar
uma questão não coberta por esse último. E, nesse caso, por amor à verdade e à
Igreja, os fiéis podem e devem resistir.
Texto deste capítulo: Todo fiel que ama verdadeiramente a Igreja é levado a
ter grande respeito e afeição pelo Papado, pela Sagrada Hierarquia e pelo
magistério eclesiástico. Essa ligação espiritual o leva a achar inimaginável
ou, pelo menos, a admitir dificilmente que a Igreja possa alguma vez errar,
mesmo em assuntos disciplinares. Essa atitude psicológica se viu reforçada pelo
renovado prestígio que o Papado adquiriu com a proclamação dos dogmas da
primazia de jurisdição do Sucessor de Pedro e da infalibilidade pontifícia, na
Constituição Pastor Aeternus do Concílio Vaticano I, promulgada pelo Beato Pio
IX.
Ao longo do século
XX, porém, e de modo mais pronunciado na crise que se manifestou principalmente
a partir do Concílio Vaticano II — cujos episódios mais notórios consistiram na
revolta de prelados e teólogos progressistas contra documentos pontifícios de
teor tradicional, como as encíclicas Humanae vitae e Veritatis Splendor —, uma
posição errada começou a se esgueirar na atitude de alguns dos melhores
católicos conservadores. Tal posição consistia em criticar os progressistas,
não tanto por se afastarem do ensino tradicional, mas por atacarem o magistério
do Papa reinante; de maneira que, no subconsciente dos que assim agiam, a regra
da ortodoxia deixou de ser primordialmente a concordância com o ensino das
Sagradas Escrituras e da Tradição, passando a ser a concordância com o
magistério mais recente, como se este fosse a regra máxima da fé.
Esse desvio, chamado
por alguns de “magisterialismo”, desembocou inevitavelmente numa forma de
positivismo magisterial muito parecida com o positivismo legal. Assim como este
último sustenta que a lei é lei não por ser justa, mas por ter sido promulgada
pela autoridade competente, o positivismo magisterial afirma que, por ser o
magistério atual a regra suprema, tem de ser verdadeiro tudo quanto afirmem o
Papa de turno e os bispos que o seguem.
As novidades
magisteriais implícitas na mudança de paradigma promovida pelo Papa Francisco
deram origem a esta situação paradoxal: enquanto os conservadores afetados pelo
“magisterialismo” ficaram paralisados ante a perspectiva de terem que discordar
do Papa reinante, os antigos rebeldes se transformaram em corifeus do
magistério papal.
De fato, segundo
prelados, teólogos e intelectuais favoráveis ao ralliement da Igreja com
Modernidade — ou seja, com a Revolução anticristã —, os fiéis católicos seriam
obrigados em consciência a acompanhar o rumo que o Papa Francisco vem
imprimindo à Igreja, e julgam que não seria lícito discordar de seus
ensinamentos ou resistir às suas orientações e decisões nessa direção.
Sintomático disso é o
fato — relativamente à controvérsia sobre a comunhão para os divorciados
recasados — de figuras representativas da corrente progressista e de outras
próximas do Papa Francisco terem alegado que sua clara mudança de orientação
seria o resultado de uma ação direta do Espírito Santo, e que, portanto,
recusá-la equivaleria a opor-se aos desígnios de Deus.
É mesmo preferível
“enganar-se com o Papa a ter razão contra ele”?
O caso mais
expressivo é o de Mons. Pio Vito Pinto, decano da Rota Romana, o qual, em entrevista
para Religión Confidencial, declarou que as pessoas que exprimem dúvidas em
relação à Amoris laetitia estão questionando “dois sínodos de bispos sobre o
matrimônio e a família. Não um sínodo, mas dois! Um ordinário e outro
extraordinário. Não se pode duvidar da ação do Espírito Santo”, concluiu ele.
Daí que, para essa corrente progressista, a oposição a tais reformas não pode
provir senão do egocentrismo, da defesa egoística de antigos privilégios ou
simplesmente do medo de sair da rotina por temor da mudança.
Isso leva os
paladinos da corrente progressista a exigir uma adesão total ao novo
magistério, sem fazer as devidas distinções entre os diferentes graus de
solenidade dos ensinamentos pontifícios e do assentimento devido aos mesmos.
Por exemplo, em uma entrevista para a revista jesuíta dos Estados Unidos, o Cardeal
Donald Wuerl, falando dos opositores da linha seguida pelo atual pontífice,
afirmou: “A Igreja ‘com e sob Pedro’ vai adiante. Sempre há gente que está
descontente com algo que acontece na Igreja, mas a pedra de toque do
catolicismo autêntico é a adesão ao ensinamento do Papa. A roca é Pedro, a
pedra de toque é Pedro e, como diz o Santo Padre, é a garantia da unidade.
[...] Eles [os Papas] são a pedra de toque da autenticidade da fé”.
Criticando
explicitamente um dos cardeais signatários dos dubia sobre a interpretação da
Amoris laetitia, o Cardeal Oscar Rodríguez Maradiaga, Arcebispo de Tegucigalpa
e secretário do Conselho dos Nove para a reforma da Cúria, no livro que lançou
em 2017 na Itália, chegou a identificar a pessoa do Papa com o magistério da
Igreja: “Ele [o Cardeal Burke] não é o magistério: o Santo Padre é o
magistério, e é este quem ensina a toda a Igreja. Esse outro exprime somente
suas próprias ideias, que não merecem mais comentário. São apenas palavras de
um pobre homem” [sic!]. E acrescentou, sem as devidas distinções, no parágrafo
final: “Os cardeais ‘papáveis’ que [os conservadores] queriam ficaram ali
mesmo, enquanto aquele que o Senhor quis é o que foi eleito; logo, o dissenso é
lógico e compreensível, [porque] não podemos todos pensar do mesmo jeito;
todavia, é Pedro quem guia a Igreja e, portanto, se temos fé devemos respeitar
as escolhas e os estilos do Papa vindo do ‘fim do mundo’. [...] Se alegam
encontrar uma ‘heresia’ nas palavras de Francisco, estão cometendo um grande
erro, porque estão pensando somente como homens e não como o Senhor quer. […]”.
O Cardeal Maradiaga
conclui o prefácio de seu livro dizendo que é preciso uma lealdade
incondicional ao ocupante da cátedra de Pedro: “Antes se chamava Bento, antes
disso se chamava João Paulo II, e assim por diante. O que Jesus me pede é ser
leal a Pedro. Quem não faz isso procura apenas popularidade”.
O ex-presidente da
diminuta Conferência Episcopal da Grécia — o capuchinho Dom Fragkiskos
Papamanolis, Bispo Emérito di Syros, Santorini e Creta —, chegou a afirmar que
os cardeais que apresentaram os dubia, além do pecado de escândalo, cometeram
“o pecado de heresia (e de apostasia? Assim, de fato, começam os cismas na Igreja)”.
E acrescentou: “Fica claro no vosso documento que na prática não acreditais na
suprema autoridade magisterial do papa, reforçada por dois sínodos de bispos
provenientes de todo o mundo. Vê-se que o Espírito Santo inspira somente vós, e
não o Vigário de Cristo e nem sequer os bispos reunidos em Sínodo”.
Até em uma matéria
tão contingente como a da imigração não seria aparentemente lícito dissentir do
Papa Francisco. O jornalista Laurent Dandrieu conta em seu já citado livro o
expressivo caso do sacerdote e capelão militar Christian Venard, que após as
surpreendentes declarações papais identificando a violência islâmica com a
suposta violência católica, escreveu um primeiro artigo intitulado “O Papa
Francisco e a ‘violência católica’: estupefação, reflexão e reverência”, mas
que, na semana seguinte, se viu obrigado a escrever um segundo artigo com o
título “Prefiro enganar-me com o Papa a ter razão contra ele” e o subtítulo “Da
necessidade de seguir o Santo Padre em qualquer circunstância”, excetuando depois,
no corpo do artigo, apenas o pecado.
Outro exemplo de
promoção de uma aceitação incondicional foi fornecido pelo teólogo Ashley Beck,
professor de doutrina social da Igreja na Universidade St Mary’s, no sudeste de
Londres, a respeito da Laudato Sì: “Enquanto a Igreja permite pontos de vista
divergentes em alguns assuntos (Laudato Sì, 61), não somos livres de dissentir
dos ensinamentos dessa encíclica, do mesmo modo como não somos livres de
dissentir do ensinamento católico sobre outros assuntos morais”.
O que pensar dessas
avaliações? São elas doutrinariamente aceitáveis e factualmente objetivas e
justas? É mesmo melhor, como disse o capelão militar francês, “enganar-se com o
Papa a ter razão contra ele”? Pede porventura o Espírito Santo que renunciemos
à nossa razão? Ou que, pelo contrário, permaneçamos fiéis às verdades perenes e
imutáveis da fé católica, nutrindo-nos para isso com o sensus fidei para que
possamos, se necessário, resistir às autoridades eclesiásticas?
O Espírito Santo não
foi prometido para pregar uma nova doutrina
Não é preciso possuir
um conhecimento especializado de eclesiologia para compreender que a autoridade
e a infalibilidade papais têm limites e que o dever de obediência não é
absoluto. Essa posição equilibrada pode ser sintetizada nas seguintes verdades,
que fazem parte do patrimônio intelectual e espiritual de todo católico bem
formado:
Pela fé sabemos que,
por vontade expressa do mesmo Jesus Cristo, o Papa é a cabeça da Igreja visível
enquanto sucessor de Pedro a quem foram dadas as chaves do Reino, o que explica
não somente todo o nosso amor por ele (“o doce Cristo na terra”, como dizia
Santa Catarina de Siena), mas também a obediência aos seus ensinamentos e
decisões enquanto Doutor e Pastor universal do rebanho de Cristo. Mas, como
lembrou oportuna e concisamente Dom Athanasius Schneider, bispo-auxiliar de
Astana, em uma entrevista ao portal católico Rorate Coeli, “a Igreja não é
propriedade privada do Papa. O Papa não pode dizer: ‘Eu sou a Igreja’, como fez
o rei da França Luís XIV, que disse: ‘L’État, c’est moi !’ [O Estado sou eu!] O
Papa é somente o Vigário, não o sucessor de Cristo”.
De fato, o Papa —
cujo ministério supremo é o de “confirmar seus irmãos” na fé (Lc 22, 32) — é o
primeiro a dever custodiar, interpretar e anunciar ao mundo a Palavra de
Cristo, sem nada ajuntar nem tirar (Dt 4, 2). Como disse o apóstolo São Paulo,
“ainda que alguém — nós ou um anjo baixado do céu — vos anunciasse um evangelho
diferente do que vos temos anunciado, que ele seja anátema” (Gal 1, 8). Por
isso, no próprio preâmbulo da constituição Pastor Aeternus, que define a
infalibilidade pontifícia, o Concílio Vaticano I declara solenemente que “o
Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de São Pedro para que estes,
sob a revelação do mesmo, pregassem uma nova doutrina, mas para que, com a sua
assistência, conservassem santamente e expusessem fielmente o depósito da fé,
ou seja, a revelação herdada dos Apóstolos”.
Não há dúvida de que
o sopro do Espírito Santo “renova a face da terra” (Sal 103, 30) e conduz a
Igreja à plenitude da verdade (Jo 16, 13), servindo-se do seu magistério vivo —
e especialmente do magistério pontifício — para mediar e atualizar o
ensinamento divino imutável. Mas Ele o faz, não no sentido de ensinar verdades
novas, mas no sentido de aprofundar melhor essas mesmas palavras reveladas que
não passam (Mt 24, 35). O magistério, portanto, não contém e não propõe nenhuma
novidade, mas reitera e aprofunda de uma maneira nova a mesma verdade contida
nas Escrituras e na Tradição: non nova
sed nove. Por isso, no exercício do magistério deve estar ausente a menor
sombra de contradição entre verdades antigas e novas, uma vez que as verdades
contidas no depósito da fé são imutáveis e o progresso na sua compreensão deve
ser “no mesmo sentido, segundo uma mesma interpretação” (Comonitório de São
Vicente de Lérins, 23). A verdade católica não subsistiria, não haveria
verdadeira Tradição, se houvesse contradição entre um ensinamento ou disciplina
nova e um ensinamento ou disciplina imemorial.
Há ocasiões em que é
legítimo suspender prudencialmente o assentimento
A infalibilidade do
ensino — ou seja, a não contradição com o depósito da fé confiado à Igreja —
foi garantida à Igreja unicamente em duas situações bem precisas: a) nas declarações
solenes (ex cathedra) do Papa ou de um concílio reunido e aprovado pelo Papa; e
b) no ensinamento ordinário universal dos bispos em união com o Papa, ou seja,
naquilo que foi ensinado “em todas as partes, sempre e por todos”. Logo, os
ensinamentos do magistério quotidiano ou autêntico que não gozam de nenhuma
antiguidade e trazem novidades não estão revestidos do carisma da
infalibilidade e, portanto, não constituem regra próxima da fé (a qual não
admite nenhuma dúvida). A eles deve ser dado não um assentimento de fé, mas
apenas um assentimento religioso da inteligência e da vontade.
Ora, quando aparece
claramente uma contradição entre uma novidade magisterial e o ensino
tradicional – ou quando um ensinamento ou uma prescrição são claramente contrárias
à razão (como na questão da imigração ou da agenda ecológica radical) – não é
obrigatório “errar com o Papa”, sendo perfeitamente legítimo suspender
prudencialmente o assentimento e até mesmo fazer-lhe uma “correção fraterna”.
Vale para o magistério pontifício ou para os gestos ou atitudes do Papa aquilo
que Mons. Brunero Gherardini, por muitos anos decano da faculdade de Teologia
da Universidade Lateranense, afirmou, com sua profundidade habitual, a respeito
do magistério da Igreja em geral: “O Magistério não é uma super-igreja que
imporia seus juízos e comportamentos à própria Igreja, nem uma casta
privilegiada acima do povo de Deus, uma espécie de poder forte ao qual se
deveria obedecer e ponto final. (...) Muito frequentemente se faz do
instrumento um valor em si [independente], e se recorre a ele para cortar toda
discussão desde sua origem, como se ele estivesse acima da Igreja e como se não
houvesse diante de si o peso enorme da Tradição a acolher, interpretar e
retransmitir em sua integridade e fidelidade”.
A resistência pública
aos ensinamentos errados é legítima.
Mais ainda, em casos
graves é legítimo resistir publicamente aos pastores — e até mesmo ao Pastor
Supremo —, quando a resistência privada ou o simples silêncio obsequioso não
for suficiente para que os fiéis permaneçam fortes na fé (1 P 5, 9); para a
salvaguarda da fé da Igreja, ou ainda para a defesa do pouco que resta de
cristão nos países em que os fiéis são cidadãos.
São numerosos os
tratadistas do melhor quilate que reconhecem explicitamente a legitimidade da
resistência pública às decisões ou ensinamentos errados dos pastores, inclusive
do Soberano Pontífice. Eles foram amplamente citados no estudo de Arnaldo
Xavier da Silveira intitulado “Resistência pública a decisões da autoridade eclesiástica”
e publicado pela revista Catolicismo em agosto de 1969. O primeiro desses
grandes autores citados é o próprio Santo Tomás de Aquino, seguido de São
Roberto Bellarmino, Suárez, Vitória, Cornélio A Lápide, Werns-Vidal e Peinador.
Analisando as passagens
em que certos tratadistas parecem legitimar apenas o silêncio obsequioso, mas
não a resistência pública, o estudo citado mostra que tais autores tratam de
casos ordinários, mas não dos casos extraordinários nos quais há um “perigo
próximo para a fé” do povo cristão (Santo Tomás), uma manifesta “agressão às
almas” (São Roberto Bellarmino) ou um “escândalo público” (Cornélio A Lápide).
“Sustentar o contrário seria desconhecer o papel fundamental da Fé na vida
cristã”, conclui A. Xavier da Silveira, em cuja opinião isso é válido tanto
para os ensinamentos doutrinários quanto para as decisões disciplinares.
O direito a seguir a
via da fidelidade ao Evangelho em matéria de fé e de moral e, em matéria
contingente, a liberdade de consciência de seguir as próprias convicções
(baseadas nas análises da própria razão) são tanto mais impreteríveis quanto a
mudança de paradigma da Igreja — promovida pelo Papa Francisco e descrita neste
trabalho — abre as portas à penetração torrencial dos erros da Revolução anticristã
na Igreja.
O anteriormente visto
importa em submeter a uma coação a consciência bem formada de milhões de
católicos, os quais se veem impelidos pelas mais altas autoridades da Igreja
Católica a aceitar:
* uma nova fé que não corresponde,
em alguns pontos essenciais, aos ensinamentos perenes de Nosso Senhor Jesus
Cristo;
* os erros da filosofia agnóstica e
relativista da assim chamada Modernidade e da Revolução anticristã que
constitui o seu cerne; e
* soluções políticas e
socioeconômicas, ou hipóteses científicas que não correspondem às conclusões às
quais se chega após estudo e uma reflexão madura e objetiva.
Essa coação sobre as
almas é ainda redobrada pelo fato de o Papa Francisco procurar amiúde
desqualificar a atitude de fidelidade aos ditames do Evangelho e da razão com
imagens e epítetos ofensivos que encontram muita repercussão na grande imprensa
e favorecem uma verdadeira “caça às bruxas” daqueles que dissentem da
orientação do atual pontificado. “Fundamentalistas”, “rígidos”, “hipócritas”,
“duros de coração”, “legalistas”, “restauracionistas”, “casuístas”,
“contabilistas do Espírito”, “pelagianos”, “sombrios”, “pietistas”, “doutores
da lei”, “reacionários” etc. são os epítetos que o Papa Francisco se compraz em
empregar para estigmatizar, sem nomeá-los explicitamente, aqueles que criticam
suas opções pastorais e as ideias que as fundamentam.
Aplica-se ao caso o
que o Bispo Athanasius Schneider comentou a respeito das discussões nos dois
sínodos sobre a família: “Na grande crise ariana do século IV, os defensores da
divindade do Filho de Deus também foram apelidados de ‘intransigentes” e
‘tradicionalistas’. Santo Atanásio foi até excomungado pelo Papa Libério e o
Papa justificou isso com o argumento de que Atanásio não estava em comunhão com
os bispos orientais, a maioria dos quais eram hereges ou semi-heréticos. Nessa
situação, São Basílio o Grande declarou o seguinte: ‘Somente um ‘pecado’ é hoje
punido com severidade: a observância cuidadosa das tradições dos Padres da
Igreja. Por esse motivo os bons são despojados de seus cargos e expulsos ao
deserto’ (Ep. 243)”. Prossegue Dom Athanasius: “Na verdade, são os bispos os
novos Fariseus e Escribas que apoiam a santa Comunhão para os ‘divorciados
recasados’, já que eles desdenham o mandamento de Deus, contribuindo para que
os adultérios continuem a provir do corpo e do coração dos ‘divorciados
recasados’ (Mt 15, 19), e porque querem uma solução exteriormente ‘limpa’ e
eles próprios aparecerem ‘limpos’ aos olhos dos poderosos (a mídia, a opinião pública)”.
O direito de
resistência se transforma num dever quando está em jogo o bem comum
Nosso Senhor nos
ensina no Evangelho a “oferecer a outra face” e a “orar pelos que nos
maltratam” (Mt 5, 39, 44). Estamos certos de que, individualmente considerados,
esses milhões de católicos perplexos aceitam com resignação a coação à qual
suas convicções racionais e sua integridade moral são submetidas. Mas eles
podem, e por vezes devem, falar quando esses ataques põem em risco não somente
a sua própria fé, mas ainda a de milhões de outros mais fracos, e até a própria
existência de suas nações. Postos diante da alternativa de cruzar
resignadamente os braços para não discordar do Papa Francisco ou resistir às
suas opções pastorais e sociopolíticas, eles podem, por uma questão de
consciência, sentir-se obrigados a “resistir-lhe em face”, como São Paulo
resistiu a São Pedro (Gal 2, 11-14).
O modelo de
resistência — ao mesmo tempo firme e impregnado de veneração e respeito pelo
Sumo Pontífice — no qual esses católicos podem pautar a sua própria reação, é a
Declaração de Resistência à Ostpolitik do Papa Paulo VI, redigida pelo saudoso
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em abril de 1974 sob o título “A política de
distensão do Vaticano com os governos comunistas — Para a TFP: omitir-se? ou
resistir?”. Em seu parágrafo crucial, ela dizia:
“O vínculo da
obediência ao Sucessor de Pedro, que jamais romperemos, que amamos com o mais
profundo de nossa alma, ao qual tributamos o melhor de nosso amor, esse vínculo
nós o osculamos no momento mesmo em que, triturados pela dor, afirmamos a nossa
posição. E de joelhos, fitando com veneração a figura de S.S. o Papa Paulo VI,
nós lhe manifestamos toda a nossa fidelidade.
“Neste ato filial,
dizemos ao Pastor dos Pastores: Nossa alma é Vossa, nossa vida é Vossa.
Mandai-nos o que quiserdes. Só não nos mandeis que cruzemos os braços diante do
lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe.”
Conclusão
Chegados ao fim deste
balanço quinquenal do pontificado do Papa Francisco, julgamos não ser temerário
responder pela afirmativa à pergunta formulada no título do mesmo: Não, a
mudança de paradigma não é um desenvolvimento orgânico do magistério
tradicional da Igreja católica; ao contrário, ela se assemelha cada vez mais a
uma inversão de rota.
Portanto, na medida
em que essa mudança de paradigma não exprime na sua pureza e integridade os
ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, os fiéis podem e até devem opor uma
lícita resistência, inclusive pública, às novidades doutrinárias dela derivadas
e às suas aplicações práticas.
Tal atitude de
resistência pode e deve ser exercida não apenas no que concerne à readmissão de
adúlteros ao banquete eucarístico, mas também na defesa da vida humana contra o
aborto e a eutanásia; na defesa do matrimônio indissolúvel e no combate ao
reconhecimento legal das uniões homossexuais; na defesa da propriedade privada
e da livre iniciativa contra as políticas coletivistas e os assaltos dos
chamados “movimentos sociais”; na recusa do miserabilismo e do indigenismo
propostos como solução para um pretenso “aquecimento global de origem
antropogênica” que divide a comunidade científica; na defesa da identidade
cristã e da cultura nacional ao tratar da questão das migrações — com a
consequente rejeição da islamização do Ocidente e do relativismo filosófico e
espiritual da utopia “multicultural” —, assim como na recusa da Ostpolitik
vaticana com regimes anticristãos que perseguem os católicos.
Cumpre, portanto,
entrar em “estado de resistência”, e nele se manter até que o verdadeiro
paradigma católico volte a ser o norte que guia, inspira e vivifica toda a vida
da Igreja.
Uma pergunta,
entretanto, fica de pé: — Como relacionar-se com os pastores que assumem e põem
em prática a mudança de paradigma de matriz bergogliana? — Como relacionar-se
com o próprio Pastor dos pastores que a promove?
A pergunta é similar
à colocada pelo Pe. Nicola Bux no título de seu livro Como ir a missa e não
perder a fé, sobre o novo rito do sacrifício eucarístico, escrito em 2010, um
título intencionalmente provocador por causa das ambiguidades do rito e dos
abusos litúrgicos que acompanham a sua celebração.
Julgamos que no final
deste trabalho deveríamos nos perguntar: — Como manter relações com os Pastores
que promovem a mudança de paradigma, em todos os níveis, sem perder a fé?
Parece indispensável
evitar duas “soluções fáceis” e opostas. Uma que consiste em dizer: “Afinal de
contas, o Papa é o representante de Cristo e os bispos são os sucessores dos
Apóstolos. Eles são o ‘magistério vivo’. Quem sou eu para julgá-los? Se o Papa
e os bispos que o apoiam estão enganados, o problema é deles”; e a outra que
afirma: “Tudo isso é claramente heresia; logo, quem o patrocina não pode ser
Papa”, e cair assim no sedevacantismo, dispensando-se de resistir a um superior
por não lhe reconhecer mais a autoridade.
Pelo contrário,
cumpre recusar essa falsa alternativa, reconhecendo o Papa Francisco como o
Vigário de Cristo da Terra e os nossos bispos diocesanos como sucessores dos
Apóstolos, mas sem deixar por isso de “resistir-lhes em face”, como São Paulo
resistiu a São Pedro.
Essa posição
equilibrada e corajosa tomaria, portanto, na mais alta consideração as sábias
palavras de um grande canonista do século XVII, o Pe. Paul Laymann S.J.,
segundo o qual “enquanto o Papa for tolerado pela Igreja e reconhecido
publicamente como o Pastor universal, ele continua a possuir realmente o poder
do Papado, de maneira tal que todos seus decretos não têm menor força e
autoridade do que teriam se ele fosse um verdadeiro crente, como Bañez e Suárez
explicam acertadamente”.
Essa via
intermediária, que evita os dois escolhos, foi sugerida outrora pelo Prof.
Plinio Corrêa de Oliveira aos dirigentes da TFP chilena como conclusão ao livro
A Igreja do silêncio no Chile, o qual denunciava a colaboração de uma parte
decisiva do Episcopado andino com o comunismo para a demolição daquele país.
A proposta nos parece
tanto mais válida quanto aquilo que grande número de hierarcas e até o Vaticano
estão hoje contribuindo para demolir não é apenas a propriedade privada, como
no Chile de Salvador Allende, mas também valores absolutamente “não
negociáveis” e, sobretudo, a disciplina sacramental da Igreja Católica, como
ainda, direta ou indiretamente, a própria fé católica e a sua moral.
A via intermediária
mencionada procurava responder à seguinte pergunta: “Posta nossa atitude de
resistência, e voltando nossa atenção para a nossa vida espiritual de
católicos, somos obrigados em sã doutrina a nos aproximar desses Pastores e
desses sacerdotes [demolidores] para receber de seus lábios os ensinamentos da
Igreja e de suas mãos os sacramentos?”.
Tomando como
pressuposto que “para haver plena convivência eclesiástica é preciso que haja
nas relações espirituais de ovelha a pastor e de filho a pai um nível mínimo de
confiança e de concórdia mútuas” e “dada a envergadura e importância que esses
Pastores e sacerdotes dão à ação demolidora”, a matizada resposta sugeria que
“na ordem concreta não há condições para o exercício habitual dessa
convivência”, sem que ela “não acarrete risco próximo para a fé e grave
escândalo para os bons”. Por isso, “cessar a convivência eclesiástica” com eles
“é um direito de consciência dos católicos que a julguem daninha à própria fé e
à vida de piedade, e escandalosa ao povo fiel”.
Se algum leitor se
ofuscar com essa proposta — julgando que a suspensão do convívio habitual com
os Pastores demolidores equivale a um cisma, apesar de se lhes reconhecer
plenamente a autoridade e a jurisdição —, fazemos notar que esse direito que assiste
aos fiéis injustamente coagidos é análogo àquele da esposa e dos filhos em
relação a um pai abusivo que os agride psicologicamente, os quais, sem
abandonar o lar, podem legitimamente decidir ocupar aposentos mais afastados da
casa para se protegerem assim da má influência paterna. Tal afastamento do
convívio quotidiano e habitual não representa um desconhecimento dos laços
conjugais e filiais indissolúveis que os unem ao pai, nem uma falta com seu
dever de fidelidade a ele, mas, pelo contrário, pode levar o pai faltoso a
fazer um exame de consciência e a converter-se, ensejando assim o reatamento do
convívio familiar normal.
A analogia não é
forçada, uma vez que, baseados na epístola de São Paulo aos Efésios — “o marido
é o chefe da mulher, como Cristo é o chefe da Igreja, seu corpo, da qual ele é
o Salvador” (5, 23) —, os Padres da Igreja e mais tarde os canonistas
medievais, se serviram amplamente da metáfora do matrimônio místico,
simbolizado pelo anel episcopal, para designar analogicamente as relações que o
bispo mantém com a sua diocese. Se de um lado a metáfora insiste no dever de
fidelidade e de submissão da comunidade diocesana enquanto esposa, de outro
lado ela valoriza a posição da mulher, seja relembrando seus direitos, seja
enfatizando os deveres do esposo, ou seja, do bispo. A metáfora é válida, a
fortiori, para representar as relações entre o Papa e a tota Ecclesia.
Omnis comparatio claudicat, ao menos em parte. Enquanto o laço que une um casal
em matrimônio só se torna indissolúvel após a consumação física do mesmo, o
matrimônio místico entre o bispo e sua diocese pode ser dissolvido pela
renúncia ou pela transferência do titular para outra diocese (ou pela renúncia
ao Papado, no caso da Igreja universal). Isso não impede que, mutatis mutandis¸
a analogia seja válida para a procura de uma solução de autodefesa da “esposa”
— ou seja, de uma comunidade diocesana ou do corpo universal dos fiéis — diante
de um exercício abusivo do poder por parte do “marido”.
Excetuado o anterior,
as situações são análogas, devendo-se insistir que os direitos do cônjuge que
se vê forçado a separar-se vão muito longe. O cônjuge vítima de abuso tem, de
fato, o direito de cessar completamente a convivência, mudando de domicílio ou
expulsando deste o cônjuge faltoso. O Código de Direito Canônico de 1983,
reiterando a legislação imemorial da Igreja, estabelece que os “cônjuges têm o
dever e o direito de manter a convivência conjugal, a não ser que uma causa
legítima os escuse” (c. 1151). Além do adultério não consentido nem perdoado
(c. 1152), é causa legítima de separação com permanência do vínculo o fato de
“um dos cônjuges provocar grave perigo da alma ou do corpo para o outro ou para
os filhos, ou de algum modo tornar a vida comum demasiado dura”. Tal separação
pode ser pedida ao Ordinário ou, “se houver perigo na demora, por autoridade
própria”, com a única restrição de que, “cessando a causa da separação, deve
ser restaurada a vida conjugal comum” (c. 1153).
Na legislação civil
de muitos países de tradição cristã ainda existe, nas pegadas do direito
canônico, a instituição do “desquite”, ou seja, a “separação de corpos” sem
dissolução do vínculo, mas acarretando apenas uma distensão do laço conjugal,
pois o único dever que fica dispensado é a obrigação de coabitação. Todos os
demais deveres originados pelo casamento permanecem válidos, e notadamente o
dever de fidelidade e a obrigação de socorro na necessidade.
Essa separação total
sem dissolução de vínculo, admitida pelo Direito canônico e pelas legislações
civis, representa uma atitude bem mais drástica do que aquela acima sugerida,
que consiste numa simples suspensão do exercício habitual da convivência ‒ equivalente a ir morar em aposentos afastados, mas
dentro da própria casa ‒ em relação
a Pastores cujo rebanho sente-se psicologicamente agredido, pela tentativa de
imposição aos fiéis
de uma inaceitável mudança
de paradigma no ensino, na disciplina e na vida da Igreja.
É essa moderação na
resistência que caracteriza nossa proposta como uma “via intermediária”, ou
seja, aquela que mantém íntegros os laços de fidelidade que unem os fiéis aos
legítimos Pastores, mas que toma as medidas prudenciais necessárias para
preservar a integridade da própria fé e, ao mesmo tempo, pratica a caridade
para com os mais fracos, por exemplo, os filhos ou netos, evitando que o
convívio habitual com prelados autodemolidores seja para eles um motivo de
escândalo.
As análises feitas
acima — assim como a proposta de resistência e de cessação do convívio habitual
com os pastores autodemolidores — são as de um simples leigo, estudioso das
grandes questões doutrinárias levantadas pelo embate entre a Igreja e a
Revolução anticristã nos nossos dias, e guiado apenas pelo sensus fidei e a razão iluminada pela fé, mas sem nenhuma
especialização na teologia, na moral ou no direito canônico.
Ficam elas submetidas
despretensiosamente à consideração dos pastores fiéis que desejam resistir à
mudança de paradigma na Igreja, mas também à crítica dos estudiosos — teólogos,
canonistas, filósofos e historiadores — e dos líderes de movimentos católicos
que não desejam abandonar a luta em favor dos princípios eternos do Evangelho
na nossa sociedade.
Se vier a acontecer —
Deus avertat! — que a atual divisão
virtual no seio da Igreja, favorecida pela mudança de paradigma promovida pelas
mais altas autoridades eclesiásticas, venha a se transformar em cisão formal,
como alguns temem, acreditamos que os católicos fiéis ao seu batismo devem se
aferrar ao ensino perene do Magistério tradicional e aos pastores que o
transmitam sem alteração, à espera de que o Espírito Santo faça voltar ao bom
caminho os que dele se afastaram, sem entretanto angustiar-se a respeito do
estatuto canônico desses últimos, matéria teológico-canônica melindrosa que
escapa totalmente à competência do comum dos fiéis e que é motivo de
controvérsia até entre os especialistas.
Na confusão atual,
que corre o risco de se agravar num futuro não longínquo, uma coisa é certa: os
católicos fiéis ao seu batismo jamais tomarão a iniciativa de romper o laço
sagrado de amor, de veneração e de obediência que os une ao sucessor de Pedro e
aos sucessores dos Apóstolos, ainda que esses possam eventualmente oprimir suas
consciências e autodemolir a Igreja. Se, abusando de seu poder e buscando
forçá-los a aceitar seus desvios, tais prelados vierem a condená-los por causa
de sua posição de fidelidade ao Evangelho e de resistência à autoridade, serão
esses pastores, e não os católicos fiéis, os responsáveis por essa ruptura e de
suas consequências diante de Deus, do direito da Igreja e da História, tal como
aconteceu com Santo Atanásio, vítima de um abuso de poder, mas estrela no
firmamento da Igreja.
Mesmo nessa
circunstância extrema, e sem atenuar a sua legítima posição de resistência,
eles devem continuar a rezar por tais pastores e pela sua conversão, como o
faria uma boa mãe de família e seus filhos pelo marido e pai abusivo de cuja
convivência habitual se afastaram, na esperança de que, cessando a causa da
separação, possa o quanto ser restaurada antes a vida conjugal e familiar
comum.
* * *
Encerramos assim este
balanço quinquenal do pontificado do Papa Francisco, reiterando mais uma vez
nossa fé inabalável e nossa fidelidade inalterável ao primado de jurisdição
universal do Pontífice Romano e à sua infalibilidade ex cathedra, tais como
foram definidos pelo Concílio Vaticano Primeiro, assim como à verdade de fé,
contida nas Sagradas Escrituras e proclamada pelo magistério universal
ordinário, da indefectibilidade da Igreja, una, santa, católica, apostólica e
romana. Ou seja, àquela propriedade sobrenatural que garante a perpetuidade e a
imutabilidade dos seus elementos essenciais — a Fé, os Sacramentos e a Sagrada
Hierarquia —, fundada na promessa de Nosso Senhor e consubstanciada no
versículo de encerramento do Evangelho de São Mateus: “Eis que estou convosco
todos os dias, até o fim do mundo” (28, 20).
Confiança na
indefectibilidade da Igreja a qual foi ainda mais reforçada pelas palavras
dirigidas pela Irmã Lucia, uma das videntes de Fátima, ao então Dom Carlo
Caffarra, primeiro presidente do Instituto João Paulo II para os Estudos sobre
a Família e o Matrimônio, que lhe escrevera anunciando ter consagrado os
trabalhos do referido instituto ao Imaculado Coração de Maria: “Padre, virá um
momento em que a batalha decisiva entre o reino de Cristo e Satanás será a
respeito do matrimônio e da família. E aqueles que trabalharão pelo bem da
família sofrerão a perseguição e a tribulação. Mas é preciso não ter medo,
porque Nossa Senhora já lhe esmagou a cabeça”.
“O futuro a Deus
pertence”, escreveu Plinio Corrêa de Oliveira, acrescentando, cheio de um santo
otimismo: “Muita causa de tristeza e apreensão se nos depara ao olhar até mesmo
para alguns irmãos na Fé. Ao calor da luta, é possível e até provável que
tenhamos terríveis decepções. Mas é bem certo que o Espírito Santo continua a
suscitar na Igreja admiráveis e indomáveis energias espirituais de Fé, pureza,
obediência e dedicação, que no momento oportuno cobrirão mais uma vez de glória
o nome cristão. O século XX[I] será não só o século da grande luta, mas
sobretudo o século do imenso triunfo”.
É, pois, com a
certeza de uma próxima solução da atual crise de autodemolição da Igreja pela
intervenção de Maria Santíssima que encerramos estas linhas, inspiradas
unicamente pelo amor ao Papado e o desejo de vê-lo refulgir com renovado
esplendor.
Ut adveniat
regnum Jesu, adveniat regnum Mariae!
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