2 de diciembre de 2016

Fidel Castro, recordado por seu mais próximo confidente judeu




Edição 493  Diretor/Editor: Osias Wurman
Sexta, 02 de Dezembro de 2016
Fidel Castro, recordado por seu mais próximo confidente judeu
Foi o apelo da pequena comunidade judaica de Cuba que trouxe Jack Rosen, presidente do Congresso Judaico Americano, à porta de Castro.
Judy Maltz - Publicado no Jornal Haaretz

Jack Rosen com Fidel Castro.
Foto: Cortesia de Jack Rosen
Ele não pode provar que registrou mais horas com Fidel Castro do que qualquer outro judeu do planeta, mas Jack Rosen, presidente do Congresso Judaico Americano, diz: "Acho que eu estaria bem lá no topo da lista".
Eles formavam um estranho par: Castro, o revolucionário comunista e inimigo de longa data dos Estados Unidos, que morreu na sexta-feira (dia 25 de novembro); e Rosen, o magnata imobiliário de Nova York e amigo próximo de três presidentes americanos - Barack Obama, George W. Bush e Bill Clinton.
No entanto, ao longo de três décadas, os dois se encontraram "pelo menos 20 vezes", segundo Rosen, em cada viagem que o levava a Cuba. Eles também se encontraram uma vez em Nova York, enquanto Castro estava participando de uma reunião da Assembléia Geral da ONU e Rosen era um dos três americanos convidados a jantar com ele. ("Não tenho a liberdade de divulgar quem eram os outros", diz ele.)

Jack Rosen
Foto: Dan Kienan
Foi o apelo da pequena comunidade judaica de Cuba que trouxe pela primeira vez Rosen, um filho de sobreviventes do Holocausto, à porta de Castro. Mas ao longo dos anos, como ele relata, seu relacionamento evoluiu e, muitas vezes, o rico Nova-iorquino foi convocado para levar mensagens entre o ditador cubano e a administração dos EUA. "Eu não tinha nenhum papel oficial, mas por causa do meu relacionamento com o homem, eu me encontrava nessa situação", diz ele.
Em 1996, quando pilotos militares cubanos derrubaram dois aviões americanos e uma crise internacional parecia iminente, Castro pediu a Rosen que entregasse uma mensagem a Clinton insistindo que não estava por trás do incidente. Em um relato sobre o caso publicado em suas memórias, o ex-presidente dos EUA se refere a Rosen não por nome, mas como "um cidadão privado".
Quão próximos eles eram? "Seria difícil definir Fidel como um amigo, mas eu tinha um relacionamento muito forte com ele", disse Rosen, em uma entrevista por telefone ao Haaretz de sua casa nos Estados Unidos. "Toda vez que eu estava em Cuba, ele sempre me convidava para visitá-lo e, muitas vezes, me levava em excursões ao redor do país em seu pequeno jato”.
Durante esses encontros, geralmente durante almoços ou jantares que duraram seis horas, como Rosen conta, ele conheceu o outro lado do homem amplamente difamado ao redor do mundo ocidental - não o cruel ditador que governou seu povo com punho de ferro por meio século, negando-lhes as liberdades básicas, mas o grande schmoozerque poderia cozinhar uma tempestade e possuía uma intensa curiosidade sobre o judaísmo.
Rosen prefere não usar a palavra "inseguro" para descrever um lado de Castro que o resto do mundo pode não saber. "Eu prefiro falar sobre seu lado humilde", diz ele.
Manifestava-se, por exemplo, na forma como tratava os convidados do jantar. Como Rosen conta, uma vez ele levou uma delegação do Congresso Judaico Americano a Cuba e Castro insistiu que todos viessem jantar. "Naquele dia, recebo uma ligação dizendo que Fidel queria me encontrar em particular uma hora antes de todo mundo", relata. "Eu imaginei que ele queria falar sobre questões políticas relacionadas com a América, porque isso era algo que sempre discutíamos. Mas acabou por não ser a razão. Ele queria me encontrar para consultar sobre os arranjos dos assentos para o jantar. Era importante para ele que todos se sentissem confortáveis onde estavam sentados”.
Rosen fez sua primeira viagem a Cuba cerca de uma semana antes da Páscoa de um dos anos do final da década de 80. Quando ele perguntou aos representantes da pequena comunidade judaica de Havana como ele poderia ajudá-los, Rosen foi informado de que precisavam desesperadamente de comida e vinho “Kosher-para-Pessach” (a Páscoa Judaica).
"Eu disse que ficaria feliz em trazer e me disseram que a única pessoa que poderia dar permissão para algo assim era Fidel Castro", diz Rosen. "Então, naquela noite, conheci Fidel Castro pela primeira vez. Quando lhe perguntei se eu poderia enviar meu avião privado de volta para Miami para pegar comida e vinho para Pessach, a primeira coisa que ele quis saber era o que era o vinho ‘Kosher-para-Pessach’. Tentei explicar. Eu podia ver que ele não entendia. Então disse a ele que eu iria trazer de volta para que ele pudesse prová-lo. Foi o que fiz”.
Quase todas as vezes que jantavam juntos, Castro o servia de lagosta - sua própria receita familiar, preparada com suas próprias mãos. "Até hoje, tenho uma cópia manuscrita da receita, que ele compartilhou comigo", diz Rosen. Uma vez, depois que Rosen mencionou o quanto gostava do prato, encontrou a parte traseira de seu avião carregada com caixas de lagosta.
Este ato de generosidade, no entanto, levou Rosen a enfrentar um grande dilema. "Tiro as caixas do avião e arrisco-me a insultar Castro ou deixo-as e arrisco-me a ser pego por oficiais da Alfândega dos EUA por quebrar o embargo?"
No final, optou por não ofender seu amigo cubano. Ao aterrissar em Miami, Rosen foi, como ele temia, chamado por um funcionário da alfândega que perguntou sobre as lagostas cubanas. "Eu disse ao sujeito: Olha, eu sou judeu, vou a Cuba para ajudar os judeus lá. Ele se vira para mim e diz: Bem, eu sou um cristão nascido de novo e amo os judeus, então vou liberá-lo."
Muitas vezes, como Rosen relata, ele e Castro "batiam cabeças" em questões. "Nós tínhamos um tipo de relacionamento em que se pode fazer isso."


O líder cubano Fidel Castro recebe o líder palestino Yasser Arafat em Havana
no dia 12 de abril de 2000

Foto: Jose Goitia, AP
Até hoje, diz ele, um traço particular do líder cubano ainda o confunde: seu controle da bexiga. "Eu nunca vi o homem ir ao banheiro", diz Rosen. Mas graças a essa habilidade notável, Rosen eventualmente soube que Castro poderia realmente falar inglês. "Ele sempre falava através de um intérprete, mas uma vez quando estávamos jantando, seu intérprete pediu para ser dispensado para que pudesse ir ao banheiro", relata. "Enquanto estava ausente, seu ministro das Relações Exteriores começou a servir como intérprete. A certa altura, Fidel o interrompe e diz que seu inglês não era bom o suficiente. Ele então passou a falar comigo em inglês fluente”.
Castro era considerado relativamente favorável à comunidade judaica de Havana. Ele permitiu que os judeus cubanos praticassem sua religião e permitiu que jovens judeus cubanos visitassem Israel nas viagens de Taglit-Birthright com todas as despesas pagas. Certo ano, ele até fez uma visita durante Chanucá à principal sinagoga de Havana, lar da congregação conservadora da cidade.
Ao mesmo tempo, Castro era um conhecido e franco crítico de Israel e feroz defensor da causa palestina. No entanto, Rosen revela que havia uma grande diferença entre a personalidade pública e privada. "Eu nunca o ouvi dizer nada crítico sobre Israel em nossas conversas privadas", ele afirma.
Como explicar suas declarações públicas, então? "Acho que sua aliança com os palestinos tinha algo a ver com manter seu status como líder do Terceiro Mundo", afirma Rosen. "A maneira mais fácil de fazer isso era posicionar-se como um inimigo dos Estados Unidos e um inimigo de Israel".

No hay comentarios: