9 de abril de 2017

As guerras de Trump

O Estado de S. Paulo, segunda-feira, 3 de abril de 2017

As guerras de Trump

Moisés Naîm

É normal que presidentes entrem em colisão com opositores políticos e tenham atritos com outros países. Também é usual, e saudável, que governos e meios de comunicação não se entendam. Ou que presidentes enfrentem a burocracia pública que, segundo eles, não executa com o devido entusiasmo as políticas que eles prometeram.

Isso tudo é normal. O que não é normal é a diversidade, intensidade, periculosidade e, às vezes, banalidade dos conflitos que o novo presidente dos EUA causa. Mas Donald Trump não é um governante normal.

Presidentes costumam gozar de um período de alta popularidade no início do mandato. Trump, ao contrário, tem o índice de aprovação mais baixo jamais registrado nessa fase pelas pesquisas. As tentativas de tornar realidade suas principais promessas eleitorais naufragam e ele se vê frente a ameaçadoras investigações contra membros de sua equipe - alguns já foram obrigados a renunciar. Trump não consegue preencher os cargos que lhe permitiriam fazer um governo melhor. O vazamento de informações da Casa Branca é incessante. A China vem ocupando rapidamente os espaços de liderança mundial que os EUA abandonam e a Rússia de Putin tenta influir em eleições europeias tanto quanto fez nas presidenciais americanas.

Com todos esses problemas, pode-se pensar que Trump procuraria estabilizar a situação, construir alianças e não abrir novas frentes de atrito. Mas o presidente faz o contrário. Em vez de conciliar, confronta; em vez de fechar frentes de batalha, abre novas; em vez de unir, divide. Estas são as três principais guerras internas de Trump:

- A guerra contra o próprio partido

Todos partidos têm facções, e o Republicano não é exceção. Suas divisões internas impediram que fosse aprovada a lei que desmantelaria a reforma da saúde de Barack Obama. A reação de Trump? “Temos de lutar contra eles”, afirmou, referindo-se aos membros de seu partido que foram contra sua proposta. Também disse que nas eleições parlamentares de 2018 promoverá candidatos que impeçam a reeleição dos que não o apoiam. As reações dos republicanos dissidentes não tardaram: “Intimidação não funciona”. A guerra de Trump contra os que não apoiam suas iniciativas não vai acabar, ainda que se torne uma luta aberta do presidente contra líderes do próprio partido.

- A guerra contra as agências de informações

Os serviços de inteligência dos EUA empregam mais de 100 mil pessoas em 17 organizações. Ainda que tenham ocorrido no passado atritos nessa comunidade, nunca o clima de conflito foi tão forte. Trump acusou as agências de serem tão desonestas quanto os meios de comunicação que divulgam notícias falsas. Por seu lado, as agências divulgaram relatório cuja conclusão é que o Kremlin influenciou nas eleições americanas e Putin tem clara preferência por Trump. James Comey, diretor do FBI, confirmou que investiga o possível envolvimento de membros da equipe de Trump com agentes da espionagem russa durante a campanha. Trump disse que agora confia mais nas agências porque “já pôs gente nossa ali”. Mas há perto de 100 mil pessoas que ainda não são “gente de Trump”.

- A guerra contra o Banco Central, o Fed

Essa guerra ainda não começou, mas vem por aí. Presidentes gostam de juros baixos, que estimulam o consumo, a atividade econômica e o emprego. Mas, se a economia volta a se aquecer, o déficit fiscal aumenta, o dinheiro em circulação se expande, os preços começam a subir, e é dever do Fed aumentar as taxas de juros para diminuir os riscos de uma inflação alta e outros males econômicos. Essa tensão entre a presidência e o Fed, no caso de Trump, pode crescer até se converter num conflito de graves consequências econômicas. Quando ainda era candidato, ele já havia expressado sua opinião sobre a presidente do Fed, Janet Yellen: “Deveria ter vergonha de si mesma”, disse Trump. Por quê? Porque ela declarou que talvez fosse necessário elevar as taxas de juros.

Essas são as três guerras internas de Trump. Mas a agressividade do presidente também se manifesta nas relações internacionais. E o maior perigo é que as derrotas domésticas o levem a procurar brigas lá fora. Não seria o primeiro líder de um país a usar um conflito externo para desviar a atenção de problemas internos. Putin pode lhe dar lições disso. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ


É ESCRITOR VENEZUELANO E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT EM WASHINGTON

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