8 de agosto de 2016

SANTO DOMINGO DE GUZMAN - POR PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA

Plinio Corrêa de Oliveira



São Domingos de Gusmão:

não há pior tirania nem pior crueldade do que advogar a liberdade para o erro e para o mal



Santo do Dia, 4 de agosto de 1965




A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

 São Domingos de Gusmão meditando (Beato Angelico)

Hoje é festa de São Domingos (Caleruega, Burgos, 24-7-1170 - Bolonha, 6-7-1221), confessor, é apostolo da devoção ao Santo Rosário, Fundador da Ordem dos pregadores (dominicanos). Lutou contra os albigenes.

A respeito de São Domingos temos um trecho da obra “Diálogo da Divina Providência”, em que Deus trata com Santa Catarina de Sena, que foi terceira dominicana, a respeito de seu Fundador:
“Foi precisamente sobre a luz, disse Deus e Santa Catarina de Sena, que o pai dos pregadores estabeleceu o seu princípio. E fez dele o objeto próprio de sua arma de combate. Ele tornou para si o ofício do Verbo, meu Filho, disseminando minha palavra, dissipando as trevas, e esclarecendo a Terra. Maria, pela Qual Eu o apresentava ao mundo, fez dele o extirpador das heresias (op. cit., 158).

É interessante esse trecho porque mostra todo o valor que Deus dá à missão de extirpador das heresias.

Agora, um trecho do famoso Dom Guéranger em sua obra “L'Année Liturgique”, em seu comentário relativo à festa de São Domingos (outrora celebrada a 4 de agosto, n.d.c.):
“Assim, a Ordem, chamada a ser o principal apoio do Pontífice na perseguição das falsas doutrinas, deveria – em um certo sentido –  justificar melhor ainda esta expressão (“extirpador das heresias”) do que o seu patriarca: os primeiros tribunais da Santa Igreja, a Inquisição romana, o Santo Ofício, investido da missão do Verbo com o gládio com duas lâminas (Apoc. 19, 11-16) para converter ou castigar, não teve instrumento mais fiel e mais seguro do que a Ordem dominicana”.

 

Os senhores podem aquilatar bem como penetrou a "heresia branca" também na hagiografia (“heresia branca”: expressão utilizada pelo Prof. Plinio no sentido de “atitude sentimental que se manifesta sobretudo em certo tipo de piedade adocicada e uma posição doutrinal relativista que procura justificar-se sob o pretexto de uma pretensa ‘caridade’ para com o próximo” – cfr. “O Cruzado do século XX – Plinio Corrêa de Oliveira”, Roberto de Mattei, Ed. Civilização, Porto, 1998, tópico 7).
Considerem a vida de qualquer santo escrita na concepção da "heresia branca", de modo geral figura sempre isto: “Ele foi muito booom... perdoou muito, curou muitos doentes, agradava muito as criancinhas...” Ou seja, a santidade quer dizer ser dulçuroso no trato. A bem dizer, nunca os senhores verão elogiar o seguinte: “Velou pela doutrina, odiou e extirpou a heresia”. Porque isto parece à “heresia branca” uma cogitação de caráter intelectual e não moral. Portanto não se trata de manifestação de virtude. Seria até antipático, porque a pessoa que combateu a heresia, fez sofrer outros. E, pois, assim se tornou antipática.

Havia um alto personagem da Igreja aqui no Brasil, que deu ao seu secretário este conselho (era um tempo um pouco antiquado em que ainda a santidade era apresentada como norma...): “Padre Fulano, o senhor tome como norma de santidade: qualquer ato que lhe pareça bom, mas que possa fazer sofrer alguém, não o faça porque não é bom. Pois o bem nunca faz sofrer a ninguém”.

Esta é a mentalidade estritamente “heresia branca”! Ela não compreende nem de longe a necessidade de se defender a doutrina. Menos ainda compreende a necessidade de corrigir os que erram: “Isso não é virtude, é uma preocupação de caráter intelectual. É uma elucubração de caráter estudioso. Isso não é virtude...” dizem os adeptos dessa mentalidade.

Ora, é o contrário que é verdade. O amor de Deus tem como expressão necessária o amor daquele que a boa doutrina diz a respeito de Deus. Porque eu não posso amar Deus como Ele não é. Eu tenho que amar a Deus como é. E sei como Deus é de acordo com a boa doutrina. E o amor meu a Deus é o amor que a boa doutrina me diz a respeito de Deus. Portanto é o que a boa doutrina me diz a respeito de Nosso Senhor Jesus Cristo, Verbo de Deus encarnado, daquilo que Ele ensinou e fez. A ortodoxia não é senão o amor de Deus.

De maneira que uma pessoa pretender ter virtude sem ter ortodoxia, é uma verdadeiro absurdo; é a mesma coisa que pretender ter virtude sem ter amor de Deus. E ser ortodoxo sem odiar o mal é outro absurdo.

Portanto, virtude primeira: ortodoxia. Porque é um dos aspectos do amor de Deus. E quem diz ortodoxia, diz combatividade. Quanto mais combativa, mais ortodoxa, tanto mais ama a Deus (para aprofundar esta matéria, vide: EM DEFESA DA AÇÃO CATÓLICA, Plinio Corrêa de Oliveira, 1943, QUINTA PARTE - A confirmação pelo Novo Testamento, n.d.c.).

*      *      *

Continuamos agora com a leitura de outro trecho de Dom Guéranger a respeito da Ordem de São Domingos e o liberalismo:

“Tanto quanto Santa Catarina de Sena, o ilustre autor da Divina Comédia (Dante) não teria nunca imaginado que devesse haver um tempo onde o primeiro atributo da família dominicana, que lhe dava direito ao reconhecido amor dos povos, seria discutido em certa escola apologética, e lá afastada como um insulto, ou dissimulada com mal estar. Nosso tempo põe sua glória em um liberalismo que mostrou o que era multiplicando as ruínas e filosoficamente não repousa senão sobre a estranha confusão entre licenciosidade e liberdade. Seria necessário um tal desabamento intelectual para que não se compreendesse mais que uma sociedade onde a fé é a base das instituições como ela é o princípio da salvação eterna, nem um crime é igual àquele de abalar o fundamento sobre o qual repousa assim o interesse social, o mais precioso dos particulares. Nem o ideal da justiça nem o da liberdade não consistem em deixar à mercê do mal e do maligno os fracos que não podem defender-se a si mesmos.

“A cavalaria fez desta verdade seu axioma e foi esta a sua glória. Os irmãos de Pedro Mártir (os dominicanos) dedicaram sua vida a proteger contra as insídias do ‘forte armado’ (Lc. 11, 21) o contágio que ‘se esgueira pela noite’ (Sal. 90, 6), a segurança dos filhos de Deus. Esta foi a honra da ‘tropa santa que Domingos conduz por um caminho que é todo cheio de proveitos e no qual não se extravia’ (Dante, Paraíso, X, 94-96)”. 

É uma bonita afirmação da legitimidade da Inquisição, da legitimidade das guerras santas, da legitimidade da polemica, que o irenismo hoje tanto quer negar.

Eu gostaria de acentuar este pensamento: sempre que se dá ao erro a possibilidade de se disseminar, ali se dá ao mesmo tempo apoio a uma perseguição à verdade. E sempre que se dá ao mau ou ao mal a liberdade, apoia-se uma perseguição ao bom e ao bem. Porque está na índole do erro de ser contagioso. Depois do pecado original, o homem tem uma apetência de erro. Donoso Cortés (filosofo espanhol, 1809-1853), numa página magnífica que já foi estudada aqui em reunião, dizia que o milagre da Igreja não consistiu em ser  aceita pelos homens por ser boa, santa, mas apesar de ser boa e santa. Os homens têm uma enorme atração pelo erro e pelo mal. Se se deixa o erro e o mal livres, permite-se que eles sublevem os homens. Portanto não há pior tirania e não há pior crueldade do que advogar a liberdade para o erro e para o mal.

Dom Guéranger comenta muito bem: o que fazia o cavaleiro andante? Andava de um lado para o outro para defender as viúvas, os órfãos e os fracos. Pergunta-se: as almas ignorantes não são mais desamparadas do que as viúvas, os órfãos e os fracos? As almas que têm maus pendores em conseqüência do pecado original não estão mais expostos ao erro do que as viúvas, os órfãos e os fracos do tempo da cavalaria andante? E o que é mais importante: defender almas ou defender corpos? Evidentemente defender almas.

De maneira que toda a nobreza da cavalaria andante incide e se concentra nos que, em nossos dias, combatem o erro e o mal denodadamente.


 

São Domingos dirigindo um auto da fé (pintura de Pedro Berruguete, 1475)

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Há uma melancólica observação histórica, que não posso deixar de fazer: os senhores considerem o que foi a Ordem dominicana. Reflitam um pouco no que ela é no Brasil de hoje, e os senhores compreenderão a enorme decadência das melhores instituições de nosso século.

Assim os srs. compreenderão igualmente que o pior mal de nosso século não consiste em que os comunistas sejam o que são e que tenham o poder que têm. Mas que aqueles que deveriam combater o comunismo sejam o que são e adotem as posições erradas que adotam hoje. Essa é a questão.  

Na festa de São Domingos, é inteiramente a propósito darmos à nossa oração da noite de hoje o caráter de uma reparação àquele santo Fundador por toda a ofensa que essa torção de seu admirável instituto sofre – em tantas partes, pelo menos –, e pedirmos que ele nos defenda de seus filhos que tenham se transviado.

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