![Agência Boa Imprensa – ABIM Agência Boa Imprensa – ABIM](http://www.abim.inf.br/wp-content/uploads/2013/08/ABIM10002.png)
A imaginação no poder
Em maio de 1968 os estudantes na Paris convulsionada proclamavam comunismo de face nova, autogestionário e utópico, oposto ao socialismo burocrático da União Soviética. Dois slogans provocaram coceira mais intensa: L’imagination au pouvoir e Soyons réalistes, demandons l’impossible (a imaginação ao poder; sejamos realistas, reclamemos o impossível). Têm algo de boutade, mas eram anúncio de enorme mudança.
Para os estudantes, era hora de a fantasia chegar ao poder. De outro modo, a inteligência vencida, perdia o governo isolado, que passava a ser compartilhado pela imaginação, até então la folle du logis (a louca da casa). E ela tornaria alcançáveis aspirações outrora consideradas delirantes. Para ambiente político novo, novas forças mobilizadoras. Turbinadas pelas emoções, se tornou crescente a importância do sonho e da utopia. Empurram para o fundo do palco os antigos programas de conteúdo estruturado, bafejados no fundo pelo iluminismo, esteado no culto da razão.
![De Gaulle](http://www.abim.inf.br/wp-content/uploads/2016/02/De-Gaule-300x200.jpg)
Era parte de fenômeno universal, que visava modificar doutrinas, mas também hábitos, mentalidades, cultura. Nesses anos o movimento hippie levava ao paroxismo costumes libertários que depois, em versão menos espinhenta, tomaram o mundo inteiro. John Lennon a ele emprestou sua voz em Imagine (composta em 1971), canção recebida em delírio pela juventude burguesa no mundo inteiro:
Imagine, não existe o Paraíso [...]Em 1975 Paulo VI advertiu que “psicólogos e sociólogos afirmam ter o homem moderno ultrapassado já a civilização da palavra [...] e viver a civilização da imagem”. Repito, a palavra, expressão da lógica, decaía; a imagem, aninhada na fantasia, subia. Em consequência, na política, de forma crescente, o inesperado e o despropositado vão estar presentes no cenário, com riscos evidentes.
Imagine todas as pessoas
Vivendo apenas para o presente
Imagine não existir países [...]
Nada pelo que matar ou morrer
E nenhuma religião também
Imagine todas as pessoas
Vivendo a vida em paz
Você pode dizer
Que sou um sonhador
Mas não sou o único
Tenho a esperança de que um dia
Você se juntará a nós
E o mundo será como um só
Imagine não existir propriedades [...]
Uma irmandade do homem
Imagine todas as pessoas
Compartilhando todo o mundo
Em 2011, dois movimentos, o Occupy Wall Street nos Estados Unidos e os Indignados na Espanha, ecos longínquos do maio de 1968, repercutiram mundo afora, com apelos contestatários e anticapitalistas. Na Espanha, efeito imediato, surgiu o Podemos que, nas últimas legislativas, obteve 20,6% dos votos e 69 cadeiras numa câmara de 350. Nos Estados Unidos, o Occupy Wall Street tem sensível influência nas posições do senador Bernie Sanders, que disputa com Hillary Clinton a indicação democrata. A eleição de Barack Obama já se deveu muito à emoção e ao sonho.
![Donald Trump](http://www.abim.inf.br/wp-content/uploads/2016/02/Trump-300x240.jpg)
Donald Trump muda de partido, muda de opinião, tem posições claramente irrealizáveis, agride sem razão, por vezes desagrega o universo conservador. Nada em seu passado afiança que no poder será fiel à pregação de campanha. Mas desperta sonhos. Continua formigando no público conservador o comichão de apoiá-lo. Outro traço preocupante, pregação com indisfarçável nota bonapartista, o chamarisco da eficiência simplificadora. Lembro, diante do país esfacelado pela Revolução Francesa, o povo buscava desesperadamente um salvador; para restabelecer a ordem se apresentou um general jovem, resoluto, vitorioso (nada faz tanto sucesso como o sucesso). Outra possibilidade, a França tinha, longe, esfumaçado, um pretendente (o conde de Provença, futuro Luís XVIII) imerso nas brumas inglesas, ornado apenas com os encantos da legitimidade. Aclamou Napoleão, vieram a seguir, de cambulhada, cerca de quinze anos de guerras e convulsões sociais. Finalmente foi chamado Luís XVIII que, na pátria devolvida a seus limites naturais, repôs as coisas num caminho de normalidade. A propósito, difícil negá-lo, Jeb Bush em algo lembra Luís XVIII. Moral da história, sempre arriscado a imaginação tomar o poder.
No hay comentarios:
Publicar un comentario